Desastres naturais, gestão pública e o papel do TCE-PE

Os desastres são históricos, mas eventos recentes têm se transformado em tragédias: Petrópolis e região serrana do RJ, RMR e Rio Grande do Sul

Publicado em 24/11/2024 às 0:00
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O aumento da frequência e intensidade dos desastres naturais, como enchentes, deslizamentos e secas, fruto das mudanças climáticas, é um desafio global que exige respostas integradas e inovadoras. No Brasil, entre 1991 e 2024, as perdas econômicas relacionadas a desastres superaram a casa dos R$ 570 bilhões. Isso sem falar no maior dos danos: as perdas humanas, que foram mais de 5 mil no período.

Os desastres são históricos, mas eventos recentes têm se transformado em tragédias: Petrópolis e região serrana do RJ, Brumadinho, Região Metropolitana do Recife e Zona da Mata, Rio Grande do Sul, sem esquecer da seca e da desertificação do semiárido nordestino.

O fenômeno é abordado por Niall Ferguson, pensador britânico, em seu livro “Catástrofe: uma história de desastres – das guerras às pandemias – e o nosso fracasso de aprender a lidar com eles”. Ferguson, conhecido pela capacidade de analisar fenômenos complexos e conectá-los a questões contemporâneas, conclui que a vulnerabilidade das sociedades modernas frente a eventos extremos não reside apenas na força da natureza, mas, sobretudo, em falhas sistêmicas de governança, planejamento e coordenação. Para ele, “os maiores desastres não são simplesmente obra do acaso, mas o resultado de erros humanos em lidar com riscos”.

O autor enfatiza, ainda, a importância de instituições robustas, capazes de aprender com eventos passados e agir de forma preventiva. É certo que quando ele fala de instituições está se referindo, de maneira mais direta, aos governos, responsáveis pela execução das políticas públicas. Mas é óbvio que esse desafio também alcança os sistemas de controle da gestão pública.

Nesse sentido, em resposta a esse cenário, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) acaba de divulgar um levantamento inédito que avaliou as capacidades dos 184 municípios do Estado na gestão de riscos e desastres. Utilizando o Indicador de Capacidade Municipal (ICM), o estudo combinou fatores de vulnerabilidade natural e de governança para criar uma análise detalhada do preparo dos municípios no enfrentamento de situações adversas.

Essa iniciativa está inserida em um contexto de mudança gradual na atuação do TCE-PE, que passa a olhar a gestão pública para além do controle da conformidade das contas. Assim, o foco aponta igualmente para uma abordagem mais preditiva e preventiva, reforçando a transparência por meio da ampla divulgação dos estudos (diagnósticos) e aprofundando as avaliações de políticas públicas. O estudo completo do TCE-PE pode ser consultado em: shorturl.at/71z76.

A metodologia adotada incluiu o envio de um formulário com 64 perguntas aos gestores dos 184 municípios do Estado, buscando mapear suas capacidades e fragilidades. O questionário foi estruturado em seis seções principais, abordando aspectos como: planejamento; execução da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil; estrutura de recursos humanos e materiais das Defesas Civis Municipais e a implementação das obrigações previstas no Cadastro Nacional de Municípios com Áreas de Risco. Esse diagnóstico abrangente permitiu identificar as boas práticas e as lacunas críticas, fornecendo uma base sólida para o aprimoramento das políticas públicas de proteção civil. Registre-se que a Secretaria de Defesa Civil do Estado desempenhou um papel estratégico e colaborativo na execução do levantamento conduzido pelo TCE-PE.

O relatório traz preocupações. 76% dos municípios de Pernambuco estão pouco preparados para lidar com desastres, especialmente aqueles com alta vulnerabilidade climática e baixa governança. Embora alguns municípios tenham demonstrado boas práticas, como a implementação de planos de contingência e mapeamento de áreas de risco, a grande maioria carece de recursos, coordenação intersetorial e monitoramento contínuo. Entre os desafios identificados estão: ausência de planos de contingência atualizados; baixa implementação de fundos municipais de defesa civil; e falta de sistemas eficazes de alerta e monitoramento em tempo real, essenciais para prevenir tragédias em áreas de risco.

O TCE-PE adotará uma postura orientadora neste primeiro momento. O relatório já foi enviado aos prefeitos e será entregue aos novos gestores eleitos. A Escola de Contas também oferecerá a capacitação necessária sobre os problemas associados aos desastres. Essa abordagem inicial reflete o compromisso do Tribunal com a construção de uma atuação colaborativa, envolvendo gestores e sociedade civil. Após esse período, de caráter mais pedagógico, o Órgão vai incorporar o exame dos resultados dessas políticas públicas aos processos de contas dos gestores.

O diagnóstico reforça a importância de políticas públicas proativas, não apenas para responder a desastres, mas para criar sistemas que possam absorver impactos e proteger o cidadão. Em Pernambuco, a construção de um futuro mais seguro depende do compromisso dos gestores públicos, dos órgãos de controle e da participação da sociedade. Investir em proteção e defesa civil não é apenas um dever legal e administrativo; é uma política pública que salva vidas.

Valdecir Pascoal - Presidente do TCE-PE

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