Dayse de Vasconcelos Mayer: "Bets não é Bete nem Elizabete"

O Brasil possui entre 1 mil e 1,5 mil plataformas de jogos. Tal quantitativo impõe uma conclusão: o nosso problema não é só a Cracolância

Publicado em 05/10/2024 às 20:56

O ordenamento jurídico brasileiro considera contravenção penal os jogos de azar, a exemplo do jogo do bicho. Mas há aberturas legais: aqueles jogos que proporcionam supostos benefícios à sociedade. Seria o caso das competições esportivas, corridas automobilísticas e loterias.

O Brasil possui entre 1 mil e 1,5 mil plataformas de jogos (Instituto Jogo Legal). Tal quantitativo impõe uma conclusão: o nosso problema não é só a Cracolância.

Discordo, radicalmente, da permissão de jogos de azar e das famigeradas apostas, inclusive lotéricas, sob o pretexto de que trazem benfeitorias sociais. Meu grande e único erro foi apostar no magistério público brasileiro, uma das bets mais cafifentas.

A bet pode ser um substantivo com o plural bets ou mesmo um verbo. A tradução é “aposta ou apostar”. Essas apostas incluem, atualmente, o segmento mais vulnerável da população.

Somente no mês de agosto, conforme registro do “Estado de São Paulo”, foram identificados 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família que aplicaram R$3 bilhões nas plataformas de apostas online. O valor representa 20% dos R$14,1 bilhões repassados, mensalmente, pelo programa. Cada beneficiário apostou cerca de R$100,00.

Dizem que Lula ficou perplexo quando recebeu a notícia de que o dinheiro para subsistência das famílias abaixo da linha de pobreza estava caindo no alforje dos ricos e que os indigentes estão sendo enganados, ludibriados ou seduzidos pelas campanhas publicitárias de jogos.

Tão infame quanto as drogas

Os “influencers” que participam ativamente das grandes usinas de lavagem de dinheiro, aliciamento de políticos, “persuasão” de magistrados e aprovação da avalanche de leis para controle da máquina pública, são os nutrólogos indiretos do vício das apostas, tão infame quanto a cocaína, maconha, álcool e tabaco.

E a podridão está corroendo o poder aquisitivo da população e concorrendo para a sonegação de impostos. Dados da Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) revelam que mais de 25% da nossa população ficaram inadimplentes em 2023 em decorrência das bets.

Em apenas um ano eles arriscaram R$100 bilhões no Jogo do Tigrinho. Outro exemplo é o do CEO da “Sports Entretenimento e Promoção de Eventos” (Esportes da Sorte), sócio da banca do bicho “Caminho da Sorte” que movimentou somas bilionárias na compra, inclusive, de uma Ferrari no valor de 7 milhões, joias de ouro, relógios de marca Rolex, tudo transacionado em espécie.

O mais grave em tudo isso é a notícia de que nesse universo de importantespatrocinadores estão as organizações criminosas como o Comando Vermelho (CV) e o Primeiro Comando da Capital (PCC). Ambos atuam de forma oculta.

Enquanto isso, os pecadores aprisionados pela Polícia Federal tendem a repetir a história da Lava Jato. No último dia 27, por exemplo, os processos contra Leo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS, foram anulados pelo ex-advogado do PT – ministro Dias Toffoli. Lembrem-se que a delação premiada do empreiteiro só foi aceita quando ele incriminou seu grande amigo Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Na fase de faz-desfaz, o ex-juiz Sérgio Moro foi convertido no “Coringa” do filme, algo que está sucedendo com as bets “sem Curitiba” e com o mesmo título da obra de Margaret Mitchell - “E o vento levou”.

O caso da influenciadora Deolane Bezerra

A influenciadora Deolane Bezerra e outros protagonistas maiores já começaram a deixar as prisões por conta do vai-e-vem de advogados com seus pedidos de “habeas corpus”.

Aos poucos os criminosos, seguindo Graciliano Ramos em “Memórias do Cárcere”, estarão recebendo seus carros de luxo, aviões, mansões e joias. Basta recordar os irmãos Wesley e Joesley Batista.

Continuam em seus jatinhos multiplicando os seus bilhões. Enquanto essas cenas se repetem em cenário de “laissez-faire”, o jornalista Fernando Shuler lembra o caso de Barry Weiss, contratada pela “Times” para oferecer um toque mais faiscante à revista.

A profissional solicitou exoneração da função alegando estar cansada de publicar o “4000” artigo dizendo que Donald Trump é o único risco para o planeta. O caso das bets é igual.

As manchetes do jogo repetem a mesma máxima: “as bets são rotas seguras para o enriquecimento fácil”. E pouco importa que estejamos a criar jogadores compulsivos ou autodestrutivos, uma sociedade descrente das instituições e tolerante com a degradação.

O caso do doleiro Albert Youssef

O caso do doleiro Albert Youssef é a grande piada no mundo brasileiro da corrupção. Após conseguir anular seus processos, o doleiro requereu a restituição dos 176 milhões apreendidos.

O dinheiro, que deveria estar nas contas judiciais, desapareceu sem deixar nenhum vestígio (Veja Digital de 27/09/24).

Enfim, tudo parece revelar que na política só existe interesses escusos e oportunismo. A obsessão pela feitura de leis é um dessas modalidades de favorecimento. Temos leis para satisfação de todos os gostos e cobiças.

Há que lembrar que no dia 11 de novembro teremos a audiência convocada pelo ministro Luiz Fux, do STF, para discussão da Lei das Bets (Lei nº 14.790), sancionada pelo presidente Lula em 30 de dezembro de 2023 com a finalidade de aumentar a nossa arrecadação.

A audiência será realizada no âmbito da ação proposta pela CNC que pede a declaração de inconstitucionalidade. Enfim, teremos mais outro capítulo jurídico de iniciativa do STF. Não será um dia de inverno nem mesmo de inferno.

Afinal, “Nas Montanhas da Loucura”, obra de Lovecraft, o deserto é de gelo, mas o nosso está atualmente em chamas.

Dayse de Vasconcelos Mayer é doutora em ciências jurídico-políticas.

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