Opinião | Artigo

Ivanildo Sampaio: 'Meu Brasil brasileiro'

Os anos da ditadura não foram fáceis para o povo brasileiro. Aconteciam fatos na caserna que não chegavam ao conhecimento do público

Por Ivanildo Sampaio Publicado em 23/03/2025 às 10:16

Todos nós temos que nos render a Tom Jobim: o Brasil não é um país para amadores. Faz força para que tudo saia errado; às vezes consegue – algumas vezes, não.

Recentemente, falando numa emissora de televisão, o ex-presidente José Sarney, aquele dos fiscais em supermercados e da busca por boi gordo no pasto; com a mesma elegância do paletó-jaquetão, falou para os brasileiros sobre os 40 anos da reconquista do nosso processo democrático, que se iniciou com ele e felizmente continua.

Relembrou que a Presidência da República caiu em suas mãos por obra do destino, já que o candidato eleito, Tancredo Neves, adoeceu poucos dias antes e morreu sem tomar posse. E coube a ele, José Sarney, começar a árdua tarefa de reconstruir conceitos e valores que a truculência da ditadura, mesmo com grande esforço, não conseguiu destruir.


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Contou, para isso, com o ministro da Justiça, o pernambucano Fernando Lyra, que começou acabando com a censura que até então amordaçava o País. E com a implantação de medidas similares.

E os anos da ditadura não foram fáceis para o povo brasileiro. Além dos trágicos fatos já revelados e comentados, das prisões ilegais, dos assassinatos nos quartéis, do Parlamento silenciado e tantas outras arbitrariedades, aconteciam fatos na caserna que não chegavam ao conhecimento do público, já que a imprensa era totalmente censurada.

Os segredos nos anos de chumbo

Por exemplo: o general Costa e Silva, afastado da Presidência por conta de AVC (ou um derrame cerebral), deveria ter sido substituído pelo Vice-presidente, Pedro Aleixo, que foi “aconselhado a renunciar”. E o País foi entregue a três militares de alta patente, que eram os Ministros do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. E ali começou a briga interna pelo Poder.

Numa sondagem feita nos quartéis, para sentir a opinião do Exercito, o escolhido para o cargo seria o general-de-divisão Afonso De Albuquerque Lima, preferido com ampla maioria pela chamada “jovem oficialidade”, que compreendia majores, tenentes-coronéis e coronéis.

Seu nome foi vetado pelo Alto Comando. Não era general de Exército, não tinha a “quarta estrela” e os chefes diziam claramente que “general de quatro estrelas não faz continência para um general de três”.

Afonso acabou na reserva algum tempo depois. E o Alto Comando escolheu para o cargo o general Emilio Garrastazu Médici, Chefe do SNI, muito mais conhecido pela sua presença em estádios de futebol, com um rádio de pilha no ouvido, do que por algum ato, fato ou gesto que o credenciasse para o cargo.

Maldosos diziam, à boca pequena, que Médici foi escolhido porque foi também o único que não brigou e nunca quis a Presidência da República. Ele queria, mesmo, era a Presidência do Flamengo, seu time do coração. Eis aí mais uma prova de que o Brasil não é para amadores.

Um capitão do Exército afastado

JAILTON JR./JC IMAGEM
Ex-presidente disse que já tem votos suficientes para emplacar a anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de Janeiro - JAILTON JR./JC IMAGEM

Tivemos, na Presidência da República, durante cinco anos, um capitão do Exército afastado da tropa por mal comportamento; um deputado do “baixíssimo clero” que, na Tribuna, exaltava torturadores, ameaçava colegas de estupro, conduzia os filhos para a atividade política e, hoje, não se sabe se algum deles ocupou-se em outra coisa na vida além disso.

Que, por indolência, ignorância ou má fé, deixou morrer milhões de brasileiros vitimados pela Covid. Que tornou o Brasil um “pária” internacional. Mesmo com esse perfil, com um rosário de acusações nas costas durante cinco anos, generais de quatro estrelas, disciplinadamente, “bateram continência” para o capitão Jair Bolsonaro.

Alguns, acharam isso pouco, e se aliaram ao comandante para reverter a ordem e tomar o poder com um Golpe de Estado, assassinando, inclusive, o presidente eleito, seu vice e um ministro de “cara feia” que ele o seu grupo detestam.

Declarado inelegível pela Justiça, sem poder novamente disputar a Presidência da República, Jair Bolsonaro quer o perdão, sonha com a anistia dos crimes pelos quais é acusado. Anistia que o Congresso Nacional pode aprovar. E Bolsonaro luta por isso, boicotando em silêncio qualquer candidatura que possa aparecer.

Recentemente, convocou seus seguidores para uma manifestação em seu apoio, a ser realizada na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Esperava a presença de um milhão de apoiadores. Foi mal. Segundo os números oficiais, compareceram 18 mil manifestantes. Faltaram ou não puderam comparecer “apenas” 982 mil manifestantes.

E o presidente Lula?

O Presidente Luís Inácio Lula da Silva, preso e condenado sob acusações de corrupção, foi eleito com uma margem muito pequena de votos – prova clara da divisão do País entre a esquerda e a direita –, assumiu o cargo para um mandato de cinco anos, já pensando na reeleição.

Montou um Ministério onde estão integrantes dos mais diversos partidos, uns competentes, outros não; fez promessas que não vai cumprir e sabia disso; disse bobagens, aqui e lá fora; sacudiu a culpa dos seus erros em costas alheias, como fez com o ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto; boicotou, junto com a deputada Gleise Hoffmann e o baiano Rui Costa, o trabalho do Ministro Fernando Haddad, que já deveria ter “pedido o boné” e caído fora. E os resultados ruins teriam que aparecer:

  • A nossa dívida interna está além de 80% do Produto Interno Bruto, e isso é muito perigoso;
  • A inflação está perto do descontrole;
  • As taxas de juro continuam subindo, mesmo após a saída da Roberto Campos do BC;
  • Há registro de queda de produção no setor industrial;
  • Nenhuma grande obra de infraestrutura está sendo construída no País;
  • As relações comerciais centenárias com a Argentina estão paralisadas;
  • A Ministra da Saúde foi substituída – não por incompetência, mas pela mau escolha do Presidente: ela não era uma gestora; era, sim, uma grande cientista;
  • As Universidades Federais, inclusive em Pernambuco, carecem de reformas, investimentos, recursos para sobrevivência;
  • Percentual altíssimo das cidades brasileiras não conta com saneamento básico, inclusive as capitais;
  • A aprovação à gestão do Presidente Lula cai a cada dia, inclusive nas Regiões e nos Estados fiéis, como eram o Nordeste e Pernambuco, para ficar em dois exemplos;
  • Como não resiste a um microfone, o Presidente continua falando bobagens. Além da infeliz declaração de que “às vezes você gosta mais de sua amante do que de sua mulher”, que pegou mal, Lula da Silva revelou que, pelo fato dos ovos de galinha estarem custando caro, no mercado, pensa em comer os ovos de aves que decoram os jardins do Palácio da Alvorada e da Granja do Torto. E por aí vai...

Mandou recado, com dedo em riste, dizendo a Donald Trump que “não tem medo de cara feia” e certamente o presidente norte-americano foi dormir preocupado. Mas não falou sobre a sobretaxa que será cobrada sobre o aço, o alumínio e outros produtos brasileiros exportados para para os EUA.

Evita criticar o ditador da Venezuela, que segue prendendo e torturando adversários políticos. Perdeu a liderança que já exerceu na América Latina. Fica absolutamente calado em relação à Guerra na Ucrânia, para não melindrar seu amigo Vladimir Putin.

E, nessa gangorra, estamos nós, plantando esperança e esperando a colheita – porque somos todos profissionais e descobrimos, sem esforço, aquilo que o grande Tom Jobim profetizou: O Brasil não é para amadores.

*Ivanildo Sampaio é jornalista

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