Há cerca de um ano, o secretário-geral da Fundação Roberto Marinho, Wilson Risolia, teve a ideia de fazer uma conta diferente. Calcular o quanto o Brasil perde por não educar seus jovens. Foi bater na porta do Insper e contou com a experiência dos economistas Ricardos Paes de Barros e Laura Machado para transformar a ideia em números contundentes. No último dia 14 deste mês de julho, o resultado da pesquisa "Consequências da violação do direito à educação" foi divulgado, mostrando o tamanho do prejuízo do País com evasão escolar. Nessa entrevista, Risolia trata de desafios, sonhos e futuro. Fala com propriedade. Ex-aluno de supletivo, ele sabe melhor do que ninguém o alcance que a educação provoca na vida do brasileiro.
JORNAL DO COMMERCIO - Qual a importância de quantificar o tamanho das perdas com evasão escolar no Brasil, justamente no momento em que há um cenário de provável aumento desses indicadores?
WILSON RISOLIA - O que o estudo traz tem tudo a ver com o momento. É mais barato fazer a coisa certa do que não fazer. São R$ 214 bilhões perdidos por ano, por aluno que abandona a escola antes de concluir a educação básica. Acabou sendo boa a divulgação agora porque jogou luz sobre um problema que todo mundo sabe que existe. Para se ter uma ideia, somente 25% das adolescentes que engravidam voltam para a escola. É um problema que tem cor, endereço. E, com a crise (da pandemia), todas essas desigualdades afloraram.
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JC - Isoladamente já havia indicadores mostrando esses prejuízos. Mas, pela primeira vez no Brasil, temos um cálculo que inclui todas as variáveis que vão impactar ao longo da vida desse jovem.
RISOLIA - Isso foi muito pensado. Porque todo debate se faz em torno das causas e termina sendo repetitivo porque já conhecemos as causas. Se a gente pegar as estatísticas de presos adultos, mais de 70% não concluíram a educação básica. Mas como é que a gente consegue dar valor a isso? Já que ninguém se comove por aquilo que vê, será que o poder público, que é responsável pela política, sabendo que é mais econômico resolver o problema, há chances maiores dele se mover? É uma questão de racionalidade.
JC - Há uma disputa dura por recursos na educação. A votação do Fundeb provou isso. Mas o estudo constata um desperdício que continua esvaziando os cofres públicos.
RISOLIA - Não só financeiro. O estudo mostra que o jovem que conclui a educação básica, é mais educado, mais respeitoso, ele contamina todo o ambiente onde vive, tem condições de ter um emprego formal, gera consumo, isso tem uma engrenagem que se move. O aluno que conclui os estudos da educação básica gera mais riqueza, gera PIB.
JC - Qual o risco de retrocedermos nos indicadores de evasão escolar?
RISOLIA - O risco é concreto. A gente sabe que muitos jovens não conseguem acessar as aulas remotas. Achava-se que o fato das pessoas terem celular seria suficiente. Mas elas precisam ter conexão, autonomia. Hoje usa-se tecnologia para tudo. Então você tem um leque gigante de pessoas que estão fora desse alcance. Tudo o que todo mundo sabia que não era bom, com a crise escancarou a porta, ficou mais evidente. O que a gente vê com esses estudos é que o jovem hoje não tem perspectiva de futuro.
JC - Como enfrentar esse problema?
RISOLIA - Tão menor serão esses indicadores quanto mais eficicientes forem os protocolos de retorno dos alunos à escola. Nós temos uma reunião na próxima semana com o Consed (Conselho de Secretários Estaduais de Educação) e a Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação) para discutir esse tema. Tem que planejar bem esse retorno. Se eu já sei que há muitos jovens dizendo que não vão voltar, eu tenho que me programar para fazer uma busca ativa. Porque você já sabe quem são, eles têm endereço, tem todos os dados. Segundo passo, realizar um diagnóstico na chegada. A escola precisa saber o tamanho do vazio de conhecimento gerado durante a crise. Um bom sistema de avaliação vai apontar o tamanho e os níveis desse problema. Esses dois pontos são extremamente importantes para definir o foco. Não adianta querer recuperar 5 meses com a mesma grade curricular, tem que ter um período de transição. Adaptar as aulas, implantar rodízio, sistema híbrido, com aulas remotas e presenciais. Tudo o que puder ajudar o aluno a não acumular perdas para o futuro. Além, claro, dos cuidados sanitários. Isso deveria estar pronto. Mas já tem bastante gente falando, discutindo. O terceiro setor trabalhou muito durante a crise. Foi bonito ver a capacidade que todo mundo teve de se reunir, discutir alternativas.
JC - As pesquisas ressaltam a falta de motivação e o desânimo dos jovens, como um dos efeitos mais nocivos dessa pandemia. Como não tirar dos jovens a capacidade de sonhar?
RISOLIA - Eu acredito muito nessa capacidade. Até porque já vivi isso. Já fiz parte dessa estatística tão cruel. E o que faz você focar naquilo que acredita é a certeza de que há uma perspectiva se depender de você. Eu acho que isso a gente perdeu. Há uma ausência de um projeto de País. É uma pena que as pesquisas, essas últimas que a gente fez, mostrem que o direito à educação, assegurado por lei, virou um sonho intangível para os jovens. Está errado. Ninguém pode sonhar em ter educação. Porque esse é um direito. O problema é que o jovem não vê na educação algo que mude a vida dele. A gente tem que mostrar a ele o valor de estudar. Ele não só vai viver melhor, como vai viver mais. O jovem precisa voltar a acreditar nessa perspectiva que a educação permite. A gente falou em sonho. Sabe qual é o meu? Meu sonho é que a gente tivesse o Plano Real da educação. Da mesma forma que teve a indignação pela inflação, a sociedade deveria não mais aceitar ver crianças e adolescentes fora da escola. Dar um basta e pactuar que é proibido deixar esses jovens para trás.
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