DEMOCRACIA RELATIVA

Pela régua torta da ideologia

Enquanto ataca Israel pela invasão a Gaza, o presidente do Brasil poupa a Rússia e a Venezuela de críticas a agressões à liberdade e aos direitos humanos

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JC

Publicado em 18/02/2024 às 0:00
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A pressão internacional sobre o governo israelense de Benjamin Netanyahu vem crescendo desde o início dos bombardeios à Faixa de Gaza, em resposta ao brutal ataque terrorista do Hamas a Israel. As declarações do presidente Lula sobre a questão buscam reforçar o que já vêm dizendo outros líderes, aproveitando o momento de relativo consenso a respeito da necessidade humanitária de um cessar-fogo na região. O mesmo ímpeto da crítica pertinente, no entanto, não foi demonstrado para criticar o regime totalitário do Kremlin, após a comoção mundial diante da morte do líder da oposição a Vladimir Putin, Alexei Navalny, ocorrido há poucos dias na prisão. Com Navalny, já se contam às dezenas o número de opositores do governo russo que morreram em circunstâncias mal explicadas, nos últimos anos.
Preso desde 2021, o líder oposicionista já havia escapado de um envenenamento. Manifestações em homenagem a Navalny foram proibidas, e muitos que foram para as ruas com esse propósito foram presos. Oficialmente, as causas da morte estão sendo investigadas, mas como tudo na era Putin, não há transparência, apesar da grita internacional e da situação incômoda diante das dúvidas da população russa. O presidente da Ucrânia afirmou que o presidente Vladimir Putin precisa “prestar contas por seus crimes”. Primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas postou nas redes sociais que a morte de Navalny representa “uma lembrança sombria do regime desonesto ao qual somos confrontados”.
Do lado de cá do Atlântico, Nicolás Maduro suspendeu as atividades de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) no país. E comunicou a expulsão dos funcionários da entidade do território venezuelano. Para o regime totalitário da Venezuela, a ONU é aliada de terroristas que conspiram contra o governo. Os abusos aos direitos humanos sob o governo Maduro continuam sendo denunciados por entidades nacionais e internacionais. A diretora da ONG Controle Cidadão, Rocio San Miguel, foi presa pelo governo há poucos dias, acusada de terrorismo, ao tornar públicos casos de violações de direitos humanos de civis e militares.
Venezuelanos exilados no Brasil reclamam que o presidente Lula defende um ditador. Eleito em 2022 para o terceiro mandato graças a um apelo de união suprapartidária em favor da democracia, Lula não usa a mesma régua para cobrar respeito aos princípios democráticos em países governados à força por aliados ou líderes por quem nutre afinidade ideológica. Ou a régua entorta quando mede a democracia na Rússia, na Venezuela ou em Cuba, por exemplo. O silêncio do Itamaraty sobre a morte escandalosa do líder oposicionista russo, por sua vez, é um vexame para a diplomacia brasileira.
Com pesos e medidas diferentes, a depender do interesse político, o Brasil ostenta uma política externa que não se equilibra no bom senso, e se perde na névoa ideológica. Será que Lula e o PT defenderiam o fechamento da agência de direitos humanos da ONU, e a perseguição e morte de oponentes do governo, no Brasil? Se não, por que se calam quando ocorre lá fora?

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