A quinhentos quilômetros de distância do Recife está Carnaubeira da Penha, cidade localizada no Sertão de Pernambuco, criada em 1991 e habitada por apenas 13 mil pessoas, segundo estimativa recente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A distância física entre a cidade sertaneja e a Região Metropolitana é tão grande quanto as realidades dos seus sistemas de saúde durante a pandemia do novo coronavírus: enquanto o Governo do Estado precisou decretar um ‘lockdown’ em cinco cidades do Grande Recife para conter o avanço da covid-19 e a sobrecarga dos leitos de terapia intensiva, Carnaubeira assinou a alta do seu único infectado há mais de duas semanas.
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Mesmo sem novos casos e com seus seis leitos de retaguarda vazios, criados especialmente para tratar pacientes com a covid-19, o município sertanejo aparece no Painel Índice de Isolamento Social do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), feito em parceria com a empresa In Loco, como a cidade com maior índice de reclusão social do Estado nessa quarta-feira (20), com 54,4% - contabilizando todas as cidades do Estado. Entre as cidades atingidas pelo lockdown, que proibiu a circulação de pessoas e veículos, com exceção de trabalhadores de atividades essenciais, desde o último sábado (16), o Recife tem maior índice (54%, terceiro lugar geral no Painel Índice de Isolamento Social do MPPE). Em quarto lugar vem Olinda (53,5%). Já São Lourenço da Mata (51%), Camaragibe (51%) e Jaboatão dos Guararapes (50,9%), estão em novo, décimo e décimo primeiro lugar, respectivamente.
O primeiro caso de coronavírus em Carnaubeira foi na reserva indígena Atikum, na Serra Umã. Segundo a prefeitura da cidade, o indígena acompanhou uma pessoa da aldeia que estava com problema no coração até Recife. Quando retornou, positivou para a doença, ainda na primeira quinzena de abril. Um bloqueio foi feito na região onde ele morava com o apoio dos polos indígenas, o que, de acordo com o prefeito Manoel José da Silva (PDT), foi essencial para conter o avanço da covid-19. “A gente fez um bloqueio na área e esse caso não disseminou. Fechamos as barreiras da aldeia, chamamos agentes de saúde e pedimos que eles fizessem um trabalho diário nas casas, explicando sobre o risco de contágio e pedindo para que as pessoas não saíssem. O paciente ficou em isolamento, foi tratado e recebeu alta”.
Em entrevista ao JC, o infectologista Moacir Jucá cita que pelo vírus ter chegado primeiro no Recife, a cidade sertaneja deve ter tido mais tempo para se preparar e orientar os profissionais de saúde. “A doença ter chegado um pouco depois do que na capital favorece a implementação de medidas de proteção. Então a cidade consegue orientar melhor as equipes, checar os doentes, checar se alguém tem sintomas, orientar as unidades básicas de saúde a fazer a vigilância… e ter a experiência de outros locais que enfrentaram primeiro ajuda nesse controle”. O especialista afirma que a temperatura da região não tem influência para a transmissão. “A gente tem visto pessoas serem contaminadas tanto em ambientes frios, quanto em ambientes quentes. Mas a convivência das pessoas em ambientes fechados facilita a transmissão. Em lugares que são mais quentes, você tende a evitar os ambientes fechados, porque fica mais em lugares abertos”.
O prefeito de Carnaubeira relaciona a escassez de casos da covid-19 ao trabalho preventivo realizado pela Secretaria de Saúde da cidade. “De 15 dias para cá a gente chamou os agentes de saúde e estamos fazendo um trabalho de busca nas comunidades, regiões e microáreas, de todos os casos que tenham alguma sintomatologia. A gente não está esperando o caso aparecer, estamos indo atrás. Esse trabalho é feito pelo agente de saúde, quem está junto do paciente e da comunidade, que pode identificar antes do paciente apresentar complicações e vir ao hospital”, expôs Manoel José. Ele afirma que todos os pacientes em investigação para o coronavírus são isolados e recebem alimentação durante os 14 dias em que fica em observação.
O comerciante Edmilson de Moura Xavier, 47 anos, relata que enxerga no dia-a-dia os números de isolamento apresentados pelo painel do MPPE. “Durante o dia tem poucas pessoas na rua, 90% das pessoas estão consciente que o risco é grande. Agora, durante a noite, a rua fica deserta. Os bares e lanchonetes também não abrem”. Além disso, diz perceber que o poder público age para conter a proliferação da doença. “A cidade é de menor porte, então é mais fácil conscientizar as pessoas, que só estão saindo por necessidade mesmo. As equipes estão com barreiras sanitárias nas entradas, o carro de som todos os dias circulando e fazendo a conscientização”.
A cidade, que tem economia concentrada na pecuária (caprinos), produção de leite, lavoura (mandioca, milho, feijão, mamona e banana) e no setor de turismo, está com o comércio fechado desde a vigência do Decreto Estadual, no dia 22 de março. Até 2017, o IBGE calculou que apenas 3,5% da sua população estava ocupada, ou seja, em empregos formais, o que representa 446 pessoas. O Produto Interno Bruno (PIB) da cidade é de R$ 77.877, sendo R$ 6.022,06 o per capita. De acordo com o Portal da Transparência da cidade, só neste mês de maio, o Fundo Municipal de Saúde de Carnaubeira da Penha gastou R$ 27.278,69 na compra de medicamentos, material de uso hospitalar, água mineral para a Unidade Mista de Saúde e testes rápidos, sendo, nesta última categoria, investidos R$ 4.200 do valor total.
Segundo a Secretaria de Saúde da cidade, foram realizados dez testes no município até o momento, sendo oito na população indígena e dois na não indígena. No total, foram comprados 80 testes pelo município, que recebeu outros 79 do Governo do Estado.
"Solidão, que nada"
Do outro lado do ranking está Solidão, em último lugar no índice de isolamento social de Pernambuco. Com população estimada em 6 mil habitantes, a cidade do Sertão do Pajeú, que está a 144 quilômetros de Carnaubeira da Penha, não teve nenhum caso confirmado do novo coronavírus e obteve uma reclusão de apenas 28,8% nessa quarta-feira (20).
O prefeito de Solidão, Djalma Alves de Souza (PSB), disse ter demonstrado surpresa ao ver o baixo percentual de isolamento, e que não entende como, mesmo após diversas ações da prefeitura, os moradores ainda não aderiram à medida. "A gente coloca carro de som na rua, tem feito informativo através da internet, eu não entendo por que esse percentual tão baixo".
O gestor supõe que a pouca reclusão seja devido à busca do auxílio emergencial de R$ 600 da Caixa Econômica Federal, pago aos autônomos e desempregados prejudicados pela crise da covid-19. "Além do Correio e uma pequena agência do Bradesco, temos dois caixas eletrônicos, um do Banco do Brasil e outro da Caixa, então tem muita visitação do pessoal recebendo os auxílios do governo e Bolsa Família.
Segundo o IBGE, 6,5% da população de Solidão esteve formalmente empregada em 2017, o que representa 386 pessoas. O PIB per capita da cidade foi avaliado, no mesmo ano, em R$ 6.898,70. O total de receitas realizadas e o total de despesas empenhadas, em 2017, foi de R$ 22 milhões e 19 milhões, respectivamente. Só no combate ao coronavírus, segundo o Portal da Transparência da cidade, a despesa foi de R$ 96 mil e a receita de R$ 24 mil.
O motorista Iremar Miguel, de 38 anos, morador de Solidão, tem a percepção de que a cidade está com pouco movimento de pessoas e o comércio está fechado, em sua maioria, apesar da baixa porcentagem de reclusão. "Está parado e o pessoal está com muito medo. Está todo mundo respeitando as indicações para o comércio, também". Ele explica que observou ações da prefeitura para aumentar o isolamento social. "Tem barreiras em todas as cidades da cidade verificando quem entra e quem sai".
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