Fluxo nas ruas

Coronavírus: em meio à polêmica sobre fechamento do comércio, pessoas começam, aos poucos, a ocupar ruas do Grande Recife

Opinião das pessoas sobre o isolamento social é dividida. Alguns elogiam as medidas restritivas para conter os avanços da covid-19, enquanto outros defendem o isolamento apenas dos grupos de riscos

Mirella Araújo Vanessa Moura
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Mirella Araújo
Vanessa Moura
Publicado em 28/03/2020 às 15:08 | Atualizado em 28/03/2020 às 17:55
BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
Neste sábado (28), na praia de Boa Viagem, era possível ver muitas pessoas caminhando e alguns banhistas no mar - FOTO: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

Atualizada às 16h

Em Pernambuco, o isolamento social têm sido a principal medida de enfrentamento ao novo coronavírus. Na manhã deste sábado (28), a reportagem do Jornal do Commercio foi até as ruas de algumas cidades da Região Metropolitana do Recife para verificar se as pessoas têm obedecido aos decretos e orientações do governo do Estado, permanecendo em casa.

Na última terça-feira (23), o presidente Jair Bolsonaro fez um pronunciamento, em rede nacional, criticando os governadores estaduais alegando que as pessoas "precisam voltar à normalidade" e que é necessário reabrir o comércio e as escolas. Bolsonaro também defendeu o isolamento apenas de pessoas do grupo de risco. 

A reação dos chefes do Executivo Estadual foi imediata, na quarta-feira (24), os governadores do Nordeste estiveram reunidos por videoconferência, e afirmaram que todas as medidas restritivas adotadas para combater o coronavírus seriam mantidas -nesta sexa-feira (27) houve uma nova reunião e os governadores afirmaram que o presidente "promove um atentado a vida". E a opinião da população já se mostra dividida. 

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No Parque da Jaqueira, na Zona Norte do Recife, as pessoas aproveitaram o sábado para praticar exercícios físicos ao ar livre. De acordo com o decreto estadual, ir à parques e praças não está proibido, mas há uma condição, respeitar a distância mínima de 1,5 m entre as demais pessoas, o que não aconteceu. Apesar de o número de visitantes ter sido bem menor que o de costume, as pessoas passeavam e praticavam exercícios em grupos e sem respeitar a distância mínima estabelecida.

Segundo a analista de suportes, Lorena Xavier, de 25 anos, a diferença de público no parque foi sentida."Em comparação a outras vezes que a gente vinha, em período normal, tá bem diferente, acho que tem bem menos pessoas", a analista de suportes garantiu ainda estar tomando todos os cuidados de prevenção ao vírus mesmo quando sai de casa, "tenho álcool em gel no carro, chego em casa e já lavo as mãos, fazemos tudo direitinho", disse.

A aposentada Mariângela Teobaldo, de 63 anos, têm sido rigorosa com a prática de exercícios. O que antes era feito em grupo, agora ela sai para caminhar sozinha. "Também mudei o tempo que passo aqui, fico apenas meia hora e vou para casa. Fazer exercícios é o meu refúgio nesse momento difícil. Nós temos agora dois caminhos, acreditar em Deus e na Ciência, temos que ficar em casa", afirma.

No Mercado da Encruzilhada, também na Zona Norte, além do movimento estar pequeno, as pessoas mantiveram-se bem direcionadas, efetuando suas compras e logo indo embora, sem passear pelo local. O representante comercial, João Lucas Vasconcelos, de 35 anos, informou que na sua casa, ele é o único que sai vez ou outra do isolamento, mas apenas para realizar os serviços essenciais. Apesar de ser contrário ao isolamento social por conta da economia, João Lucas garante "enquanto o governo falar, a gente obedece".

"Acho que realmente a gente deveria isolar somente as pessoas de risco, enquanto outras pudessem sair para consumir e produzir, porque aí a economia não ficaria tão desgastada do jeito que vai ficar", disse João Lucas.

Em Paulista, no bairro de Maranguape I, era possível ver alguns pontos com fluxo mais intenso de pessoas nas ruas. Em algumas lojas de material de construção, havia impresso o decreto nº 48.857, do governo do Estado, explicando que era permitido o funcionamento. No entanto, o atendimento dos clientes estava sendo feito na porta das lojas. 

Um ponto maior de movimento foi na fila da lotérica. O presidente Jair Bolsonaro editou um decreto autorizando o funcionamento das casas lotéricas, que passou a ser considerada atividade essencial, assim como a celebração de atividades religiosas. Nesta sexta-feira (27), a Justiça Federal suspendeu os dois decretos.

"Infelizmente temos que sair de casa porque temos conta para pagar, fica difícil pra gente também. Mas, sei que é importante ficar em casa e só sair quando for necessário. Ainda tem cara que fica brincando com essa doença", afirma Rinaldo Sacramento, 54 anos. 

Procurado pela reportagem o Governo do Estado afirma que "as prefeituras têm estruturas próprias de fiscalização urbana" e que a Polícia Militar pode ser acionada caso haja registro de aglomeração e outros descumprimentos dos decretos estaduais. 

Movimento nas praias

Na praia de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife,ainda é possível ver um fluxo maior de pessoas caminhando e tomando banho de mar, no entanto, a movimentação é bem aquém do que a praia registra nos fim de semanas normais. Um carro de fiscalização da Prefeitura do Recife, podê ser visto realizando rondas no local.  Para o empresário Michel Mota, 42 anos, a praia é um local que as pessoas estão se sentido mais seguras em frequentar. 

"Nós estamos vindo sem medo, não estamos vendo aglomeração. Estamos passando menos tempo, porque não tem o suporte dos barraqueiros, é diferente. Observo que a grande maioria respeita, mas acredito que os governantes devem pensar em um outro tipo de isolamento", declara. 

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Logo ao lado, no bairro do Pina, o fluxo de pessoas nas ruas era visivelmente menor, mais adiante, em Brasília Teimosa, a pauta da conversa não era apenas sobre o isolamento social, mas a precariedade no sistema de saúde.

"Minha mãe tem 91 anos e não pode sair de casa para tomar a vacina, não recebemos nenhum suporte da Prefeitura, de ninguém. Meu sobrinho me ajuda vendendo água, tive que pedir dinheiro emprestado para minha irmã. O dinheiro para as necessidades do mês não está vindo e a ajuda na saúde também não", criticou João Rosa Santos, morador do bairro de Brasília Teimosa. 

Em Olinda, na orla da praia de Bairro Novo, o movimento era mais tranquilo. Pouquíssimas pessoas caminhavam pela praia, como a comerciante Tereza Farias, de 36 anos, que levou os dois filhos de 7 e 12 anos, para dar um passeio na praia como forma "respirar" do isolamento.

"Nós estamos 24h dentro de um apartamento. Somos eu, minha mãe, duas crianças e meu esposo. Eu já vinha fazendo o confinamento antes da recomendação e hoje completamos 15 dias isolados em casa, aí eu saí um pouco pras crianças respirarem e minha mãe também", disse Tereza. 

Grávida de sete meses, ela que garantiu ser à favor do isolamento social. "Eu acho [o isolamento social] excelente e primordial para que a gente possa de fato passar por essa pandemia com a curva mais achatada possível. Não é uma questão do querer, 'eu quero sair' ou 'eu posso assinar um decreto deliberando e pensando na economia', mas não existe economia sem gente, então hoje a nossa luta é pra continuarmos vivos. A economia, quando a gente passar por isso a gente vai tratar, mas no momento a prioridade é ficar vivo", completou.

O que falam os especialistas?

A médica epidemiologista Ana Maria Brito, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco, ressalta que é preciso estar atento a capacidade infecção da covid-19. O isolamento social, segundo a especialista, deve ocorrer para reduzir a quantidade de circulação do vírus. “Todos esses ambientes citados, são de aglomerações, mesmo que tenha essa redução, há pessoas que continuam circulando, tocando em objetos”, declara.

Ana Brito também explica que o vírus pode passar até oito dias no solo, ou seja, não é apenas uma questão de levar as mãos. “As pessoas podem levar o vírus no calçado, na unha do pé, tudo isso precisa ser observado. Todos os países que fizeram o isolamento rigoroso, a curva aparece sendo achatada”, disse. 

Essa questão de isolar apenas os grupos de risco e deixar que as pessoas saudáveis voltem a sua rotina, também é contestada pela médica. "Tentaram fazer isso na Inglaterra, na Noruega e outros países, mas não deu certo. No mundo todo não se discute mais a importância do isolamento social", declara a pesquisadora. 

O que é coronavírus?

Coronavírus é uma família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus foi descoberto em 31/12/19 após casos registrados na China.Os primeiros coronavírus humanos foram isolados pela primeira vez em 1937. No entanto, foi em 1965 que o vírus foi descrito como coronavírus, em decorrência do perfil na microscopia, parecendo uma coroa.

A maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida, sendo as crianças pequenas mais propensas a se infectarem com o tipo mais comum do vírus. Os coronavírus mais comuns que infectam humanos são o alpha coronavírus 229E e NL63 e beta coronavírus OC43, HKU1.

Como prevenir o coronavírus?

O Ministério da Saúde orienta cuidados básicos para reduzir o risco geral de contrair ou transmitir infecções respiratórias agudas, incluindo o coronavírus. Entre as medidas estão:

  • Lavar as mãos frequentemente com água e sabonete por pelo menos 20 segundos, respeitando os 5 momentos de higienização. Se não houver água e sabonete, usar um desinfetante para as mãos à base de álcool.
  • Evitar tocar nos olhos, nariz e boca com as mãos não lavadas.
  • Evitar contato próximo com pessoas doentes.
  • Ficar em casa quando estiver doente.
  • Cobrir boca e nariz ao tossir ou espirrar com um lenço de papel e jogar no lixo.
  • Limpar e desinfetar objetos e superfícies tocados com freqüência.
  • Profissionais de saúde devem utilizar medidas de precaução padrão, de contato e de gotículas (mascára cirúrgica, luvas, avental não estéril e óculos de proteção).
  • Para a realização de procedimentos que gerem aerossolização de secreções respiratórias como intubação, aspiração de vias aéreas ou indução de escarro, deverá ser utilizado precaução por aerossóis, com uso de máscara N95.
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Na praia de Boa Viagem ainda é possível ver muitas pessoas caminhando - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Como anda a rotina dos Pernambucanos com o isolamento social imposto pelo Estado, por conta da propagação da pandemia do coronavírus. - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Mariângela Teobaldo, 63 anos, tem trocado a prática de exercícios em grupo pela prática individual e que passa menos tempo caminhando do que o habitual - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Parque da Jaqueira, na manhã deste sábado (28) - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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O representante comercial João Lucas afirma que tem saído apenas para fazer compras quando necessário - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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A comerciante Tereza Farias foi até a orla do bairro Novo com a família, para um rápido passeio na praia. - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Praia de Bairro Novo com pouca movimentação neste sábado (28) - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Algumas lojas de materiais de construção civil que abriram, neste sábado (28), em Paulista, tiveram que adaptar o atendimento aos clientes, sendo realizado na porta dos estabelecimentos. - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Justiça Federal suspendeu os decretos que incluía as casas lotéricas na lista de atividade essenciais - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

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