O direito de comunicar não se confunde com o direito de mentir, assim como a liberdade individual só pode ser bem exercida se respeitar as regras e códigos de ética da vida coletiva. A propagação de notícias falsas por sites e redes sociais precisa de um freio, não porque alguém que se sinta prejudicado ou ofendido tenha procedência sobre quem divulga, mas sim, pela quebra do respeito à veracidade das informações que devem ser veiculadas e transmitidas publicamente. Daí a importância de fontes de credibilidade, como órgãos de imprensa cuja missão é informar a população, de preferência exibindo faces diversas que permitam ao leitor, ouvinte ou espectador desenvolver a própria opinião, cultivando a capacidade crítica diante dos fatos e suas versões.
Esta semana, a questão da censura voltou a assombrar os brasileiros. E nos assustamos por identificar na censura um traço característico dos totalitarismos – como se tem atualmente, e há anos, como regra na Venezuela, na China ou na Rússia, para ficar nesses exemplos. A retirada de um livro das escolas foi novamente notícia, desta vez em Conselheiro Lafaiete, cidade em Minas Gerais. Uma obra de Ziraldo – escritor e cartunista falecido este ano – foi denunciada por pais que se consideram zelosos, e as autoridades municipais recolheram os exemplares das unidades escolares. A reação nas redes sociais foi imediata, com declarações contra e a favor do bloqueio, em mais uma polêmica acerca da censura no Brasil.
No caso da obra de Ziraldo – e do autor, que era mineiro – a polícia do pensamento que a aponta como agressiva recorda outro livro, “1984”, a distopia famosa de George Orwell. Com seu estilo peculiar, Ziraldo se debruçou sobre o tema do racismo para crianças, numa história ilustrada que apresenta a amizade entre dois garotos, um negro e um branco, sob o título “O menino marrom”. Vale dizer que o livro tem quase 40 anos de publicado, e é a primeira vez que causa choque entre pais que, talvez, nem tenham o lido inteiramente, mas apenas os trechos sob ataque. Como vem sendo de praxe nos casos de censura a livros no Brasil ou noutras partes do mundo, as vendas cresceram com a polêmica.
Enquanto isso, no Supremo Tribunal Federal, uma decisão monocrática que suprimiu uma reportagem considerada ofensiva ao presidente da Câmara dos Deputados, não demorou muito para ser revogada, pelo mesmo juiz que a assinou. Sinal de sensibilidade da instituição que deve, aí sim, zelar pela observação da liberdade em suas diversas instâncias, preservando o caráter democrático no manejo e exibição das informações. O dilema nas democracias contemporâneas – não nos governos autoritários, onde não existe dilema – é quando uma suposta proteção à liberdade de expressão vira, também, uma forma de censura. Há que se definir bem a fronteira entre a liberdade e a censura, para que a democracia não se abale com decisões provisórias que logo se desfazem, deixando um rastro de ruído que poderia ter sido evitado.