Recuperação judicial precisa honrar direitos trabalhistas

Recuperação judicial compreende uma série de etapas que a empresa devedora deve seguir...Cumpridas essas etapas, o pedido deve ser protocolado.

Publicado em 10/01/2025 às 0:00 | Atualizado em 10/01/2025 às 11:34
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A recuperação judicial estabelecida pela Lei nº 11.101/2005 objetiva possibilitar que as empresas em dificuldades financeiras possam se reestruturar e evitar a falência. O processo busca equilibrar os interesses da empresa devedora e de seus credores, permitindo a continuidade da atividade empresarial e a preservação de empregos.

A recuperação judicial compreende uma série de etapas que a empresa devedora deve seguir: 1) Pedido de Recuperação Judicial; 2) Documentação e Plano de Recuperação (Demonstrações financeiras, Relacionamento com credores -quem são os credores, valores devidos, condições de pagamento); 3) Plano de Recuperação Judicial (Descreve como a empresa pretende reestruturar suas dívidas, quais prazos de pagamento ela propõe, e como pretende superar a crise financeira. O plano pode incluir ações como: Renegociação de dívidas, venda de ativos, aporte de capital)

Cumpridas essas etapas, o pedido deve ser protocolado. O juiz pode conceder a recuperação judicial, desde que a empresa tenha atendido aos requisitos legais, como a regularidade fiscal (não pode estar em débito com a Receita Federal, por exemplo) e o preenchimento dos requisitos materiais e formais exigidos pela lei. Após a concessão da recuperação judicial, o plano é submetido à votação dos credores, que devem aprová-lo. O processo de votação pode ser complexo, pois os credores são divididos em classes (por exemplo, credores trabalhistas, quirografários, com garantia real, etc.), e cada classe pode aprovar ou não as propostas. Se os credores aprovarem o plano de recuperação, ele será homologado pelo juiz. A partir daí, a empresa passa a cumprir as condições estabelecidas no plano, sendo supervisionada por um administrador judicial (profissional nomeado pelo juiz para auxiliar no processo).

Após a homologação, a empresa começa a executar as medidas previstas no plano. Durante todo o processo, o juiz monitora o seu cumprimento, e pode intervir caso a empresa não esteja cumprindo as condições estabelecidas, inclusive decretar a falência da empresa se entender que a recuperação é inviável.

Não é legal aprovar um plano de recuperação judicial que prejudique os direitos trabalhistas de funcionários ou ex-funcionários, incluindo o não pagamento de salários atrasados, indenizações por demissões sem justa causa, ou FGTS. A Lei estabelece que os créditos trabalhistas têm prioridade no processo após a quitação dos impostos. No entanto, o valor do crédito trabalhista protegido tem um limite de 150 salários mínimos corresponde a R$ 198.000,00 por trabalhador (valor de 2024). Essa restrição é absurda, considerando que há empresas que não pagam salários de seus profissionais e não depositam o FGTS há anos. Agravado por demissões sem pagar os direitos indenizatórios.

Caso a empresa não pague seus débitos trabalhistas pode ocorrer o descredenciamento da recuperação judicial e a conversão do processo em falência. Além disso, se o plano de recuperação judicial estabelecer condições que ferem os direitos dos trabalhadores (como parcelamento indevido ou redução de valores sem justificativa), o juiz pode rejeitar o plano de recuperação ou exigir ajustes para garantir que os trabalhadores recebam o que é devido.

A autoria do projeto de lei que resultou na Lei nº 11.101/2005 é atribuída ao deputado federal Luiz Carlos Hauly (Partido Podemos, que tem sua origem no antigo Partido Trabalhista Nacional). O processo de tramitação começou em 2001. Foi analisado e aprovado pelas comissões de Finanças e Tributação (CFT) e de Constituição e Justiça. Em 2004, foi aprovado pelo Senado Federal e, em fevereiro de 2005, a Lei foi sancionada pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. É estranho, não ter sido analisada e aprovada pelo Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, que tem como uma de suas principais funções a análise de projetos de lei e outras matérias relacionadas aos direitos trabalhistas.

Ao longo dos anos, grandes empresas brasileiras se beneficiaram da recuperação judicial. Entre outras: Odebrecht, Varig, Via Varejo (Casas Bahia e Ponto Frio), Latam Airlines do Brasil, Saraiva, Oi, Mappin, Gradiente e, em 2023, as Lojas Americanas. Essa última causou grande repercussão na mídia. Crise foi causada por problemas contábeis e de gestão financeira, envolvendo rombo de bilhões de reais.

O caso que está repercutindo em mídia nacional atualmente é o do Grupo Industrial João Santos, sediado em Recife. Um conglomerado com dez fábricas de cimento, duas de papel e celulose e duas usinas de açúcar e álcool. Além de outros negócios ( transporte aéreo, comunicações de rádio e televisão, agropecuária). A empresa possui centenas de imóveis e foi por décadas o maior grupo empresarial das regiões Norte/Nordeste. A crise financeira na empresa iniciou após a morte do fundador, João Pereira do Santos, em 2009. Conflitos entre herdeiros e uma governança trágica causaram acúmulo de dívidas com órgãos de governo, bancos e fornecedores; demissões de milhares de funcionários sem pagamento de direitos trabalhistas; e fechamento da maioria das fábricas. Diante da crise, herdeiros recorreram à recuperação judicial, que está provocando protestos pelos funcionários e ex-funcionários por ter seus direitos violados. O processo propõe pagar apenas 20% dos 150 salários mínimo estabelecidos na Lei e o saldo sofre um deságio de 80% a ser pago em 190 meses. É confisco do valor devido.

Diante da realidade dos casos, pode-se concluir que a recuperação judicial está ignorando os graves problemas de governança que causaram a destruição de valor das empresas. Da forma como está sendo usada, os maus gestores estão sendo beneficiados e os credores, essencialmente os funcionários, estão sendo penalizados por conta de má gestão e desvio de recursos. É indecente. Apela-se para que a justiça atue para proteger os credores que não causaram os problemas, cobrando dos acionistas das empresas o reconhecimento da importância dos funcionários para êxito dos negócios ao longo de anos. Urge que os parlamentares revisem e alterem a lei para ser justa com os credores.

Eduardo Carvalho, Autor do Livro "Por um Brasil Digno"

 

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