Hugo batucada

Morava no pacato bairro de classe média familiar de Nazaré e liderava a turma dos bagunceiros do Campo da Pólvora, arrabalde de passagem.

Publicado em 02/10/2024 às 0:00 | Atualizado em 02/10/2024 às 6:02

Hugo Batucada foi o valentão mais famoso das décadas de 40, 50 e 60 da Bahia. Mulato de um metro e oitenta, oitenta quilos de puro músculo, olhos verdes, filho de negro angolês com uma espanhola belíssima, filha de dono de pastelaria espanhol, estabelecida nos Barris, torcedor do Vitória, nunca estudou nem trabalhou. Sendo bonito, era sustentado por duas ou três mulheres de uma vez só. Como passatempo preferido, ser desordeiro e capoeirista.

Morava no pacato bairro de classe média familiar de Nazaré e liderava a turma dos bagunceiros do Campo da Pólvora, arrabalde de passagem estratégica entre Tororó e os terreiros de Candomblé do Cabula, subúrbio das célebres laranjas. Ou seja, quem precisasse atravessar o Campo da Pólvora para as ruas vizinhas tinha que pagar pedágio estabelecido pela temida patota de Batucada. Integrou esse grupinho marcado pela polícia um jovem chamado Antônio Carlos Magalhães depois advogado, vereador, deputado estadual e federal, senador da república, governador da Bahia, torcedor fanático do glorioso Ypiranga, líder da direita brasileira, amigo do então comunista Jorge Amado, católico, apostólico, romano, apelidado de Toinho Malvadeza por uns e Toinho Doçura por outros.

Na década de 50 fui estudar na antiga Faculdade de Direito da UFBA, no Largo da Piedade. Nós, alguns alunos, estávamos sentados na mureta do prédio, aguardando a hora da aula, quando surge na Av. 7 de Setembro a turma do Campo da Pólvora, à frente Hugo Batucada, dançando capoeira. Pelo sim pelo não, quatro soldados PMs que estavam na esquina, se refugiaram na Catedral da Piedade. Quando íamos fazer o mesmo na nossa Faculdade, Orlando Gomes, nosso diretor, ia saindo e deu a ordem: "Não entra ninguém, eles nos respeitam!" Dito e feito: a turma do Campo da Pólvora parou defronte da Faculdade, Hugo Batucada adiantou-se, perfilou-se, bateu respeitosa continência para Orlando Gomes, grande jurista, torcedor do Tricolor de Aço e foi calorosamente aplaudido por nós.

Tempos depois, voltando à Bahia pedi a meu tio Heitor Eduardo, notícias de Hugo Batucada e ele: "Você está sentado?" "Estou." E tio Heitor: "O nosso Hugo Batucada virou a casaca. Deixou a valentia e as namoradas de lado e agora migrou do Polo Ativo pro Polo Passivo. De preferência os negros estivadores do Cais do Porto."

Arthur Carvalho,  da União Brasileira de Escritores - UBE-PE

 

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