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O papel das escolas no enfrentamento do racismo

As escolas precisam muito desenvolver uma pedagogia libertadora, formando agentes capazes de promover uma reapropriação cultural....

Por MANOELA ALVES Publicado em 04/12/2024 às 0:00 | Atualizado em 04/12/2024 às 22:00

Na semana passada, uma escola particular em Recife sofreu uma chuva de críticas por um episódio inusitado: ao organizar a mostra de conhecimentos, escolheu o tema Africanidade para ser trabalhado pelo 4º ano do ensino fundamental. Iniciativa louvável. Inclusive, a escolha deste tema está em consonância com a Lei 10.639/03 que tornou obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas públicas e privadas do Brasil, desde o ensino fundamental até o ensino médio.

O ambiente educacional é apropriado para trabalhar essa herança cultural do povo negro e a escola caminhava para uma mostra de conhecimento muito bem-sucedida, não fosse um ponto problemático na abordagem da escola, residente no fato de sua solicitação para que o alunado usasse "trajes típicos" de pessoas negras. A comunicação escolar direcionada às pessoas responsáveis pelas crianças indicava utilização de roupas com estampas étnicas, uso de tranças nagô pelas meninas, e até pinturas corporais com tinta branca por meninos.

Levando em consideração que a esmagadora maioria das crianças na turma é branca, um cenário de apropriação cultural e blackface são ameaçadores do processo pedagógico. Apropriação cultural é possível quando as crianças, mesmo brancas, vestem esses trajes sem o entendimento do que isso representa para o povo negro. Um exemplo importante são as tranças usadas pela população negra: Estas já serviram como códigos e através delas era possível saber a condição social de quem as usava, seu estado civil, a religião que professavam, serviam de mapas de fuga e até eram usadas para transportes de grãos de ouro que garantiram alforria de muitas pessoas escravizadas, ou seja, uma verdadeira tecnologia ancestral.

Para além disso, também temos o incentivo ao blackface, normalmente caracterizado quando uma pessoa que não é negra se pinta como tal com fins recreativos, como por exemplo o personagem da "nega maluca". Esse tipo de prática é tida como desrespeitosa, até mesmo no carnaval, assim como também não se recomenda que as pessoas se fantasiem de indígena. É preciso entender que a identidade cultural e política dos povos não podem ser objeto de chacota nesta sociedade.

A verdade é que a escola teria várias formas de abordar este tema: levar o corpo discente a locais com visitação que trazem um pouco desta história como o Museu da Abolição e o Quilombo do Catucá; convidar pessoas com formação em história para aprofundar a temática; fazer um convite para um bate-papo com pessoas afroempreendedoras que atuam em Recife e costuram roupas com tecido afro, algumas delas inclusive são de origem de países do continente africano onde a costura é uma atividade tipicamente masculina; Promover uma degustação com algum buffet especializado em comida africana, que fosse acompanhada de um olhar explicativo do significado de cada comida para o povo negro; Passar um filme, curta-metragem, dialogar com grupo de teatro afrocentrado ou buscar algum tipo de arte protagonizada por pessoas negras para abordar de forma lúdica a história do povo negro; Enfim, formatos não faltam.

As escolas são, em muitos casos, o primeiro lugar onde as crianças negras conhecem o racismo, uma vez que, antes da fase escolar, tendem a viver no seio familiar quase que na totalidade do tempo e, estas mesmas escolas, podem ser um ponto de virada na construção de uma sociedade com mais equidade e respeito para todas as pessoas.

Segundo um estudo realizado pela FEBRABAN, em parceria com o IPESPE, no ano de 2022, 32% das pessoas que sofreram algum tipo de bullying são negras, seguidos por pessoas da comunidade LGBTQIA , com 24%, e aspecto físico ou padrão de beleza com 15%. A classe social vem em quarto lugar, com 8% dos casos. As sequelas de uma violência sofrida ainda nesta fase podem reverberar por toda uma vida e garantir ambientes escolares de acolhimento, respeito e empoderamento identitário, vai fazer a diferença para a sociedade que teremos nas próximas décadas. Como sugestão inicial de letramento, recomendo duas obras que devem ser de leitura obrigatória para pessoas educadoras: "como ser um educador antirracista" e "educando crianças antirracistas", ambas da autora Barbara Carine.

Ao final, o que este episódio nos ensina é que as escolas precisam desenvolver uma pedagogia libertadora, conforme ensina o cientista político Almicar Cabral, formando agentes capazes de promover uma reapropriação cultural, proporcionando aos povos colonizados as ferramentas necessárias para compreenderem e enfrentarem sua condição de opressão e conscientizando as pessoas em condição de privilégio para entenderem e apoiarem a luta por equidade como meta de evolução social.

Manoela Alves - Diretora do Instituto Enegrecer

 

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