O futuro na corda bamba

Ao listar 56 compromissos que podem continuar sem serem atendidos nos próximos anos pelos países-membros, a ONU põe o seu próprio futuro em xeque

Publicado em 24/09/2024 às 0:00

O documento assinado no último domingo por vários países não difere, no conteúdo, de alguns já pactuados em outros encontros da Organização das Nações Unidas (ONU). Mas quantas metas foram cumpridas nas últimas décadas? Seja em relação ao meio ambiente e à tentativa de contenção dos efeitos das mudanças climáticas, em especial o aumento da temperatura média da Terra, que já causa alterações imprevisíveis, seja para reduzir a desigualdade aviltante que afasta bilhões de pessoas de um grau decente de qualidade de vida, os fracassos das metas descumpridas globalmente não são apenas da entidade, mas da civilização humana.
Não é por acaso que a renovação da Agenda 2030 e do compromisso, sempre negligenciado, da erradicação da pobreza, voltem a constar num pacto pela melhoria das condições do mundo. No acordo assinado pelos representantes da maioria dos países, nada menos que 56 ações foram estipuladas para elevar a nossa esperança no futuro. Somente sete nações resistiram ao pacto coletivo – entre elas, a Rússia de Vladimir Putin. Para chegar ao futuro desejado mais rapidamente, todos se comprometeram a acelerar as medidas para transformar em realidade os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que combinam metas ambientais e sociais, buscando colocar em prática direitos fundamentais dos cidadãos, consagrados apenas no papel, mas desrespeitados até em países ricos.
A proteção da população civil em conflitos armados é uma das propostas pactuadas que parece ter chance zero de viabilidade, numa semana que começou com o maior ataque ao Líbano, por Israel, em décadas, matando centenas de mulheres, homens e crianças que não tinham nada a ver com o grupo Hezbollah, que o governo de Benjamin Netanyahu diz que mira, sem pronunciar a palavra “guerra” – estratégia idêntica à de Putin quando invadiu a Ucrânia. O sangue humano no planeta segue sendo derramado por armas compradas aos bilhões, gerando lucros imensos e incertezas ainda maiores. Nesse contexto, a proposição da diplomacia internacional soa até inocente – ou tentativa de mobilizar as populações nacionais para, quem sabe, pressionarem os governos na direção da pacificação. Ou pelo menos da redução dos crimes de guerra, atualmente praticados sem cerimônia. Até agora, nesse front, a batalha diplomática continua sendo perdida, e não há indícios de virada.
Termos como governança global, arquitetura de financiamento internacional e reforma do Conselho de Segurança se juntam a um horizonte de baixa probabilidade, no cenário desejado para a ONU e para a humanidade. No entanto, o encontro de 2024 oferece pouca credibilidade para acreditarmos em sua consequência positiva. O presente é cruel demais, assombroso demais, do lado de fora da sede da entidade em Nova York. E do lado de dentro, o futuro está cada vez mais indefinido e nebuloso, com a perda crescente da relevância das Nações Unidas para a resolução de problemas globais e conflitos regionais que assustam a toda a população da Terra.

Tags

Autor