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Construir pontes: missão a novos líderes

O mundo contemporâneo experimenta transformações de toda ordem que vêm impactando significativamente nossa forma de agir e pensar.

Por OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS Publicado em 14/12/2024 às 0:00 | Atualizado em 14/12/2024 às 12:55

Nesse contexto, as relações humanas e institucionais passaram a ser escravizadas pelo "paradigma da informação" - conceito que evidencia a dificuldade de boa parte das pessoas de compreender, filtrar e posicionar-se diante de uma imensidão de conhecimentos disponíveis.

No âmbito militar, esses desafios não são menores. A transição da guerra industrial para a guerra informacional modificou características de emprego das forças armadas, bem como reajustou atributos para o comando, a chefia e a liderança.

O sucesso do estamento militar deixou de depender apenas da competência técnica e da capacidade combativa de suas lideranças, passando a exigir igualmente habilidades já valorizadas no ambiente corporativo como comunicação, persuasão e negociação.

Um exemplo inspirador dessas novas posturas está no livro ESSE BARCO TAMBÉM É SEU (Editora Cultrix, 2006), no qual Michael Abrashoff, antigo comandante do USS Benfold, descreve como transformou o ambiente daquela poderosa belonave por meio de uma liderança baseada em confiança, valorização da equipe e comunicação transparente.

Sua abordagem diferenciada para combater os problemas daquele navio - cujo espírito de corpo estava se esvaindo - demostrou que comandantes devem instigar colaboração e atribuir responsabilidade a seus subordinados, a fim de alcançar alto desempenho.

Como exemplo pessoal, enquanto estive na ativa, costumava estimular o ambiente de trabalho de meu entorno com a frase: confiar, delegar, presumir boa fé e aceitar o erro.

O êxito ou fracasso das organizações militares modernas dependerá cada vez mais da capacidade de suas lideranças de equilibrar relações harmoniosas no campo pessoal com subordinados, pares e superiores, e institucional com organizações fardadas ou não.

É mister, todavia, que a sociedade reconheça as particularidades que envolvem as Forças Armadas, compreendendo que elas se diferenciam intensamente (nem por isso são melhores ou piores) das organizações civis em seu espírito e sua lógica estrutural.

Reduzir o papel do militar a um "administrador fardado", mais preocupado em dar lucros que operacionalidade, mais preocupado em reduzir gastos que estar pronto para defender a sociedade, como às vezes ouvimos supostos conhecedores do tema defenderem, é, reafirmo, ignorar as especificidades que moldam a profissão das armas.

Há características anímicas fundamentais da atividade militar que não podem ser abandonadas em qualquer circunstância. Elas sustentam o soldado diante dos desafios físicos e emocionais que eles enfrentam, mesmo em tempos modernos, onde o combate à baioneta foi substituído pelo mover de joysticks.

Diante desses desafios, se promove junto aos recursos humanos das Forças Armadas a evolução das características de líder, de administrador e de combatente, aceitando-se superar modelos hierárquicos e gerenciais rígidos em favor de estruturas mais flexíveis.

Como já destacava o sociólogo americano Morris Janowitz, na obra O SOLDADO PROFISSIONAL (Edições GRD, 1967), combatividade, habilidade técnica e capacidade administrativa não são excludentes, mas complementares.

Trazendo a linha de raciocínio do sociólogo ao contexto atual, essa complementaridade é mais importante nos níveis superiores das estruturas militares, onde as linhas de autoridade se mostram complexas e matriciais, os contatos interinstitucionais mais frequentes e as demandas por negociação entre o soldado e o Estado imperativas.

À medida que um militar ascende na hierarquia e se vê pressionado pelos desafios do século XXI, empatia e capacidade de construir pontes entre diferentes pessoas e interesses ganham relevo e se consolidam como atributos indispensáveis para a liderança.

E esse líder não apenas deve comandar, mas inspirar, não apenas administrar, mas humanizar, honrando suas tradições e valores, enquanto abraça os novos tempos. Que assim seja!

Otávio Santana de Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva

 

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