A concessão da vitória
O candidato derrotado reconhece o resultado das urnas, concede a vitória ao adversário; admitindo a sua legitimidade como líder eleito pelo povo
A tradição norte-americana de concessão da vitória, conhecida como “concession speech” (discurso de concessão), remonta ao século XIX, com a prática se tornando mais formal no século XX, especialmente com o avanço da cobertura da mídia e a importância crescente da transição pacífica de poder.
O candidato derrotado reconhece o resultado das urnas, concede a vitória ao adversário; admitindo a sua legitimidade como líder eleito e parabenizando-o com um telefonema. Em reforço e respeito à estabilidade democrática profere o discurso de concessão, como mensagem de unidade nacional.
Assim aconteceu no “day after” das eleições, quando Kamala Harris após a sua derrota eleitoral, fez sua declaração pública, na quarta-feira 06/11, incentivando também seus apoiadores à realidade conclusiva do pleito.
Este ato de concessão como prática política consolida o respeito pela vontade popular e pela aceitação do resultado eleitoral. Tem-se nesse ato a retórica e a importância da democracia celebrada, acima das competições políticas.
Assim também aconteceu com William Jennings Bryan em 1896. A concessão de Bryan a William McKinley é uma das primeiras registradas e marcou um exemplo inicial da prática. Bryan enviou um telegrama reconhecendo a vitória de McKinley, o que foi visto como um ato de respeito pela decisão do eleitorado.
Outros diversos precedentes reforçam a tradição de concessão da vitória, a exemplo de Al Smith, concedendo, em 1928, a vitória a Herbert Hoover de forma pública e direta e de Richard Nixon, em 1960, perante John F. Kennedy, em uma eleição bastante controversa, preferindo não contestar o resultado. Ao não o impugnar, consolidou a ideia de que a estabilidade democrática sempre se encontra acima das disputas individuais.
Mais recentemente, anota-se Al Gore em 2000, concedendo a vitória a George W. Bush, em uma eleição marcada por uma recontagem controversa na Flórida. Em exemplo edificante, Gore fez um discurso de concessão em que declarou:
“Por bem do nosso sistema de governo, que eu espero que todos amemos, concedo minha disputa.” O discurso tradicional, diante de sua importante simbologia, reforça o espírito democrático, ao priorizar o interesse coletivo e o respeito pelas instituições, após o pleito eleitoral. Cessam as disputas acirradas e as diversas divisões políticas; favorece-se a união nacional de um país voltado para o novo governo.
É a celebração da democracia, com o respeito pela decisão da maioria. Sem cogitar tentativas de (re)tomada do poder por meios violentos, ilegítimos e inconstitucionais. A nação inteira há de manter o seu diálogo, na transição política e no tempo doravante, seguindo os seus rumos, estimulada pelo discurso de concessão da vitória. A democracia não resulta fragilizada, tem sua prioridade absoluta em relação aos interesses políticos pessoais de cada um.
A nobreza para com o concorrente é um preceito sinalagmático na história da política norte-americana. Um dos momentos eloquentes situou-se na postura do republicano Ronald Reagan, quando no curso de sua reeleição à presidência dos EUA, em 1984. Consagrado em todo o país, com a previsão de vitória
garantida, não hesitou em determinar que sua campanha em Minnesota fosse logo suspensa, para que o opositor Walter Mondale vencesse, como ocorreu, em seu estado natal. Reagan obteve a maior votação no colégio eleitoral, ganhando em 49 dos 50 Estados, a exemplo de Richard Nixon em 1972.
O discurso de concessão experienciou, ao longo do tempo, todos os ciclos evolutivos do sistema de comunicação: (i) Em 1986, na primeira concessão pública, atribuída ao democrata William Jennings Bryam, ele subscreveu sua derrota, expedindo ao republicano William McKinley um telegrama. Disse-lhe: “O senador Jones acaba de informar-me que os resultados indicam a sua eleição e eu apresso-me a dar-lhe os parabéns.
Entregamos o assunto ao povo americano e a vontade deles é lei”; (ii) Em 1929, Al Smith derrotado por Herbert Hoover utilizou o rádio, proferindo um rápido discurso, seguindo-se, adiante, esse uso nas derrotas dos demais, (iii) Em 1940, quando perdeu para Franklin D. Roosevelt, o discurso de concessão do republicano Wendell Wilkie foi apresentado nos cinemas. (iv) Em 1952, a televisão serviu como meio de comunicação, tendo Adlai Stevenson a utilizado pela primeira vez, para seu discurso dirigido a Dwight D.
Eisenhower. Fê-lo com mais talento, revestindo-o em categoria de prece: “Para que você seja um servidor e um guardião da paz e que torne o vale dos apuros numa porta de esperança, aqui fica a minha sincera prece”.
(v) Agora, em 20024, Kamala Harris proferiu sua fala na Universidade de Howard, em Washington, onde se formou em ciências políticas e economia.
Em discurso emocionado, acentuou as duas vertentes éticas em situações que tais: a) precisa-se (os democratas) aceitar a derrota; b) dará seu auxílio na transição de governos. Foi incisiva na conclusão: “Aceito a derrota, mas continuarei na luta”. Aceitar a derrota com dignidade é um aprendizado de resiliência. Melhor se aperfeiçoa quando se mostra, a exemplo de um garante fundamental que potencializa a normalidade da democracia.
Jones Figueirêdo Alves é Desembargador Emérito do TJPE e Advogado civilista