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Compesa reavalia esquema de distribuição após previsão de menos chuva no Grande Recife e Zona da Mata

As duas regiões pernambucanas tiveram pouca chuva e reservatórios abaixo da média em 2020

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Maria Lígia Barros

Publicado em 06/01/2021 às 11:59 | Atualizado em 08/01/2021 às 19:26
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Atualizado às 19h do dia 08/01/2021

A previsão de um primeiro trimestre com menos chuva acende o sinal de alerta para a Região Metropolitana do Recife (RMR) e Zona da Mata de Pernambuco, já que as duas regiões tiveram um 2020 com acumulado abaixo da média nos principais reservatórios de água monitorados pela Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac).

Presidente da Apac e professora do departamento de Engenharia da UFPE, Suzana Montenegro ressaltou a necessidade de se trabalhar com um cenário de possível escassez, já que, segundo ela, a recuperação dos reservatórios não deverá vir neste primeiro trimestre de 2021. Além da probabilidade de chuvas abaixo da média climatológica, os três primeiros meses não correspondem ao período chuvoso para a RMR e Zona da Mata, que vai de abril a julho. “Portanto, a gente não pode esperar boa resposta”, apontou.

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"Isso não significa que [o sistema] vai entrar em colapso, até porque essa questão de abastecimento está a cargo da Compesa [a Companhia Pernambucana de Saneamento]", esclarece Montenegro. A companhia recebe outorga da Apac para fazer uso dos reservatórios monitorados pela agência, e, além disso, conta com recursos de outras fontes de água, a exemplo de poços.

Por causa das previsões climatológicas, a população deverá esperar mudanças no abastecimento. Por nota, a Compesa respondeu à reportagem que vem monitorando o volume dos seus mananciais, “realizando cálculos e simulações para a definição do melhor modelo de distribuição no período escasso”.

“Da mesma forma, diante da probabilidade de chuvas abaixo da média para o Estado neste primeiro trimestre do ano, particularmente para a Região Metropolitana do Recife (RMR), a Companhia vem reavaliando o esquema de distribuição de água e, até o fim deste mês, definirá os ajustes necessários aos sistemas”. (Leia a nota completa no fim do texto).

De janeiro a novembro do ano passado, a RMR acumulou 1.458 milímetros de chuva, um desvio de -27% sobre a média de 1.998 milímetros. A Zona da Mata também ficou deficitária. Foram 1.140 milímetros de chuva, ou seja, uma diferença de -11% para a climatologia de 1.283 milímetros.

Os reservatórios da Região Metropolitana do Recife (RMR) e Zona da Mata terminaram novembro com 29% do total acumulável. Para se ter ideia, em 2019, esse percentual correspondia a 48%.

Reservatório que comporta o maior volume de água, Tapacurá, em São Lourenço da Mata, na RMR, por exemplo, operava com cerca de 34% da capacidade total de 104,8 milhões de metros cúbicos. No mesmo período em 2019, o percentual era de aproximadamente 51,1%. Pirapama, no Cabo de Santo Agostinho, armazenava 60,9% da capacidade de 58,4 milhões de metros cúbicos, enquanto no outro ano acumulava cerca de 79%.

Além da incidência menor de chuva, Montenegro explica que o tipo de precipitação também contribuiu para uma situação desfavorável em relação a outros anos. “Foram chuvas curtas, que não geravam resposta efetiva em termos de produção de água”, comentou.

A possível escassez preocupa os moradores das áreas afetadas; sobretudo aqueles que já sofrem com racionamento e problemas no abastecimento. 

No bairro de Jardim Brasil 1, em Olinda, Grande Recife, a população reclama dos atrasos na escala do rodízio, que estabelece a distribuição de água de cinco em cinco dias. "Às vezes nem no dia chega. Quando chega, a gente que mora em apartamento tem que ter bomba, se não, não sobe", queixa-se a técnica de enfermagem Simone Marques de Souza, de 45 anos. "Teve um dia que fiquei até as 2h da manhã esperando a água subir. Só chegou de madrugada. É horrível, eu já trabalho de noite, dou plantão e passo a noite sem dormir, e tenho que ficar outra noite acordada."

Mesmo morando em uma casa, o aposentado Jairo Quinteiro, 69, também precisa ligar a bomba para receber água. "Não tem pressão nenhuma. Nós gastamos energia pra ter água. Às vezes eu puxo água, e ela vem podre, fedendo, com esgoto. Mistura na minha caixa d'água e eu tenho que jogar fora tudo e encher de novo", contou.

Ele disse que a comunidade passou uma semana e meia sem abastecimento no mês passado. "O pessoal aqui compra carro pipa ou garrafão de água mineral. Antigamente, a gente tinha água no chuveiro tranquilo sem nenhum problema. Hoje, todo mundo tem que ter caixa d'água", falou Quinteiro, que mora no mesmo endereço desde 1974. 

Até quem não vive em locais com racionamento enfrenta dificuldades parecidas. É o caso de Klaudio Rodrigues, 46, morador do bairro Zumbi, na Zona Oeste do Recife. "Há dois anos, começaram a fazer obras da estação do BRT, de mudança de cano mestre que tinha lá. Foi quando começou o transtorno", contextualizou. "Faz dois anos que não tomo banho de chuveiro. A água não tem pressão suficiente. Não enche uma caixa de descarga. Máquina de lavar pode esquecer, que vai queimar", conta. Os problemas foram tantos que ele deseja deixar a casa própria. "Se eu melhorar de vida um pouquinho, eu abandono. Já estou estressado com isso", desabafou Klaudio. 

Em resposta, a Compesa falou que o abastecimento de águaem Jardim Brasil 1 foi "comprometido nos dois últimos ciclos de distribuição em função do registro de dois estouramentos em tubulação de grande porte, localizados na Avenida Presidente Kennedy, em Olinda". "Com relação a pressão da água citada pelos moradores, a Companhia explica que está adotando as providências para regularizar a situação. Quanto à qualidade da água também citada, a Compesa informa que enviará uma equipe ao local para coletar amostras para análises e providências", disse, em nota.

Já em relação ao caso no bairro do Zumbi, a Compesa falou que não tinha conhecimento "sobre questão de falta de água pelo período informado pelo morador, uma vez que essa área tem abastecimento diário". A Companhia acrescentou que uma equipe será enviada ao local para avaliar a situação relatada.

Agreste e Sertão

Enquanto a RMR e Zona da Mata tiveram um último ano mais seco, a maior parte do interior de Pernambuco teve chuvas acima da média. O Agreste registrou 886 mm de chuva de janeiro a novembro, um excedente de 20% sobre a climatologia de 741 mm.

Mesmo assim, o volume de água acumulado ficou em 38% da capacidade dos reservatórios. A presidente da da Apac lembra que a região já possui condições desfavoráveis. "Tem poucas fontes de abastecimento e população elevada. A gente conseguiu respostas positivas no último período chuvoso, e tem possibilidade de incremento com a chegada da água da Transposição de São Francisco, que já favorece e vai favorecer mais cidades do Agreste a partir do momento que as obras complementares foram finalizadas”, falou Suzana Montenegro.

Já o Sertão teve 857 milímetros de chuva, 51% a mais que a média de 566 milímetros para o período. Os reservatórios ficaram com 44% de sua capacidade máxima. “A gente percebeu que o período chuvoso de 2020 no Sertão deu boas respostas. Isso foi muito positivo para usos múltiplos - abastecimento, irrigação etc.”, comentou.

Para este primeiro trimestre de 2021, a previsão da Apac é de chuva próxima à média para o Sertão e abaixo da média para Agreste.

Leia a nota da Compesa da íntegra

"A Compesa vem atuando junto a Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac) no acompanhamento hidrometeorológico para os primeiros meses de 2021 em Pernambuco. Com base no balanço da situação hídrica de Pernambuco apresentado pela agência em dezembro a partir da análise das chuvas ocorridas no período de janeiro a novembro de 2020, que destaca que a precipitação na RMR permaneceu deficitária em todo ano, a Companhia vem monitorando sistematicamente o volume dos seus mananciais, realizando cálculos e simulações para a definição do melhor modelo de distribuição no período escasso, levando-se em consideração a complexidade da operação de sistemas integrados de abastecimento de água na RMR. Da mesma forma, diante da probabilidade de chuvas abaixo da média para o Estado neste primeiro trimestre do ano, particularmente para a Região Metropolitana do Recife (RMR), a Companhia vem reavaliando o esquema de distribuição de água e até o fim deste mês definirá os ajustes necessários aos sistemas. Paralelamente, a Compesa intensifica o acompanhamento do comportamento de consumo nesta época de altas temperaturas, iniciativa imprescindível para subsidiar a tomada de decisões, e conta, ainda, com a compreensão e o apoio da população para o uso racional de água com pequenas atitudes para evitar o desperdício que podem ser tomadas diariamente para que o volume disponível nos mananciais consiga chegar até o próximo ciclo de chuvas na RMR, previsto para abril."

Mas por que vai chover menos neste primeiro trimestre?

A previsão da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac) indica que os acumulados do primeiro trimestre serão inferiores à média dos último 30 anos, sobretudo no Agreste, Zona da Mata e Região Metropolitana do Recife (RMR). O motivo da redução é que as águas do mar que banham o litoral brasileiro não estão tão quentes quanto o esperado neste janeiro, explicou o meteorologista Roberto Pereira, da Apac.

"A gente está em um ano em que a gente tem atuação do fenômeno La Niña”, disse, citando o fenômeno que deveria aumentar a temperatura do Oceano Atlântico Sul à medida que diminui as temperaturas do Oceano Pacífico Equatorial, do outro lado do continente sul-americano. “No entanto, o Oceano Atlântico está mais frio que o normal. Para termos mais chuva, ele deveria estar mais quente”, resumiu Pereira.

Isso porque a temperatura mais baixa inibe a evaporação das águas para a atmosfera, onde são formadas as precipitações. Dessa forma, não há tanta umidade para chover de forma mais considerável.

A razão para o fenômeno estar se comportando de maneira diferente é desconhecida. “Tem algumas teorias que tentam explicar o aquecimento dos oceanos. Podem ser cadeia de vulcões no fundo do oceano que regulam as temperatura; outros falam do ciclo solar, de ter menos ou mais radiações chegando. Mas ainda não conseguem explicar totalmente a ocorrência desses fenômenos na Terra”, comentou o meteorologista.

Além de Pernambuco, outros estados do Nordeste deverão ter chuvas abaixo da climatologia. O alerta vale para o extremo sul do Maranhão, centro-sul do Piauí, sul do Ceará e maior parte da Bahia.

A estimativa foi baseada nos resultados de modelos numéricos de previsão climática e análises dos campos globais da atmosfera e dos oceanos Pacífico Equatorial e Atlântico Tropical, com a participação dos Centros Estaduais de Meteorologia do Nordeste, do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia) e CPTEC (Centro de Previsão e Estudos Climáticos).

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