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Gustavo Henrique: a voz que não cabe calar

A etimologia da palavra "advogado", aliás, é autoexplicativa: trata-se do profissional chamado a ajudar, a estar junto (ad voco)

Por Gustavo Henrique de Brito Alves Freire Publicado em 30/01/2025 às 0:00 | Atualizado em 07/02/2025 às 8:46

Ao contrário do que as anedotas vendem, o advogado - ressalvadas, por óbvio, as ovelhas desgarradas - não é o sanguessuga, nem o procrastinador, nem o mal necessário.

Ele é desde os idos da Roma Antiga, a voz do cidadão perante o Estado-Juiz na busca dos seus direitos.

A etimologia da palavra "advogado", aliás, é autoexplicativa: trata-se do profissional chamado a ajudar, a estar junto (ad voco). É o instrumento, jamais o complicador. Daí a relevância da prerrogativa da sustentação oral, com o adendo da sincronicidade nas sessões de julgamento virtuais.

 

Resolução 591/2024

Complemento natural de uma boa defesa, assim como o memorial escrito, a sustentação oral é frequentemente o momento para esclarecer, dissipar interrogações, condensar os principais argumentos e convencer de uma tese, tanto que não são poucos os processos em que sustentações orais de excelências mudam a sorte de um julgamento, inclusive, sensível.

Nesse cenário, não é difícil aquilatar a repercussão desastrosa na comunidade advocatícia da Resolução 591/2024 do Conselho Nacional de Justiça, que, em bom português, limita a possibilidade de o advogado se opor ao julgamento em plenário virtual e de realizar sustentação oral síncrona à sessão de julgamento (Ato Normativo nº 0006693-87.2024.2.00.00).

A resposta da OAB e os princípios inegociáveis

A situação, diante da sua evidente gravidade, levou a OAB Nacional, sob a liderança proativa do Presidente Beto Simonetti, a ratificar premissas básicas que a entidade, sabiamente, avalia como inegociáveis, a saber:

  1. Que as prerrogativas advocatícias emanam da própria Constituição, o que já foi, inclusive, afiançado por mais de uma vez pelo STF, guardião da Carta Magna;
  2. Que não é a mesma coisa julgar no plenário presencial e julgar no plenário virtual, sobretudo considerando-se a característica da oralidade marcante no sistema brasileiro, o que, no ambiente virtual, é substituído por gravações e se limita a monólogos sem interação entre advogado e juiz;
  3. Que no ambiente virtual, sem a sustentação oral em sincronicidade, os magistrados não mantêm o mesmo contato direto com as provas;
  4. Que nada confirma que os pedidos de destaque dos processos para julgamento presencial estejam congestionando ou atrasando a prestação jurisdicional;
  5. Que, nas ações criminais, nas quais em jogo se acha o bem imaterial da liberdade (que é regra, sendo o encarceramento a exceção), o julgamento virtual impede ou no mínimo atrapalha uma avaliação de todos os aspectos da causa, impedindo, ainda, que a abordagem da defesa se ajuste às reações e às indagações dos julgadores;
  6. Que a OAB não pôde participar da sessão pública em que aprovada a Resolução CNJ nº 591/2024, pois não lhe foi dado prévio conhecimento do teor da Resolução, já que o tema restou incluído em mesa para julgamento em bloco juntamente com outras matérias;
  7. Que a entidade não faz campanha contra a tecnologia que se destina a emprestar maior celeridade processual, nem desconhece as dificuldades do Judiciário, mas entende que as soluções a esses gargalos perdem legitimidade se adotadas em prejuízo do exercício do "direito de fala".

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A necessidade de revisão da Resolução 591/2024

Para além da persecução do batimento de metas de produtividade, a entrega da prestação jurisdicional precisa, para dar certo, envolver a participação e a cooperação de todos os sujeitos da dinâmica processual.

Precisa prezar pela qualidade das decisões e não pela obsessão com ranqueamentos, sem o quê se estará a transmitir à sociedade a falsa impressão de que vai tudo bem.

Em fecho, fazendo-a minha, resgato reflexão atemporal do professor Esdras Dantas em texto de 2017 (Migalhas, 2/junho):

"Quando há alguma restrição para que o membro da advocacia desempenhe seu mister na defesa do cliente, colocam-se em risco não só os direitos daquele cidadão defendido em juízo. Todo e qualquer cidadão se encontra, dali em diante, desprotegido porque poderá, eventualmente, sofrer idêntica afronta quando recorrer ao Poder Judiciário para sindicar direito seu. Sem o advogado, o cidadão emudece diante do Poder Público".

Que, portanto, a Resolução 591/2024 do CNJ volte à prancheta para uma reengenharia que lhe confira a devida harmonização facial. Sua fórmula é ruim. Sua aplicação, pior.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

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