Roberto Pereira: 'Gonzaguinha, nossa amizade e a previsão da própria morte'
Gonzaguinha era sempre um abusado, não há como esconder este detalhe da sua personalidade. Também pudera, por todas as circunstâncias que passou
Gonzaguinha, chamado de contradição ambulante ou “cantor rancor”, tudo por conta da sua irreverência e do seu mau humor. Era sempre um abusado, não há como esconder este detalhe da sua personalidade.
Também pudera, o seu pai, o grande Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, não era, conforme ele próprio me disse, o seu pai biológico. A sua mãe faleceu quando ele tinha apenas 3 anos de idade.
Ele, ainda estudante de Economia, aderiu à rebeldia daquela década (1970), de grande efervescência política, quando ele desfraldou a bandeira do comunismo, tendo, por consequência, diversas de suas composições – uma pena! – censuradas e, ele, perseguido, com várias entradas no Dops.
Gonzaguinha e o encontro com Joaquim Francisco
O autor de Explode Coração gostava de ser popular, apesar do seu temperamento arredio. Quando vinha ao Recife, sempre nos encontrávamos para andar os bons caminhos deste nosso Recife. Era grande o assédio à sua pessoa, na sua maioria formada pelo sexo feminio que, sob espanto e admiração, abriam os braços aos abraços efusivos e carinhosos, deixando-me apenas a contemplar os gestos afetivos de admiração ao grande músico e compositor da MPB.
Um dia, levei-o ao gabinete de Joaquim Francisco, então prefeito do Recife. Conversamos, os três, a bem conversar, porém, a certa altura, ele se dirige a Joaquim e diz: prefeito, esses flashs das fotos estão me causando irritação nos olhos.
Joaquim não pensou duas vezes: Roberto Pereira, suspenda essas sessões de fotos, aí, e virando-se para Gonzaguinha, disse: Roberto, que dirige a cultura do Recife, sempre se preocupa em preservar a memória dos fatos e a sua presença, aqui, representa um momento de grande relevância para a história da cidade. Não preciso dizer que o autor de O que é, o que é se desmanchou, após a ternura do nosso edil.
Apoio ao Museu Luiz Gonzaga
Um assunto colocado na agenda de Gonzaguinha foi apoio ao Museu Luiz Gonzaga, em Exu. Joaquim deu apoio institucional, mas, ao assumir o Governo do Estado, um dos seus primeiros atos foi fazer um aporte financeiro para o desenvolvimento daquele espaço de memória.
Na campanha para governador, a disputa mais acirrada estava entre Joaquim Francisco e Jarbas Vasconcelos, dois grandes da Política pernambucana.
Qual espanto para mim, Gonzaguinha, sempre hospedado na casa de Edelzuita, o grande amor de Gonzagão na fase final de sua vida, fez-me uma ligação: Robertinho, meu irmãozinho, (só me tratava assim): essa polarização entre os dois maiores candidatos me faz pensar em marcar presença nos dois guias eleitorais e sugerir a paz.
Imediatamente, telefonei para o meu amigo Cadoca, coordenador da campanha de Jarbas, indagando qual a sua posição. De pronto, me respondeu: diga a ele que nós agradecemos, mas declinamos da oferta. Ele está ligado ao adversário, o que vai deixar transparecer que Joaquim é o estadista da paz. Ligação encerrada com o afetuoso abraço de ambas as partes.
Show de homenagem como presente de Gonzaguinha
A nossa amizade era tão grande e tão desligada de qualquer interesse, que ele, sem que eu soubesse, promoveu em minha homenagem, às expensas dele, um show no Pátio de São Pedro, convidando as seguintes atrações: Arlindo dos Oito Baixos, Orquestra Sanfônica do Ceará, Abílio dos Oito Baixos e ele próprio, Gonzaguinha.
Até hoje não sei o que levou Gonzaguinha a essa iniciativa, que tanto me comoveu, mas, inexplicável ao meu juízo, porque nada fiz para merecer essa distinção, tampouco fosse eu um político plantando sementes para alguma campanha.
Gonzaguinha e a premonição da própria morte
Ao Pátio, acorreu uma multidão que delirava de entusiasmo durante todo o evento. No final, uma discussão com um empresário, que passa a ser o “x” do que vou relatar a seguir:
Decorridos quase dois meses, Gonzaguinha me telefona: - Robertinho, meu irmãozinho, você sabe quem morreu depois daquele show?
- Sim, sei, Abílio dos Oito Baixos, que faleceu em São Paulo.
- Exatamente, meu irmãozinho, liguei para lhe dizer que o meu pai considerava aquele cidadão uma asa negra e que o próximo a morrer serei eu ou você.
- Não diga isso, Gonzaguinha!
- Não se preocupe, meu irmãozinho, não vai ser você. Devo revelar – continuou – que estive, há poucos dias em Exu. Ao passar pelo cemitério daquela cidade, algo me fez engrenar uma ré, voltei, e em frente da direção onde se encontra sepultado o meu pai, cantei toda a música A Vida de Viajante. Uma força misteriosa me fez cantar essa canção do meu pai, com participação minha, como se ele estivesse me chamando.
- Mas, Gonzaguinha, se não serei eu a morrer, por exclusão, será você, e isso não me deixa feliz.
- Irmãozinho, esqueça, não será você;
- Uma semana depois, no amanhecer do dia 29 de abril de 1991, a esposa de Gonzaguinha, Louise Margarete Martins, Lelete, ao me ligar, diz: Roberto, prepare-se para uma má notícia: o seu irmãozinho, vitimado por um desastre, morreu, aos 45 anos, numa estrada do Paraná. Você é a primeira pessoa para quem reuni forças para ligar, comunicando o trágico desenlace.
Choramos, eu e ela, sob o impacto da notícia chocante para o nosso emocional, mas também para o cenário cultural de um dos maiores da Música Popular Brasileira.
Li, depois, que ao se despedir da família que o hospedara, em Pato Branco, no Paraná, chamou uma menina do seu afeto e lhe disse: - deixe eu lhe dar um beijo na testa, porque não vou mais lhe ver.
Ele tinha, pelo que deduzo, a premonição, somente reservada aos intuitivos/espíritas.
Como explicar esses mistérios? Respondo com Gonzaguinha:
“Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita.”
Roberto Pereira foi secretário de Educação e Cultura do Estado de Pernambuco e é membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo