BOLSA FAMÍLIA

Bolsonaro tenta se vestir de Lula para capitalizar o seu 'Bolsa Família'

o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem buscado contornar os efeitos negativos à sua gestão por meio de uma narrativa voltada para o assistencialismo social

JC
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Publicado em 05/07/2020 às 7:00
Reprodução/Twitter @jairbolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro publicou foto durante visita ao Ceará - FOTO: Reprodução/Twitter @jairbolsonaro

 Apesar da crise política em seu governo, intensificada neste período de pandemia em que o Brasil já ultrapassa a marca dos 60 mil mortos pelo novo coronavírus (covid-19), e com baixas significativas na equipe ministerial – dois ministros da Saúde, dois ministros da Educação e o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro –, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem buscado contornar os efeitos negativos à sua gestão por meio de uma narrativa voltada para o assistencialismo social. Revertendo dogmas de sua atuação desde a pré-campanha presidencial até meados da pandemia.

No governo, antes da crise sanitária provocada pelo coronavírus, a pauta econômica arquitetada pelo ministro Paulo Guedes (Economia) não priorizava auxílios sociais. O que estava claro, desde o período da campanha eleitoral, era de que não seria possível mexer no Bolsa Família. Agora, o discurso muda de ótica, e o Ministério da Economia já estuda um novo desenho para o programa, que passaria a ser chamado de Renda Brasil. Uma desassociação do Bolsa Família, que virou marca dos governos petistas, puxada agora pelo auxílio emergencial que tem sido visto como uma iniciativa originária da atual gestão.

Os acenos podem ser avaliados em suas publicações mais recentes nas redes sociais, mostrando relatos de eleitores agradecendo ao presidente pelo auxílio emergencial de R$ 600 destinado a desempregados, trabalhadores sem carteira assinada, autônomos e Microempreendedores Individuais (MEIs). O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM), afirmou nesta sexta-feira (3), em entrevista à Rádio Jornal Caruaru, que todas as cinco parcelas previstas do auxílio serão pagas para os aprovados no programa (abril a agosto).

 As últimas pesquisas também indicam essa proximidade entre o presidente Jair Bolsonaro e as classes de baixa renda. Segundo o Datafolha, em dezembro de 2019, 32% das pessoas entrevistadas que ganham até dois salários mínimos consideravam o governo ótimo ou bom. Em junho, deste ano, a avaliação deste segmento subiu para 52%, conforme publicação do jornal Folha de S. Paulo. Mas especialistas ouvidos pelo JC analisam que esse movimento migratório da base bolsonarista deve ser visto com cautela, pois, do ponto de vista geral, os índices de reprovação pela forma como o chefe do Executivo tem lidado com a pandemia, mesmo entre os que já receberam a ajuda financeira, permanece alto.

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De acordo com a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho) Priscila Lapa, mesmo com a evidente tensão entre os poderes Judiciário, Legislativo e o Executivo – com o presidente da República chegando a participar de atos onde foi defendido o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) –, além das denúncias envolvendo a família Bolsonaro – a prisão do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, suspeito de operar o esquema de “rachadinha” no gabinete do então deputado estadual pelo Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro –, são fatos que não estão presentes na agenda dos segmentos das classes D e E.

 

Nos últimos dias, Bolsonaro evitou as manifestações e passou a fazer gestos políticos aos outros poderes, como quando chamou os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM), a participarem do ato de extensão do auxílio. “Não que não tenha interesse político destas classes. Cada vez mais, com as redes sociais e outros processos políticos que acontecem no Brasil, principalmente pelo Whatsapp, todas as classes sociais participam desse espaço de discussão. Mas esses temas de cunho ideológico não atingem diretamente o cidadão mediano, que tem uma série de outras prioridades”, avalia. 

Doutor em ciência política e professor adjunto da Asces-Unida, Vanuccio Pimentel explica que há um fator cultural no Brasil em atrelar alguns benefícios à imagem do presidente da República. No início da pandemia, a proposta da equipe econômica do governo federal, era de que o auxílio emergencial fosse no valor de R$ 200. “O Congresso foi o responsável pelo aumento dessa transferência de renda, mas a sociedade tende associar essa política como uma política feita pelo presidente. Com o crescimento do apoio nas classes mais baixas, o governo passou investir na colheita desse fruto”, declara Pimentel.

O que ainda não dá para precisar é se essa mudança na base bolsonarista será sustentada até 2022, ano em que concorrerá à reeleição. Na última pesquisa, divulgada na última terça-feira (30), pelo Datafolha, 49% dos brasileiros que já receberam o auxílio do governo federal reprovavam a sua atuação diante da pandemia. “É preciso ver como vão desenhar e transformar esse benefício, qual será o valor e o seu alcance, para então mensurar o potencial político que irão ter no futuro. O governo não tem condições de manter esse valor de R$ 600, por isso o auxílio tem um prazo de validade, diferente do Bolsa Família, que é um programa constante”, complementa Vanuccio.

Para Priscila Lapa, afirmar que essa mudança poderá acarretar em uma substituição transferência eleitoralmente seria equivocada. “A conta não é tão simples, pois não é apenas mudar o nome e a marca. É preciso avaliar o contexto, o Bolsa Família permitiu a inclusão do consumo, o auxílio emergencial, ele promove as necessidades mais imediatas. Então, até que ponto essas pessoas beneficiadas vão ter o mesmo sentimento de gratidão que outrora tiveram com os governos do PT?”, questiona a cientista política.

A antropóloga Isabela Kalil, que estuda os movimentos da nova direita brasileira, em entrevista ao podcast Entretanto, dos professores Renan Quinalha, de direito na Unifesp, e Laura Carvalho, de economia pela USP, comenta sobre essas alterações na base social do governo. Mesmo com a perda do seu eleitorado mais escolarizado, com níveis de renda mais altos e até da ala religiosa, as mudanças na narrativa do presidente já são perceptíveis em seus grupos de apoiadores.

“No caso do auxílio emergencial, monitorando os grupos do whatsapp, são mais ou menos 1.500 grupos, o que nós vemos é que a percepção dessas pessoas era muito desfavorável ao Bolsa Família, e que no início era desfavoráveis ao auxílio emergencial. E agora eles são totalmente favoráveis ao que está sendo chamado de Renda Brasil”, afirma Isabela, que mestre e doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP).

Dentro desse processo analisado pela antropóloga está o fato de que o auxílio acaba influenciando não só na percepção de quem recebe, mas de quem vê que está assumindo essa posição de que algo está sendo feito nesse período. O presidente, segundo Isabela, tem feito uma campanha que talvez não seja perceptível para quem mora no Sudeste, mas no Nordeste o discurso tem sido voltado para o programa de transferência de renda.

O Nordeste é a região onde Bolsonaro enfrenta mais resistência política, com os nove governadores em partidos de esquerda e de oposição à sua administração. “Primeiro, o discurso dos seus apoiadores era de que o Brasil iria falar por que não tinha dinheiro para pagar o Bolsa Família. No segundo momento, eles mudam o discurso para ‘Bolsa Esmola’, porque acham que é pouco dinheiro. O que é incoerente. E, agora, efetivamente o Renda Brasil vai ser infinitamente melhor, em substituição ao Bolsa Família, porque começam a aparecer os discursos comparando os valores”, explica.

PESO NO NORDESTE

Em Pernambuco, mais de 1,1 milhão de pernambucanos recebem um valor médio de R$ 186,11 do Bolsa Família. Os beneficiários do programa tiveram o valor automaticamente reajustado para R$ 600, elevando a renda em mais de 200% nos cinco meses previstos de pagamento, valor que foi automaticamente reajustado para R$ 600 do auxílio.

Situação semelhante vivem outros Estados do Nordeste, região que concentra muita pobreza no País. Por isso, o impacto da Renda Básica Emergencial sobre a economia do Nordeste é maior do que o geral para o Brasil. Um estudo feito pelo economista Écio Costa, professor pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), junto com Marcelo Freire, gerente de desenvolvimento da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco, publicado no JC, mostra o impacto do auxílio no PIB nominal de cada Estado.

Com as cinco parcelas de R$ 600 por pessoa, a injeção de recursos no Nordeste chega a R$ 65 bilhões, o que representa R$ 6,3% do PIB da região. No Brasil, serão R$ 178,6 bilhões, equivalente a 2,5% do PIB nacional. Só em Pernambuco serão alocados R$ 10,9 bilhões, ou 5,5% do PIB do Estado. “No Norte e Nordeste, o impacto é maior porque você tem uma população mais pobre, de renda mais baixa”, afirmou Costa.


IMPACTO ELEITORAL

O cientista político e historiador Alex Ribeiro também corrobora dessa imagem positiva que está sendo capitalizada pelo governo. “O governo teve sucesso na estratégia de comunicação, principalmente nas redes sociais. A curto prazo, ele acabou tendo uma aprovação maior entre os mais pobres. Mas existe um contraponto, a perda de apoio do seu núcleo duro: empresários, sulistas, e pessoas entre 35 e 44 anos”, ressalta Ribeiro. “A descaracterização do eleitorado, ao longo prazo, pode ser prejudicial ao governo no que tange às disputas eleitorais”, complementa.

Na visão de Alex, a estratégia política que poderia ser considerada boa para o presidente é estar com um candidato da esquerda em um eventual segundo turno. “Retirando a base de apoio deste grupo, as chances de ir com um postulante do centro são maiores. E, se a disputa sair de campos opostos, as chances de um sucesso eleitoral diminuem”, declara. O ex-ministro Sergio Moro, por exemplo, é cotado como um possível candidato do centro-direita.

A ampliação da base bolsonarista entre as classes mais baixas também coincide com sua agenda oficial na região. No dia 26 de junho, o presidente esteve nas cidades de Salgueiro (PE) e Penaforte (CE) para a inauguração o trecho do Eixo Norte da transposição do Rio São Francisco. Na mesma semana, o Ministério do Desenvolvimento Regional autorizou repasses de R$ 190 milhões para a continuidade de obras em Pernambuco, no Ceará, na Paraíba e no Rio Grande do Norte.

“Como sempre determinamos sobre infraestrutura, o foco principal é agir diante das obras inacabadas. Trabalho para expandir a capacidade de todos os setores logísticos, humanitários e apoiar os produtivos do Brasil! Até breve, Gigante Nordeste”, escreveu o presidente em seu perfil no Twitter.

 

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