A resistência do comércio e o movimento de retorno da arte e da moradia ao Centro do Recife
Enquanto os planos do Escritório de Gestão do Centro do Recife, da Prefeitura do Recife, e da Frente Parlamentar pelo Centro do Recife, na Câmara Municipal, não passam de promessas e discussões, há movimentos de retorno e resistência na região central da capital pernambucana
Esta reportagem é vinculada a: "Os planos e desafios à frente da Prefeitura, dos vereadores e da sociedade para revitalizar o Centro do Recife". Clique para ler antes.
Em meio à paisagem de concreto formada por paredes cinzas de edifícios modernos subutilizados no bairro de Santo Antônio, a arte mostrou a capacidade de devolver vida ao que parecia estar condenado ao abandono. Na Rua Cleto Campelo, paralela com a Avenida Guararapes, Centro do Recife, um prédio azul de dois andares agora escreve uma nova história permeada por cor e criatividade.
Após ter passado quatro anos fechado, o Edifício Douro reabriu e desde 2019 se tornou o “Espaço Criadouro”, formado por grafiteiros, tatuadores, marceneiros e outros profissionais que oferecem diferentes serviços.
O prédio foi inaugurado em 1946 para ser sede de uma empresa de São Paulo. Em 2015, foi desocupado, e, desde então, passou a ser uma dor de cabeça para o proprietário. “Colocava à venda, mas não aparecia nada, apesar dele estar em volta de vários prédios históricos e importantes e em uma localização central. Estava acabado, cheio de barata, sujo, não tinha água, nem energia”, conta Breno Coelho.
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Mas o Douro ganharia um novo fôlego após o artista Rafa Mattos propor uma revitalização a Breno, que abraçou a ideia.
“Ele disse que faria um projeto para o prédio, e que conhecia artistas que só precisavam do espaço. Eu disse que não teria como investir, só dar alguns benefícios, e começou a chegar uma galera. Todo dia eu vinha aqui mostrar o prédio para alguém. Fui cedendo o espaço e hoje estamos aqui. Ainda precisa de melhorias, mas já está muito melhor”, diz, orgulhoso.
E, de fato: agora, os corredores curvos estão coloridos com quadros e desenhos e há uma atmosfera de trabalho colaborativo entre os locatários.
O primeiro a ocupar uma das salas foi Cajú Artsfitti. “Eu trabalhava em casa e estava procurando um espaço. Apareceu essa sala com esse terraço e casou certinho, porque aqui dá para desenvolver mais [meu trabalho]”, conta. Entretanto, a falta de segurança no Centro ainda é um dificultador para o negócio.
“Por ter o ateliê aqui, me mudei para a área e acompanhei bem essa mudança na pandemia, quando a violência aumentou muito. Moro na Rua do Hospício, e muitas vezes fico na dúvida se saio mais cedo, e não saio mais tarde como saía antes”, relata.
Já Johny Cavalcanti, André Redevivo e James, que compõem o movimento e a loja Cor da Lama, uniram “o útil ao agradável” ao se mudarem para o Douro, já que vendem sprays para grafitagem.
“Antes funcionávamos no bairro da Boa Vista, no Edifício Tereza Cristina, onde estávamos muito bem estruturados; mas quando falaram que ia rolar uma parada que só tinha arte, que movimentaria uma galera da arte urbana, era interessante para a gente estar lá enquanto loja”, conta André.
Os artistas Josias Vieira e Géssica Dias, do Ressignificar, precisavam tirar o trabalho da sala de casa, e hoje também estão no Douro.
"O Espaço Criadouro hoje é um oásis no processo de desertificação artística que experimentamos no Recife. Venho da cena artística desde pivete, e em qualquer lugar que você batesse uma lata, o pessoal chegava. Havia uma postura de incentivar a arte, e hoje não vemos isso mais, mesmo antes da pandemia. O Centro do Recife, por natureza, pulsa arte, e precisamos ter isso de volta", revela Josias.
Ainda que tenha sido identificado esse movimento de retorno, a área mais importante da cidade continua a agonizar. Em maio deste ano, o JC publicou a matéria “Esvaziamento do Centro do Recife deixa área histórica à beira do abandono”, fazendo o resgate histórico da desapropriação de seus prédios e trazendo luz aos inumeráveis problemas que a região acumula.
Belíssimos edifícios modernos caem aos pedaços. Praças estão vandalizadas. O Camelódromo da Dantas Barreto continua subutilizado. Lixo se acumula. Calçadas escancaram a desigualdade econômica da capital, virando “abrigo” para pessoas em situação de rua.
Ainda que o comércio - sobretudo o informal - continue sendo seu ponto mais forte, ele já vinha cambaleando na área. E, com a pandemia da covid-19, sofreu mais um golpe.
Mesmo sem pesquisas disponíveis, a CDL Recife analisa que há vários motivos para o fechar das portas de várias lojas ultimamente - só na Rua Nova, que já foi o endereço de poderosas marcas, foram cerca de 10. Mas, para o diretor executivo da organização, Fred Leal, é indiscutível que a situação estrutural do Centro é um dos complicadores.
“A gente está esperando que haja uma com propostas de moradia, de mobilidade, de incentivos e de restauração de lojas, para que empresas se instalem no Centro. Tenho certeza que ele não voltará a ser o que era antigamente quando não tinha shopping, só comércio de bairro; aquilo acabou. A gente tem certeza que o centro volta a não aquele centro que era antigamente quando não tinha shopping, só comércio de bairro, aquilo acabou. Precisamos criar uma nova perspectiva - que fundamentalmente vem da moradia”, diz.
Isso porque, quando se fala de cidade, uma coisa leva a outra: a equipe do Espaço Criadouro, por exemplo, virou freguesa do Chá Mate Brasília, na rua transversal - que sofre com a piora no movimento da área em comparação ao que havia quando foi inaugurado, em 1984.
“Era espetacular, você não encontrava uma loja fechada, e o fluxo de gente era bem maior. Começou a decair de uns 16 anos para cá. Em 2020, começamos a ter um crescimento lento, mas progressivo. Quando veio a pandemia, muitas lojas fecharam e não reabriram - infelizmente porque para a gente quanto mais lojas abertas, melhor”, disse o proprietário, José Suevânio.
Hoje, a moradia na região central do Recife é um problema a ser resolvido. Isso porque, na Ilha de Antônio Vaz, que compreende os bairros de Santo Antônio, São José, Cabanga e Ilha Joana Bezerra, há pouco mais de 23 mil habitantes, de acordo com último Censo.
O ponto é tema no Escritório de Gestão do Centro do Recife, promessa de campanha de João Campos (PSB), e da Frente Parlamentar pelo Centro do Recife na Câmara Municipal, que pretendem discutir como atrair novos moradores, investimentos e vocação para a região.
Mesmo antes dos projetos saírem do papel e que a revitalização tenha data de início, já há quem continue a enxergar potencial e decida apostar na região. O Sindicato da Habitação em Pernambuco (Secovi-PE) revela ter tido sucesso de vendas em empreendimentos residenciais no Centro nos últimos tempos.
“Temos observado ações no sentido de revitalização, o que favorece o desenvolvimento do bairro histórico do Recife, cuja manutenção e conservação é imprescindível”, pontua o vice-presidente Luciano Novaes.
É o caso da pernambucana Eduarda Mota. Durante quatro anos, ela viveu na área central de São Paulo, o que transformou o seu olhar em relação ao Centro da capital pernambucana. “Quando voltei, quis ir para um lugar que me oferecesse um conforto de deslocamento parecido, porque não dirijo e também trabalho aqui perto”, disse.
A capital paulistana foi justamente uma das cidades que Francisco Cunha pontuou como exemplo positivo de reestruturação da moradia - um processo difícil, mas possível. Além dela, Madrid (Espanha), Lisboa (Portugal), Curitiba (PR) e Rio de Janeiro (RJ) também passaram por processos similares e conseguiram revertê-los, segundo o arquiteto.
A atmosfera cultural que espaços como o Douro trazem também é um dos motivos que fez com que a pernambucana Eduarda Mota escolhesse o Centro do Recife como lar. “Tem muito a ver com a identidade de ser Recife, toda essa edificação do bairro Santo Antônio. Isso remete muito a nossa afetividade com a cidade”, pontua a consultora e professora. Eduarda, agora, mora no ilustre Edifício Sertã, na Avenida Guararapes, que retomou o caráter residencial há cerca de 2 anos.