Se a probabilidade de ter sido um crime político já tornava o assassinato de Marielle Franco, em 2018, um dos piores momentos da história política brasileira, as investigações em curso pela Polícia Federal fazem despontar um cenário ainda mais sombrio do que se imaginava. Se tudo vier a ser comprovado, os fatos em apuração demonstram o nível de capilaridade e articulação do crime organizado no Rio de Janeiro, inclusive contaminando as instituições, com ramificações na polícia, na Justiça e na política local e federal. O que a fuga da prisão de segurança máxima de Mossoró, de bandidos ligados ao tráfico de drogas, denunciou em episódio recente, o caso Marielle escancara em tintas repugnantes. A situação é alarmante. O avanço da criminalidade em um estado preocupa o país inteiro. Em Pernambuco, por exemplo, o domínio das gangues do tráfico se espalha das penitenciárias para as comunidades em diversas cidades, impondo aflições para a população e sérios problemas para as autoridades de segurança pública.
A prisão dos supostos mandantes do crime cometido há seis anos, por outro lado, também serve para ilustrar – caso as indicações se confirmem – a importância do trabalho investigativo técnico da Polícia Federal, que pode ter solucionado o caso que, deixado à polícia local, não saía do canto. As descobertas da PF explicam por que: o envolvimento de policiais com as milícias e o assassinato de Marielle impediam as investigações de ir adiante. Uma das motivações para o crime teria sido a atuação da vereadora em áreas dominadas por milícias, redutos eleitorais dos irmãos sob investigação – que negam a participação como mandantes.
O relatório de quase 500 páginas da Polícia Federal aponta a questão imobiliária como pano de fundo da divergência do interesse dos supostos mandantes com a influência crescente de Marielle Franco junto à comunidade. Segundo o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, a vereadora postulava as mesmas terras para fins de moradia popular. O diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Soares, por sua vez, acredita que o crime tenha sido cometido em um contexto mais amplo, em que as milícias eram confrontadas por Marielle.
Do ataque inadmissível à democracia, realçado com a covarde emboscada que tirou a vida de uma vereadora e seu assessor, surgem evidências da impregnação do crime nas instituições brasileiras, que precisa ser esclarecida e combatida. Além do ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Rivaldo Barbosa, os irmãos Brazão foram detidos: Domingos é conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, e Chiquinho, nada menos que deputado federal – na época, vereador, portanto colega de parlamento e adversário político de Marielle. O partido de Chiquinho é o União Brasil, que já deu início ao processo de expulsão dele do partido. A perda de mandato é outra possibilidade, a ser examinada por seus pares no Congresso, em paralelo à continuidade do processo na Justiça.