Câncer de Próstata: tratamento de mais de 100 anos
Todo mês de novembro o assunto câncer de próstata volta à cena graças ao "novembro azul", movimento originário da Austrália em 2003.

O dia 17/11 marca o "dia mundial de combate ao câncer de próstata". Entretanto, o novembro azul não foi um movimento voltado exclusivamente ao câncer de próstata, mas com um intuito mais abrangente, o de chamar atenção para o diagnóstico precoce de doenças que acometem a população masculina em geral, entre elas também o Diabetes cujo dia mundial de combate é 14/11 e o símbolo um círculo azul.
Foi em um bar de Melbourne que dois amigos australianos refletindo sobre a razão do uso do bigode ter "caído de moda" entre os locais e inspirados em campanhas como o outubro Rosa para o câncer de mama, decidiram lançar um movimento chamado "movember" onde juntaram as palavras Moustache (bigode, um símbolo masculino) e November (novembro), para que os homens deixassem seus bigodes crescerem durante aquele mês, chamando atenção para o combate a doenças masculinas como o câncer de próstata. Este câncer, o mais prevalente entre a população masculina acima dos 50 anos, excetuando o câncer de pele, não letal, representa um verdadeiro "terror" para os homens. Para se ter uma ideia de sua magnitude, nos Estados Unidos a cada 2 minutos um homem é diagnosticado e a cada 15 minutos outro morre desta doença. No Brasil, em números absolutos, segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o câncer de próstata acometerá mais de 70 mil homens em 2024( https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/estimativa-2023.pdf ), ficando atrás apenas do câncer de mama, nas mulheres, com estimados 73 mil casos.
Em oncologia permanece até hoje o conceito de que quanto mais precoce o câncer seja diagnosticado maior a chance de cura. Ora, em uma doença que inicialmente é silenciosa e não apresenta sintomas o diagnóstico precoce é um desafio e exige uma "antecipação" através de alguma forma de rastreamento e exames, daí o tal incentivo em campanhas como o novembro azul para alertar homens a partir de uma certa idade, em torno dos 45 anos, a procurar um urologista para "checar" a próstata.
Vários são os tratamentos para freiar ou curar a doença, a depender do estágio em que ela se encontra e das condições e expectativa de vida dos pacientes. A principal forma curativa ainda continua sendo a retirada da glândula prostática através da cirurgia chamada prostatectomia radical.
A primeira cirurgia desse tipo descrita na literatura data de 1904. Pois é, há 120 anos o dr. Hugh Hampton Young, considerado o pai da urologia, extirpou uma próstata cancerígena através do períneo de um paciente no Hospital Johns Hopkins. Dr. Young além de ter sido pioneiro e líder em urologia naquele que até hoje é um dos maiores centros médicos mundiais, trabalhou junto com nomes que estão na história da medicina como William Halsted, Welch e Harvey Cushing entre outros.
Apesar de bastante eficaz no controle do câncer, a cirurgia radical da próstata permaneceu subutilizada por mais da metade do século passado. Devido a altos índices de complicações como impotência sexual entre 70 a 90%, incontinência urinária maior que 50% e sangramentos de difícil controle que ameaçava a recuperação e a própria vida dos pacientes, até meados dos anos 1970 a prostatectomia radical era raramente empregada como tratamento, novamente, apesar de suas altas taxas de controle do câncer de próstata. No final daquela década o eminente urologista Dr. Patrick Walsh, também do Johns Hopkins, e seguindo o pioneirismo de seu antecessor Dr. Young, descobriu o trabalho de um anatomista holandês chamado Peter Donker que dissecava cadáveres fetais "frescos" e postulava uma melhor descrição anatômica das estruturas internas do corpo humano.
Em associação com Dr. Donker e comparando seus resultados e observações como exímio cirurgião urologista, Walsh descreveu no início dos anos 1980 a técnica até hoje utilizada da prostatectomia radical anatômica com preservação da função urinária e sexual. Dr. Patrick C. Walsh, ainda em atividade acadêmica, e com quem já tive a oportunidade de conhecer e conversar escreveu seu nome na história da urologia americana e mundial e influenciou várias gerações de urologistas em todo o mundo.
O desenvolvimento tecnológico a partir da virada deste século levou a medicina a um avanço exponencial nas 2 últimas décadas. A utilização de técnicas minimamente invasivas, da robótica e mais recentemente o uso da Inteligência Artificial tornou a realização dessa cirurgia muito mais precisa proporcionando a nós cirurgiões e em benefício dos pacientes a possibilidade de continuar realizando uma cirurgia de mais de 100 anos com o mínimo ou nenhuma sequela, uma rápida recuperação funcional e mínima perda de sangue. Ainda existem alguns mitos em relação à próstata, suas doenças e seus diversos tratamentos. O paradigma de que se mexer na próstata o homem ficará inexoravelmente impotente é coisa do passado e de pura desinformação. Apesar de ter sido descrita há exatos 120 anos, a retirada desta glândula continua sendo o principal tratamento curativo para uma doença que o reconhecido professor e urologista Miguel Srougi descreveu de como é "desconcertante que uma glândula que representa 0,25% do peso de um homem adulto possa causar tanto infortúnio e constrangimento". O câncer de próstata mata, e pode causar inúmeros transtornos aos homens numa fase da vida em que muitos desejariam a tranquilidade e os benefícios da maturidade, que tem sim seus encantos. Portanto previna-se, o câncer de próstata tem cura!
Dedico este artigo a 3 pessoas:
Ao professor Miguel Srougi, ex-professor de urologia da USP, maior autoridade do país neste assunto e que influenciou várias gerações de urologistas em todo o Brasil, entre os quais me incluo.
Ao professor Amaury Medeiros, ex-professor de urologia da UPE que me iniciou na trilha acadêmica da pós-graduação, o que me levou à atividade de ensino a que também me dedico hoje em dia.
Por fim ao amigo "imortal "José Paulo Cavalcanti Filho, não por qualquer causa prostática, pois até onde eu sei sua próstata está em ótimo estado, como a de uma "criança", mas pela inspiração que me causa de aprofundar-me nas artes literárias e de cultura geral. Zé Paulo, um beijo!
Misael Wanderley Jr., urologista e professor universitário