O veto à prorrogação da desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia, feito de maneira surpreendente pelo presidente Lula, dias atrás, recorda os vetos do antecessor, Jair Bolsonaro, quando o então presidente fazia de conta que vetava, para ter o veto derrubado pelo Congresso, num jogo de cena que fazia parte da negociação política e escancarava acordos mal camuflados. O que vemos agora parece um ato semelhante, diante do desesperado esforço do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e sua equipe, para conseguir mais arrecadação que garanta ao menos a manutenção do discurso oficial pelo equilíbrio fiscal – num ano de gastos mais altos, em virtude do calendário eleitoral.
De toda forma, a medida teve impacto no mercado e no Parlamento, por destoar da promessa de geração de empregos, e se alinhar, ainda que temporariamente (antes da derrubada esperada) ao mantra do equilíbrio fiscal. Com mais de uma década em vigência, implantada em 2011, a desoneração faz parte da economia brasileira, e sua retirada seria um desastre, como sabem o presidente e seu ministro. Na prática, significaria o encarecimento dos empregos, obrigando os empresários a gastarem mais com cada posto de trabalho, ou – o que é mais provável – reduzirem a folha para cortar custos. Nada que o governo não saiba como funciona. Daí a desconfiança de que não passa de uma espécie de bode na sala, para servir de moeda de troca na queda de braço com deputados e senadores em votações necessárias para o arcabouço fiscal.
É curiosa a defesa que o ministro Haddad faz do veto, afirmando ser a desoneração inconstitucional. Por que o ministro e seu partido não alegaram isso com mais ênfase, antes? Se provoca distorções no sistema tributário, não seria porque o sistema tributário já é distorcido, penalizando quem gera empregos? A redução da arrecadação não configura renúncia, uma vez que os recursos não estão assegurados, a não ser depois das contratações. Mais uma vez, o ministro e sua equipe sabem disso, mas insistem na lógica da perda arrecadatória, relegando a segundo plano os ganhos econômicos – e sobretudo sociais – com a geração de empregos possibilitada pela desoneração.
A situação criada por Haddad, ao mencionar que a política de desoneração não trouxe nenhum benefício à economia brasileira, amplia o mal-estar deixado pelo veto de Lula à prorrogação da medida. E alarga a distância entre o governo e o Congresso, ao invés de aproximar na busca de consensos. O veto de Lula, neste caso, repete a atitude de Bolsonaro, que também vetou a desoneração, e teve o veto derrubado pelo Congresso. O ministro Fernando Haddad, para mudar o destino do veto no voto, terá que apresentar alternativas concretas para os setores econômicos desfavorecidos pelo governo. Se é que o cancelamento da desoneração é mesmo uma política de governo, levando em conta não apenas o constrangimento da meta zero desmentida pelo presidente da República, e sim, o interesse coletivo dos brasileiros.