Opinião | Artigo

Priscila Lapa e Sandro Prado: 'A mulher e o mercado de trabalho, desafios para o futuro'

Dieese monstra que mulheres são mais prejudicadas em termos de acesso a empregos de qualidade, remuneração e sobrecarga de trabalho não remunerado

Por PRISCILA LAPA, Sandro Prado Publicado em 23/03/2025 às 19:09

A inserção das mulheres no mercado de trabalho brasileiro é marcada por profundas desigualdades de gênero e raça. Apesar do crescimento econômico recente e da queda da taxa de desemprego, os dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) demonstram que as mulheres são as mais prejudicadas em termos de acesso a empregos de qualidade, remuneração e sobrecarga de trabalho não remunerado.

A estrutura social e cultural do Brasil ainda carrega a marca da divisão sexual do trabalho, na qual cabia ao homem o papel de provedor e à mulher a responsabilidade pelos cuidados do lar e dos filhos. Esse modelo perpetuou a ideia de que a inserção feminina no mercado de trabalho era secundária e complementar, resultando em menos oportunidades e menores salários para as mulheres.


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Essa desigualdade histórica não se desfez com a maior participação feminina no mercado de trabalho. Pelo contrário, os dados do DIEESE de 2025 mostram que, mesmo com avanços em termos de escolaridade e qualificação profissional, as mulheres ainda recebem, em média, 22% menos que os homens. A situação se agrava para as mulheres negras, que ganham 115% a menos do que os homens brancos.

Desemprego afeta mais as mulheres

O desemprego segue afetando mais as mulheres do que os homens. No quarto trimestre de 2024, a taxa de desocupação feminina foi de 7,6%, enquanto a masculina foi de 5,1%. Para as mulheres negras, o cenário é ainda mais alarmante, com uma taxa de 9,3% (IBGE).

Além do desemprego, há um contingente expressivo de mulheres em situação de subutilização da força de trabalho. Quase um quarto (23,2%) das mulheres negras está em uma das três categorias de mão de obra subutilizada: desempregadas, subocupadas ou na força de trabalho potencial (pessoas que gostariam de trabalhar, mas não conseguem por fatores diversos).

Outro fator que impacta a inserção das mulheres no mercado de trabalho é a sobrecarga do trabalho doméstico e dos cuidados com filhos e familiares. Enquanto os homens dedicam, em média, 11,7 horas semanais a afazeres domésticos, as mulheres gastam 21,3 horas, comprometendo sua disponibilidade para atividades produtivas remuneradas e limitando suas possibilidades de ascensão profissional.

Desigualdades aumentam para as negras

As desigualdades se acentuam ainda mais quando analisamos a situação das mulheres negras e das mulheres no meio rural. As mulheres negras enfrentam uma combinação de racismo e sexismo que impacta diretamente suas condições de trabalho e renda. Elas estão concentradas em setores de menor remuneração e com menor formalização, como serviços domésticos, comércio e cuidados.

No meio rural, as mulheres ainda enfrentam desafios como o acesso precário a políticas públicas, menor reconhecimento de seu trabalho e dificuldades para obter crédito e assistência técnica. Muitas atuam na agricultura familiar, desempenhando papel fundamental na segurança alimentar, mas sem a devida valorização e remuneração.

Mesmo com a promulgação da Lei 14.611/2023, que estabelece a igualdade salarial entre homens e mulheres, os desafios para sua implementação são muitos. Empresas com mais de 100 funcionários agora devem apresentar relatórios de transparência salarial, o que pode ajudar a reduzir as disparidades, mas apenas se houver fiscalização e mecanismos efetivos de punição para os que descumprirem a legislação.

Desigualdade mais evidente em cargos mais altos

Nos cargos de maior remuneração, a desigualdade é ainda mais evidente. Mulheres em posições de gerência e direção ganham, em média, R$ 3.328 a menos que os homens, o que equivale a uma perda anual de R$ 40 mil. No grupo do 1% mais bem remunerado da população, apenas 22% são mulheres.
Para reduzir essas desigualdades históricas, pensamos ser fundamental a implementação de políticas públicas que promovam a equidade de gênero no mercado de trabalho.

A ampliação da oferta de creches públicas, a licença parental estendida e a transparência salarial acompanhada de fiscalização rigorosa são medidas que julgamos essenciais para reduzir as desigualdades. Além disso, programas de capacitação e inclusão em setores estratégicos podem ampliar oportunidades de ascensão profissional para as mulheres, especialmente para as negras e aquelas no meio rural.

O investimento em diversidade e equidade de gênero nas empresas, a promoção de estratégias de extensionismo rural e o suporte técnico e creditício para mulheres na agricultura familiar são fundamentais para sua autonomia econômica. Além disso, campanhas educacionais que abordem a igualdade de gênero desde a infância podem desconstruir estereótipos e incentivar a participação igualitária.

A luta pela equidade de gênero no mercado de trabalho não é apenas uma questão de justiça social, mas também de desenvolvimento econômico. Países que garantem maior participação das mulheres na economia apresentam maior crescimento e melhores índices de bem-estar social. O momento é de transformar dados e diagnósticos em políticas efetivas para que as mulheres possam ocupar, de fato, o espaço que lhes é de direito no mercado de trabalho.

*Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da FCAP-UPE.

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