*Getúlio Pimentel, Eduardo Arruda e Guilherme Sá Cavalcanti
No Brasil, a demanda por um mercado energético mais aberto e menos burocrático não é novidade. A Lei nº 9.074/1995, que estabelece normas para outorga e prorrogações das concessões e permissões de serviços públicos, já possuía tal previsão, embora o processo de abertura tenha sido sucessivamente adiado.
Rompendo com esses entraves, o PL 414/2021 (PL 414), atualmente em discussão no Congresso Nacional, pretende elevar a modernização regulatória e comercial do setor elétrico a outro patamar.
O PL 414, dentre outros objetivos, aprimora a abertura do Ambiente de Contratação Livre (ACL), para conferir maior autonomia aos consumidores de pequena carga, permitindo que escolham o fornecedor de energia que melhor se adeque à suas realidades e necessidades.
No ACL, o consumidor não fica restrito a adquirir sua energia da distribuidora local, como ocorre no cenário atual, mas tem liberdade de contratar o atendimento de sua demanda energética com o fornecedor que apresente as melhores condições para tanto.
Com a proposta, a abertura ocorrerá em 42 meses da entrada em vigor da lei, seguindo algumas diretrizes, como a criação de um plano de conscientização dos consumidores e o aprimoramento da infraestrutura de medição.
Nesse formato, o consumidor com cargas inferiores a 500 kW adquirirá energia no ACL por meio de um comercializador varejista, contratando seus serviços de forma similar a um pacote de telefonia.
O comercializador fica responsável pela intermediação do fornecimento energético, assim como pelas obrigações perante a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e realiza todo o processo de gestão contratual do consumidor.
No caso de descumprimento de encargos setoriais e demais obrigações perante a CCEE, por parte do comercializador, o consumidor não será afetado pelas sanções, cabendo ao comercializador arcar com os prejuízos.
Com a proposta, para garantir que o consumidor não tenha seu suprimento de energia subitamente encerrado por eventual falha do comercializador, cria-se a figura do Supridor de Última Instância, que deve ser desempenhado pelas distribuidoras responsáveis pela região do consumidor, conforme direcionamento dado pela Portaria nº 690/2022 do Ministério de Minas e Energia.
Embora os ganhos sejam relevantes, também existem riscos com a abertura, como a possibilidade de migração em massa de consumidores cativos ao ACL, medida que poderia acarretar a diminuição da arrecadação pelas distribuidoras das tarifas de uso do sistema de distribuição.
Como consequência disso, existe a possibilidade que os consumidores que permaneçam no mercado cativo arquem com o custo para manter o equilíbrio econômico-financeiro da rede de distribuição no novo cenário de abertura.
Também há risco de sobre contratação de energia pelas concessionárias, pois a saída de consumidores para o ACL traria impactos na relação entre o volume de energia contratado pelas distribuidoras e o volume de demanda dos consumidores por elas atendidos. Aqui também, há a possibilidade dos consumidores que permaneçam no ambiente cativo suportarem o custo necessário ao reequilíbrio do sistema.
Não há como negar que as vantagens que a abertura do mercado de energia pode trazer são significativas, tais como a economia aos consumidores e a possibilidade de que seu perfil de carga e preferências de consumo sejam mais bem atendidos.
Porém, por outro lado, ainda há pontos que precisam ser formulados e definidos pelo Poder Público, a fim de que seja garantida uma transição juridicamente segura e sem maiores riscos aos consumidores e à sustentabilidade econômico-financeira do sistema elétrico.
*Getúlio Pimentel, Eduardo Arruda e Guilherme Sá Cavalcanti são do escritório Da Fonte Advogados.