Como reduzir os acidentes de tráfego fatais e o congestionamento
Melhorias na infraestrutura de mobilidade urbana, na legislação ou no desenho das vias são fundamentais para reduzir o número de mortos e feridos

O Brasil está entre os países que mais matam em acidentes de trânsito. De acordo com a Organização Mundial da Saúde o Brasil ocupa a 39ª posição entre os países onde há mais mortes no trânsito, ficando atras apenas da Índia. Em 2016, morreram 37 mil pessoas(Movimento Maio Amarelo), desde 2000 o número de mortos aumentou em 29%. Destes 32% foram motociclistas, 23% ocupantes de autos, 20% pedestres e ciclistas. Em 2016 a Regiões Metropolitanas de Recife, Belém e Fortaleza apresentaram a maior quantidade de mortos por mil habitantes de todo o Brasil: Recife com 18 mortos por 1000hab, Belém também com a mesma quantidade e Fortaleza com 17 mortos por 1000hab.
As lesões e mortes no trânsito não são “acidentes” no sentido literal da palavra, mas sim eventos previsíveis. Melhorias na infraestrutura de mobilidade urbana, na legislação ou no desenho das vias são fundamentais para reduzir o número de mortos e feridos. Essas ações devem ser planejadas e executadas de formas integradas. Deve-se adotar uma abordagem sistêmica de segurança que considere a vulnerabilidade do corpo humano e busque minimizar o impacto e a gravidade dos prováveis erros que levam aos acidentes. Essa estratégia deu origem ao conceito de “Visão Zero”, adotado por primeira vez na Suécia em 1997, e em seguida pela Holanda, baseado na premissa de que nenhuma morte no trânsito é aceitável. Com esse princípio esses países conseguiram reduzir para 3 e 4 mortes por 199.000hab, enquanto aqui no Brasil seguia com 16,5 por 100.000hab. Esta abordagem foi adotada pela ONU seguindo cinco frentes de atuação: 1) Gestão da segurança viária; 2)Infraestrutura viária adequada; 3)Comportamento e segurança dos usuários; 4) Segurança veicular; e 5) Atendimento às vítimas.
Sobre a primeira frente, deve-se fortalecer a gestão segurança no trânsito a partir da integração entre os órgãos e as diferentes esferas dos governos relacionados ao assunto. Essa estratégia, visa principalmente identificar e mitigar riscos no sistema de transporte, implantar ferramentas preventivas e proativas criando um robusto conjunto de informações abrangendo largos períodos de análise, que permita compreender as causas das ocorrências e fatalidades no trânsito.
Quanto à segunda frente deve-se adaptar o desenho e a sinalização viária com foco prioritário nos usuários vulneráveis, de forma a evitar que o erro humano seja fatal. Também é essencial educar, sensibilizar e estimular o uso de equipamentos para promover hábitos e comportamentos mais seguros.
O World Rasoures Institut-WRI elaborou um trabalho que demonstra como a Visão Zero pode ser implementada com resultados práticos. Esse trabalho venceu o Premio de Segurança Viária de 2017 (Road Saget Award), que vem sendo aplicado por cerca de 88 cidades europeias que atingiram a meta de não ter nenhuma morte durante um ano.
Em 2014 o prefeito de Nova York Bill de Blasio anunciou que a cidade assumiria o compromisso com a Visão Zero e criaria um plano de ações que visasse o objetivo de não ter mais mortes no trânsito e obteve resultados extremamente positivos. A CET-SP enviou em 2011 dois técnicos de sua equipe a Nova York para conhecer as melhorias implantadas nessa cidade para servir de modelo para aplicar a Visão Zero em São Paulo.
Em julho de 2018 foi a vez da cidade de Londres aderir à Visão Zero. A meta foi reduzir as mortes em 65% até 2022 e zerar até 2041. Escolheu como principal ação a redução de velocidade nas vias para 20 milhas por h (32 Km por h) no centro e em outros bairros no total de 144 km de vias.
Fortaleza juntamente com São Paulo são exemplos no Brasil de cidade que já aderiram ao Sistema de Visão Zero. Fortaleza elaborou seu Plano de Segurança Viária em 2016 com apoio da Iniciativa Bloomberg e está obtendo resultados muito positivos. Em 2017, obteve uma redução de mortes de 9% em relação a 2016, e isso vem se repetindo anualmente.
No caso do Recife infelizmente tivemos entre os anos de 2022 e 2023 um aumento de mortos no trânsito de 41% e tendo os motociclistas representando 45% dessas vítimas. Dos atendimentos do SAMU em acidentes 74% são com motociclistas e 1 em cada 3 deles observou-se excesso de velocidade.
Quase 50% das mortes no trânsito no Recife acontecem à noite e de madrugada, e mesmo assim a cidade segue a 16 anos desligando os radares de controle das velocidades das 22h às 5h, alegando que segue decisão judicial, sem que a Prefeitura conteste essa decisão.
Outra questão séria são os acidentes dos transportes por aplicativos por moto Ubermoto ou 99. Artigo no JC da Jornalista Roberta Soares traz o seguinte: “ Poder público, principalmente as prefeituras, que têm a obrigação legal de legislar sobre o serviço-entre elas a do Recife- segue fingindo que o problema não existe, enquanto passageiros e motoqueiros estão se ferindo e morrendo sobre as motos. Os números do SAMU revelam uma explosão de má condução de motocicletas no trânsito da RMR e, principalmente , da capital pernambucana. E deixam evidente a relação direta dessa tragédia evitável sobre duas rodas com o crescimento dos serviços de aplicativos de transporte remunerado de passageiros com motos- como Uber e 99 Moto. Foram 2.464 casos a mais de atendimentos a ocupantes de motos na RMR entre 2022 e 2023, só no Recife foram 1.322 atendimentos, nos três primeiros meses de 2024 já são 2492 atendimentos na RMR e 1469 no Recife”. Além disso esses aplicativos estão retirando passageiros do Transporte Público agravando a crise no setor. É evidente que para proibir este tipo de transporte é necessário que o Governo melhore e barateie o serviço de transporte público. Lembremo-nos da crise das kombis clandestinas que foi enfrentado com firmeza na Prefeitura de João Paulo.
Sistemas seguros baseiam-se no princípio de que erros humanos irão acontecer, portanto o sistema viário deve fazer com que esses erros não resultem em ferimentos graves ou fatalidades. Os Governos, principalmente as Prefeituras, são os principais responsáveis por oferecer um sistema de mobilidade seguro e devem trabalhar de forma conjunta com o setor privado e a sociedade civil para reduzir acidentes.
O Problema do Congestionamento
Entre os anos de 2013 e 2023 houve um aumento de 26% na frota de veículos na RMR e de 53% de motocicletas. O fato é que para se deslocar no Recife em qualquer horário do dia a pessoa vai enfrentar congestionamento, perdendo um tempo precioso de seu dia a dia. Nesses dez anos, na cidade não ocorreram, nem aumento de vias nem implantação de mecanismos de engenharia de tráfego capazes de aliviar o problema.
Uma solução para esse problema foi adotada por São Paulo em 1996 de forma experimental primeiramente e depois adotada até hoje, o rodízio de veículos, objetivando dentre outros benefícios reduzir os congestionamentos nas principais vias da cidade. A Prefeitura de SP estendeu em 2008 o rodízio para os caminhões, e os veículos estão proibidos de circular no centro e outras áreas nos dias úteis nos horários de 07:00 às 10:00 e das 17:00 às 20:00 em função do número final de sua placa: segunda-feira finais 1 e 2, na terça-feira finais 3 e 4, na quarta-feira finais 5 e 6, quinta-feira finais 7 e 8 e sexta-feira finais 9 e 0. Esse rodizio em São Paulo vem sendo mantido até os dias atuais, pois sem ele ninguém se deslocaria nesta cidade. No início do primeiro mandato do Prefeito Geraldo Júlio em um debate na TV Jornal, em que eu participei, ele se comprometeu a implantar o rodízio no Recife, pois nesse momento se implantava obras para a copa 2014, como por exemplo o túnel que cruza a avenida Caxangá. Porem, logo depois, os seus secretários o convenceram a desistir da ideia, pois não seria politicamente interessante e poderia causar uma rejeição da classe média.
Outra forma de diminuir os congestionamentos é incentivar e fortalecer os subcentros da cidade que podem oferecer todos os tipos de serviços, compras, educação, lazer, etc. aos moradores do seu entorno sem precisar de carro, sendo acessíveis à pé ou de bicicleta Tomemos como exemplo Casa Amarela, lá encontramos tudo que precisamos no nosso dia a dia. Infelizmente outros subcentros são deixados pela prefeitura a sua própria sorte se deteriorando, um exemplo é o subcentro de Afogados, que poderia se transformar em um subcentro vigoroso atendendo a toda sua vizinhança, inclusive por possuir duas estações de metrô no seu centro. Ressalte-se que a prefeitura do Recife dispõe de um estudo sobre subcentros que nunca foi aplicado.
Portanto, como vimos existem soluções alternativas para diminuir as mortes no trânsito e o congestionamento no Recife, basta o prefeito adotar as medidas sugeridas acima.
Prof. Titular Dr. Ing. Oswaldo Lima Neto