A recompensa da consciência serena

Não sou dono da verdade, estou passível de me equivocar, no entanto, escrevo meus votos convicto e nunca na dúvida. E sustento minhas opiniões

Publicado em 14/10/2024 às 5:00 | Atualizado em 15/10/2024 às 16:04

Nada que o dinheiro adquira substitui a placidez de uma consciência tranquila. Nada supera a ética da honestidade incutida desde a fase da infância. A vida propicia a cada um, ao longo da duração da sua jornada, a oportunidade para que cultive a compreensão disso.

No correr do período de cerca de quinze anos, o que é mais de um terço da minha caminhada, uma vez que me aproximo dos cinquenta degraus do existir, dedico o máximo de mim e o melhor que posso à minha entidade de classe, a Ordem dos Advogados do Brasil.

Sempre fui um aluno a quem não entusiasmaram as ciências exatas. Este arcabouço nas humanas foi o que me trouxe ao curso de Direito. E no Direito me mantém até aqui. Foi também o que me propeliu a querer participar ativamente do voluntariado de OAB.

Quando tomei posse no primeiro mandato de Conselheiro da Seccional pernambucana em 1° de janeiro de 2004, passei a estudar a fundo os temas próprios da profissão. Logo notei a superlativa importância da Ordem para a sociedade e que a entidade tinha uma predestinação a ser bem mais que um órgão cartorial ou "autarquia especial".

Nessa perspectiva, acolhi inúmeras relatorias, sempre no compromisso de tentar fazer a diferença, pensando no amanhã que espero deixar para minha filha Sophia, hoje com 13 anos, para que se orgulhe do pai. Projetar a OAB dentro dos princípios nos quais acredito. Foi o que me permitiu reunir uma bagagem de conhecimentos e me levou a ser indicado, em dado momento, pelo amigo Bruno Baptista e Diretoria, e a ser aprovado pelo Conselho de então, para ser Conselheiro Federal por quase um ano.

Dessas relatorias, a mais recente dialoga frontalmente com os subtemas da paridade de gêneros e da cota racial dentro do tema master das listas sêxtuplas do quinto constitucional do Tribunal de Justiça.

Não sou dono da verdade, estou passível de me equivocar, no entanto, escrevo meus votos convicto e nunca na dúvida. E sustento as minhas opiniões sem desmerecer a opinião do outro. Acredito em ideias, não na confrontação destrutiva. E se não tenho compromisso com o erro, muito menos o tenho com a experimentação e o casuísmo. O interesse que me move é o interesse público.

No tema das listas sêxtuplas, sempre carreguei a clareza da urgência de um abrir de olhos para as realidades ancestrais de subrepresentação da mulher e a da população negra. Percebi que a Ordem, culturalmente, tardou a encarar esta como sendo uma página infame da sua biografia. Fiz então o que reconheci que me cabia fazer no encargo de Relator.

Como resultante, expus as certezas de que a paridade é sinônimo de igualdade e não de apagamento ou cancelamento de um gênero por outro; e de que a equidade racial implica na reparação dos traumas do passado escravocrata, concretizando, verdadeiramente, o espírito constitucional da Carta de 1988. Ambas são ações afirmativas globais. Caminhos sem volta. Como na canção de Piaf, digo que, nessas escolhas, não me arrependo de nada ("je ne regrette rien").

Um dos mais admirados causídicos de todos os tempos no Brasil foi Sobral Pinto, falecido em 1991, aos 98 anos. Doutor Sobral era católico praticante e anticomunista ferrenho, mas defendeu presos políticos durante a ditadura, inclusive o comunista Luis Carlos Prestes. Mesmo que ideologicamente divergisse das crenças do cliente, não os recusava por isso. Doutor Sobral amava o direito, o valor imaterial da liberdade, lutava pelo devido processo legal e acreditava na justiça. Figuras como a dele são faróis de inspiração, me auxiliam a dimensionar o que é ser advogado e me conduzem em relatorias como as que cito aqui.

Acredito em uma OAB/PE pronta para ser liderada por uma mulher e a ser a casa de todas as etnias. Acredito em mais mulheres e negros nos postos de cúpula da entidade, da magistratura e dos demais Poderes, para que sejamos de fato uma sociedade de iguais. Acredito nas fórmulas de cálculo que constam regimentalmente para que a OAB no Estado berço de nascença dos primeiros cursos jurídicos concretize ambos esses resgates.

Encerro com Sêneca: "Viver significa lutar". Que seja então muito bem-vindo este novo tempo de uma OAB madura, moderna, ousada, púlpito da cidadania.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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