A normalização do horror
Rotina de bombardeios e mortes em Gaza e na Ucrânia continua, sem que a população mundial e as instituições globais reajam em prol da paz
As manchetes e as cenas parecem repetidas, como as mortes que se sucedem nos campos de batalha em que transformaram a Faixa de Gaza, no Território Palestino, e a Ucrânia invadida pela Rússia. Os bombardeios continuam, sem perspectiva de cessar, destruindo cidades, famílias, hospitais e futuros. As razões para a mutilação da sensatez não deixam de ser, diariamente, igualmente repetidas pelas partes em guerra, sobretudo os ordenadores de despesas e disparos em solo inimigo. O que pode resultar de um mundo onde as guerras são normalizadas feito jogos virtuais, nos quais o sangue derramado é comemorado sem consequências¿ Mas antes, devemos conceber as vidas ceifadas como custo alto demais para o investimento absurdo que se faz em armamentos, quando o planeta arde em febre climática, e a desigualdade entre os povos perdura e se agrava, apesar da comunicação em tempo real que nos mostra a injustiça e a dor em qualquer ponto do globo, a qualquer momento.
Quando a morte é tratada como “alegação de baixa”, a humanidade desce vários degraus nas conquistas que vieram de dores sofridas nos séculos passadas, inclusive no século 20, o do horror atômico. O humanismo, a solidariedade, o direito à vida, são arrasados pelos mísseis e pelas balas, tanto quanto os alvos perseguidos – ou as pessoas que não sabiam que seriam alvos de guerra, e morrem assim. Sobretudo as crianças, muitas assistindo a tudo sem entender porque a brutalidade prevalece contra o diálogo e a empatia. Filhos e filhas das guerras de hoje podem ser disseminadores da violência amanhã, carregados de rancor, mágoas e cicatrizes que não serão desfeitas pelo dinheiro prometido para reconstruir os prédios que foram ao chão. Os prédios tinham corpos com nomes e famílias. No silêncio dos escombros, não é um destino bonito que se divisa. O horizonte pode ser mais nebuloso do que o presente.
Quase um ano depois, as ações antiterroristas de Israel visando a aniquilação do Hamas não são mais tão do interesse da comunidade internacional. Nem as investidas da Rússia sobre a Ucrânia, apesar da enorme quantia de recursos financeiros e apoio bélico do Ocidente ao governo ucraniano. No mais recente capítulo da guerra de nervos encenada por Vladimir Putin, a possibilidade de uso de mísseis de longo alcance da OTAN pela Ucrânia volta a ser motivo de alerta para uma escalada de proporções maiores, envolvendo países da Europa e até os Estados Unidos. O que não seria surpresa, infelizmente, diante do empenho dos países ricos em manter e elevar o financiamento das armas e das mortes em diversas partes do mundo, não apenas na Ucrânia.
Se o terrorismo é uma chaga que precisa ser combatida com todos os instrumentos, ideias e recursos disponíveis, a luta contra o terror não deveria se tornar mais munição para os terroristas. De igual maneira, o investimento político e financeiro pela pacificação não deveria depender da manutenção de guerras que tendem a se inflamar, e se espalhar feito fogo em clima seco. A naturalização das guerras é o pior presságio para a humanidade.