Sobre o Natal: Felicidade e Economia
Para consumir, é preciso produzir. E produção de qualquer coisa exige recursos da única fonte que, em última instância, os pode fornecer – a natureza
Em qualquer língua de país do Ocidente, nesta época do ano, ouve-se e escreve-se continuamente “Feliz Natal!”. O que se quer dizer com isso? Que se formulam votos de felicidade às pessoas próximas – claro!
Ninguém diz “Vamos fazer o PIB crescer mais e mais”, sequer na virada do ano. Porque, na verdade, o que todos nós queremos e desejamos às pessoas queridas é ser felizes. Uma economia pujante pode ser buscada; nunca, contudo como um fim em si mesmo.
Nosso objetivo último é sermos felizes. Para isso, precisamos de coisas que a atividade econômica produz – mas não a quantidade enorme de bugigangas que somos induzidos a comprar e que jamais compraríamos se a decisão fosse completamente soberana, sem o apelo intenso de uma publicidade lamentável.
Ser feliz é o propósito derradeiro de todos nós, mesmo que não o expressemos declaradamente. Na encíclica do Papa Francisco Laudato Si’, de 2015, critica-se, com toda razão, a “cultura do descarte”, com seu conteúdo de consumir e jogar fora de modo cada vez mais veloz um bem adquirido.
Segundo o documento, o ritmo de consumo, desperdício e alteração do meio ambiente superou de tal maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida atual – por ser insustentável – só pode desembocar em catástrofes, como, aliás, já está acontecendo periodicamente em várias regiões.
Isso é demonstrado pela ciência, haja vista que a ferramenta da “pegada ecológica” – criação do canadense William Rees, da Universidade de British Columbia, em Vancouver (Canadá), que calcula a dimensão do impacto dos seres humanos sobre a natureza, já excede em 70% o fluxo de bens e serviços que o planeta pode oferecer em um ano. Quer dizer, consumimos hoje 70% mais do que legitimamente podemos. Esse valor era de 50% em 2012 e de 5% em 1972.
Para consumir, é preciso produzir. E produção de qualquer coisa exige recursos da única fonte que, em última instância, os pode fornecer – a natureza. Extrair recursos, por sua vez, é como cavar buracos, alguns dos quais não param de crescer e são eternos. Depois do consumo, os bens viram energia e matéria degradadas, as quais são inexoravelmente lançadas de volta ao meio ambiente. Fazer isso é como amontoar sujeira – sujeira essa que é eterna e não para de crescer em muitos casos.
O buraco cavado e o monte de porcaria representam o custo ambiental da atividade humana, ignorado no modelo econômico do crescimento a todo custo, que governa o mundo. Coletividades humanas, e outras coletividades de seres vivos sofrem com isso. Daí por que perseguir o aumento contínuo do PIB termina constituindo uma insanidade.
Tem-se que perguntar antes que pegada ecológica o planeta é capaz de suportar. Certamente, uma em que seu valor esteja abaixo do da capacidade biofísica do ecossistema terrestre. Sem contar que muitas atividades econômicas causam desgraças humanas inaceitáveis, como no caso de projetos tipo Belo Monte, do agronegócio que esgota aqüíferos na região do São Francisco, de inversões como a da refinaria em Suape, de projetos de mineração como os do desastre de Mariana e Brumadinho.
Assim, desejar felicidades nesta época do ano significa tomar o partido do bem-estar humano, que é o que se deve promover, sem agressões socioambientais. Pensando em filhos e netos, queremos que eles possam desfrutar de um mundo gostoso, sem as desgraças ecológicas, sociais e culturais de hoje. Feliz Natal mesmo!
O autor é ex-Presidente da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE) e membro da Academia Pernambucana de Ciências (APC).