A aceitação do desafio de mudar

As pessoas reagem de diferentes formas ao novo. Algumas têm dificuldades em entender que também as instituições são dinâmicas. A regra é mudança

Publicado em 31/10/2024 às 5:00

A vida todo santo dia prova o quanto é mau conselheiro o ressentimento. Não sem razão, guardá-lo é como ingerir veneno e esperar que faça efeito em outrem. Há séculos, aliás, escreveu Heráclito de Éfeso: “Há que mostrar maior rapidez em acalmar um ressentimento do que em apagar um incêndio, pois as consequências do primeiro são infinitamente mais perigosas do que os resultados do último”.

Nos domínios da psicanálise se diz, por sua vez, que o ressentimento causa a permanência do indivíduo em um tempo de ruminação indigesta de uma ofensa que não termina e de um luto que não se consegue elaborar. Mesma coisa na literatura, em cujos verdes campos, citando Milan Kundera em sua obra “A Brincadeira”, é frequente o personagem que, obtendo êxito em sua vingança, passa a se perguntar o que, afinal, fará dali em diante.

As pessoas reagem de diferentes formas ao novo. Algumas têm dificuldades em entender que também as instituições são dinâmicas e que a regra do mundo é justamente a mudança, como dito em palestra por Leandro Karnal, autor, ainda, da pérola: “Tudo o que me conforta me imbeciliza”.

Abraçar a mudança não é questão de trocar de rostos ou de localização imobiliária ou de pintar as paredes de casa ou do escritório de outra cor. Mudar é avançar com a experiência, é aproveitar o legado do que já frutificou, é navegar por uma cartografia que pretende levar o navio ainda mais distante da terra firme.

Para a neurociência, a capacidade de mudar tem nome: neuroplasticidade. Em que pese o cérebro possua uma propensão natural à familiaridade e à estabilidade, buscando mais a segurança e o conforto, a atuar nesse processo o sistema límbico, estratégias como cultivar a positividade, praticar a conscientização plena (“mindfulness”) e desenvolver a resiliência são aliadas essenciais. Mudar é proporcionar crescimento e expansão.

Na parábola de 1998 “Quem mexeu no meu queijo?”, de Spencer Johnson, quatro personagens - dois ratos e dois duendes - precisam ir atrás do próprio queijo para sobreviver. Habitam o mesmo labirinto. Os ratos são Sniff e Scurry e os duendes são Hem e Haw. Um belo dia, grandes quantidades do produto começam a aparecer no chamado “Posto C”. Os ratos e os duendes adaptam-se de imediato à novidade e logo se mudam para perto do “Posto C”. O problema é que, em determinada manhã, o queijo some do “Posto C”. A partir daí, os personagens reagem de maneiras distintas.

O queijo é uma metáfora para o que cada um almeja na vida: relacionamento, reconhecimento, conforto financeiro, etc. Os ratos caçam o queijo em novos pontos do labirinto, enquanto o duende Hem se acomoda e o outro duende, Haw, adapta-se e começa a escrever lições nas paredes do labirinto, entre as quais:
“Quanto mais importante seu queijo é para você, menos você deseja abrir mão dele”; e “O movimento em uma nova direção ajuda-o a encontrar um novo queijo”; e “Imaginar-me saboreando o novo queijo, antes mesmo de encontrálo, conduz-me a ele”. Quem somos nós nesse mosaico?

Mudar, no meu sentir, é ampliar horizontes e desafiar a costumeira propensão humana à curiosidade sem fim. Daí as preciosas lições finais da parábola de Johnson: 1) A mudança ocorre. Em algum momento alguém irá mexer no seu queijo; 2) Antecipe a mudança. Não espere a mudança acontecer; 3) Monitore a
mudança. Verifique o queijo com frequência para saber quando está ficando velho; 4) Adapte-se rapidamente à mudança. Quanto antes você esquece do queijo velho, mais rápido saboreará um novo; 5) Se permita mudar. Saia do lugar, assim como o queijo; 6) Aprecie a mudança. Sinta o gosto da aventura e
do novo queijo; e 7) Esteja preparado para mudar rapidamente muitas vezes. A vida é dinâmica e vai continuar mexendo no seu queijo.

Se a mudança altera a paisagem para nela agregar outros encantos; por que negá-la? Mais que isso: para quê negá-la, guiando os pensamentos pelo ressentimento ou pela incapacidade de perceber que o desejo da evoluir faz parte do processo da felicidade?

Concluo citando Gandhi: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. É isso. Até o nosso próximo encontro. E viva a mudança, já que quem se alimenta de ideia fixa rumina a própria tragédia.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

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