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Animais se reaproximam de centros urbanos, e natureza dá sinais de recuperação durante quarentena do coronavírus

Acontecimentos que evidenciam o forte potencial de reabilitação que guarda meio ambiente.

Maria Lígia Barros
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Maria Lígia Barros
Publicado em 28/04/2020 às 9:19 | Atualizado em 29/04/2020 às 17:52
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Parque Estadual de Dois Irmãos é uma das 85 unidades de preservação de Pernambuco - FOTO: LEO MOTTA/ACERVO JC IMAGEM

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Atamak Alves, de 34 anos, mora cercado pela vegetação do Parque Estadual Dois Irmãos, reserva de proteção integral da Mata Atlântica na Zona Oeste do Recife. O bairro homônimo costura o cinturão verde da capital, ao lado de Curado, Cidade Universitária e outros. Por essas características, a visita dos animais já era costumeira no local. Ainda assim, desde que teve início o isolamento social como medida para conter o novo coronavírus, Atamak passou a ouvir o canto de pássaros mais intensamente, e de espécies que até então não tinha escutado. “Provavelmente porque o barulho está sendo menor, a fumaça também”, supôs.

Os relatos de visitas inesperadas - e muito bem-vindas - de animais são diversos, em todo mundo. Javalis foram avistados em Barcelona, na Espanha, e um puma selvagem desfilou pelas ruas vazias de Santiago, no Chile.

Em Pernambuco, pouco mais de um mês após o início das restrições sociais, os efeitos já começam a ser sentidos na natureza. Em março, foi constatada a redução em 15% de emissão de gases no Complexo Industrial de Suape. A área central do Recife, considerada uma ilha de calor, esfriou de 3º a 4º C neste período de reclusão, segundo a bióloga Soraya El-Deir, professora de Gestão Ambiental da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Na semana passada, um cardume gigante de sardinhas apareceu pela primeira vez em nove anos na Bacia do Pina. Acontecimentos que evidenciam o forte potencial de recuperação que guarda meio ambiente.

 

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El-Deir conjectura algumas hipóteses que podem ajudar a entender a aproximação de espécies aos espaços urbanos. O primeiro ponto é que, por estar mais tempo em casa, o ser humano pode ter passado a escutar e observar melhor o seu entorno. “Estamos tendo mais tempo livre, com ócio produtivo muito mais significativo. Isso significa que a gente está tendo mais tempo para olhar ao redor e perceber a natureza”, levantou.

Ainda assim, é inegável que a presença humana é um fator inibidor para outros seres vivos. “Há animais que estão aparecendo pela baixa mobilidade do homem”, disse. Na hora que saímos de cena, outros organismos conseguem surgir. É o caso das algas marinhas nos corais. “Na medida em que não tem pessoas na praia, algas verdes, marrons, vermelhas e amarelas começam a povoar esse ambiente que estava muito degradado. E nesse momento chegam os pequenos animais, como crustáceos e moluscos”, revelou.

O alívio na poluição, com a menor locomoção dos humanos, também contribuem. “Isso faz com que o meio ambiente receba menor carga tóxica. O ar mais puro faz com que os animais sejam favorecidos na sua atividades”, contou El-Deir.

O zoólogo Pedro Nunes, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), levanta também o impacto da diminuição do barulho nas cidades. “Festas canceladas, bares fechados, menos carros… Os animais mais sensíveis a ruídos, que rejeitam os centros urbanos por isso, podem se sentir mais à vontade para se aproximar”, comentou.

Apesar de ser possível tecer hipóteses, ainda não há muita certeza sobre assunto, defendeu. “Tudo isso que a gente está vendo é recente. Não dá para ver nada definitivo”, falou. “Assim como a doença, sobre a qual a gente ainda está aprendendo, a mesma coisa são os efeitos do isolamento social. A gente nunca passou por isso, desde essa expansão populacional dos últimos anos”, reforçou.

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Logo após início do isolamento social dos cidadãos, revoadas de borboletas foram vistas no Recife - FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM
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Cardume gigante de sardinha aparece na Bacia do Pina, no Centro do Recife - DIVULGAÇÃO
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Capivara foi resgatada do mar de Olinda, no último dia 16 - DIVULGAÇÃO

As mudanças que vimos, disse ele, ainda não são estruturais, e levariam mais tempo para se consolidar. “Não está havendo nada definitivo. O que as pessoas estão percebendo é que os animais que estavam nas redondeza estão tomando mais coragem, se sentindo mais seguros pra entrar mais em lugares que não entravam antes”, ponderou.

Futuro

Então, para fazer com que as mudanças sejam duradouras e se possa coabitar com as outras espécies, que caminho se deve tomar?
A bióloga Soraya El-Deir alertou para a necessidade de se olhar para a conservação dos ecossistemas quando a crise sanitária passar. As algas, por exemplo, não sobrevivem se forem pisadas. “As algas que fazem cobertura primária e servem de base alimentar de toda cadeia alimentar tem fatores limitantes o pisoteio humano. Se a gente tiver política voltada para recomposição ambiental proibição do acesso a esses recifes, vai ter uma praia muito mais viva e intensa”, advertiu.

A pesquisadora também destacou a importância de repensar e revisar o desenvolvimento urbano do Recife. O aumento de áreas verdes atrairiam pássaras, ao passo que reduziriam as ilhas de calor.

Ela ressaltou a problemática do saneamento da cidade. “Temos 64 riachos urbanos dos quais, no início dos anos 70, foi tirada toda mata e colocado concreto. Chamamos de canais”, explicou. “Apenas cerca de 30% do esgoto coletado é tratado. 70% do esgoto vai direto in natura para esses canais, e deles chega até o mar. Essa quantidade de matéria orgânica é muito acima do que a natureza tem de capacidade de autodepurar.”

El-Deir citou um projeto da Alemanha que, no início dos anos 2000, retirou toda parte de concreto dos canais para recompor a mata ciliar. Com isso, a fauna e a flora voltaram a esses canais; "imagina como seria o Recife se fizesse isso?”, sugeriu.

A via, resumiu, é pelo desenvolvimento sustentável. “O maior problema que a gente tem é o na percepção ambiental. A educação para a sustentabilidade demonstra claramente que é um país desenvolvido. É aquele que consegue conciliar qualidade ambiental com qualidade de vida.”

Esse é o mesmo caminho que aponta o secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, José Bertotti. “Nossa perspectiva é fortalecer a política de preservação com foco de desenvolvimento sustentável, conseguir construir ambientes em que se possa produzir os bens necessários para os humanos, mas que que se respeite o meio ambiente”, afirmou.

Isso passa, inclusive, pelo estabelecimento das áreas de preservação. “É um momento de tristeza no foco de enfrentamento do coronavírus, mas que demonstra a necessidade de ambientes protegidos cada vez mais reconhecidos. Hoje a gente tem 85 unidades de conservação em Pernambuco. A qualidade das áreas precisa ser assegurada para garantir que a natureza tenha seu espaço”, sustentou.

O secretário não deixou de ressaltar a necessidade do fortalecimento da educação ambiental e da ação individual. “Como cada um de nós podemos colaborar com a natureza? Isso vai desde o recolhimento de lixo, a separação do orgânico do reciclável, a atitudes que ajudem a garantir que a política de unidades de conservação tenham cada vez mais visibilidade.”

 

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