URBANISMO

A fiação exposta e emaranhada ofusca a beleza do Recife, e não há previsão para isso mudar

Fiações caídas, baixas e desordenadas são regra na cidade que só possui 35 vias com fios enterrados, colocando em risco principalmente os pedestres

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Katarina Moraes

Publicado em 23/09/2021 às 6:00 | Atualizado em 20/09/2022 às 9:17
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O emaranhado de fios que toma o Recife não é problema novo ou apenas estético, e parece que nem tão cedo deixará de completar o ar de descuido que a capital pernambucana se encontra. Após a Prefeitura vetar neste mês o projeto de lei que pretendia organizá-los debaixo da terra em até 10 anos, a pauta ainda não voltou a ser discutida na Câmara dos Vereadores. Enquanto isso, a população, seja nas grandes vias ou nos subúrbios, lida com a poluição causada pela fiação exposta que dificulta a visualização de uma histórica cidade e representa perigo principalmente para os pedestres.

Em menos de um ano, o JC recebeu pelo menos 20 reclamações na Voz do Leitor sobre os fios caídos, baixos e desordenados da cidade em diferentes bairros, desde a Boa Vista, no Centro do Recife, Espinheiro, Zona Norte, e Boa Viagem, Zona Sul. Nos últimos anos, acidentes também foram noticiados por este jornal. Em 2013, um advogado e músico morreu ao encostar em um fio de alta tensão desencapado em Boa Viagem. Em 2015, um bombeiro civil foi a vítima. Em 2019, foi a óbito um motociclista que ficou preso em fiação em Jiquiá, na Zona Oeste.

Também foram registrados colisões entre veículos e as redes. No último ano, um caminhão se chocou contra postes, derrubou fios e interrompeu o fornecimento de energia no bairro das Graças, Zona Norte da cidade. Meses depois, um poste pegou fogo no bairro da Mangueira, Zona Oeste do Recife, e as chamas atingiram uma casa e destruiu um carro - e a população de novo sofreu com a queda de eletricidade.

Desde 2014 a legislação municipal obriga que “empresas públicas e privadas, concessionárias de serviços públicos e prestadores de serviço que operam com cabeamento elétrico, de telecomunicações ou assemelhados” na cidade são obrigadas a “embutir no subsolo todo o cabeamento ora existente”. Todavia, o único veto do então prefeito Geraldo Júlio (PSB) à lei 17.984/2014 descartou o prazo de até dois anos para o embutimento dos cabos, sendo suficiente para que a determinação nunca de fato saísse do papel.

Nova proposta que daria celeridade à resolução do problema chegou novamente à Casa de José Mariano pelo vereador Eriberto Rafael (PP) em 2017. O texto impôs que a iniciativa privada deveria embutir, arcando com as despesas, toda a fiação na extensão das Zonas Especiais de Preservação do Patrimônio Histórico-Cultural (ZEPHs), como o Bairro do Recife, em até 10 anos, garantindo a implantação de 10% a cada ano. Além disso, deveriam ser plantadas árvores onde fossem removidos os postes e torres atuais.

Mas em 4 de setembro o prefeito João Campos (PSB) o vetou completamente, argumentando a necessidade de aprofundar estudos técnico-financeiros e ter uma análise gerencial mais cuidadosa quanto ao prazo e condições estabelecidas. Então, o projeto de lei precisa voltar para a Câmara, que decidirá se seguirá o “não” da prefeitura. Mas o tema até agora não foi novamente pauta no poder legislativo municipal.

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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua da Saudade, bairro da Boa Vista, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua do Imperador, bairro de Santo Antônio, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua 1 de março, bairro de Santo Antônio, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua da Praia, bairro de São José, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua 1 de março, bairro de Santo Antônio, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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O emaranhado de fios na cidade é um grande calo visual e de segurança - uma vez que podem causar acidentes como incêndios e choques elétrico - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua 1 de março, bairro de Santo Antônio, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua 1 de março, bairro de Santo Antônio, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua da Concordia, bairro de Santo Antonio, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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DESCUIDO Adalberto Leopoldino reclama da falta de manutenção da fiação pelas ruas do Centro do Recife - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua do Imperador, bairro de Santo Antônio, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua 1 de março, bairro de Santo Antônio, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

O engenheiro elétrico e professor da Universidade de Pernambuco (UPE) Roberto Dias participou de um grupo de pesquisa até 2016 para análise da viabilidade da implantação de redes de distribuição subterrâneas no Recife, com financiamento do Grupo Neoenergia, do qual a Celpe faz parte. Entre as conclusões, ficou claro o alto investimento necessário para enterrar os fios da cidade, e que não basta apenas o enterramento da rede elétrica, mas também das redes de telecomunicações.

“É preciso um investimento robusto, porque o custo da modernização não é baixo. Para o enterramento da fiação, tem que envolver empresas de telefonia, de internet e de energia. Esse não é um problema fácil de se resolver pela necessidade de alinhamento entre os entes envolvidos, como empresas de telefonia, que utilizam os postes - de propriedade da concessionária de energia elétrica. Então, se todo mundo não resolver enterrar, não vai acontecer”, explicou o especialista, que citou São Paulo e Rio de Janeiro como exemplos de cidades no Brasil que já contam com o embutimento pelo menos nas áreas turísticas e de grande fluxo de pessoas.

Segundo a Prefeitura do Recife, há 35 vias com enterramento total ou parcial de circuito de iluminação pública, sendo 14 delas parcialmente e as outras 21 com embutimento total. Entre os logradouros com a tecnologia estão as Avenidas Boa Viagem, Rio Branco e Mário Melo, o Cais de Santa Rita e da Alfândega, as pontes Motocolombó, Princesa Isabel e 6 de Março, além da Via Mangue, entre outras.

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Fiação. Fios de eletricidade e telefonia no poste da Rua 1 de março, bairro de Santo Antônio, Recife. - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

Por nota, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação do Recife informou que a conversão dos fios da rede elétrica e de telecomunicações está incluso no projeto-piloto de modernização do Bairro do Recife, em fase de elaboração, e que as obras deverão iniciar em 2022. No bairro, atualmente, quatro endereços já não possuem fiação aérea: Rua Madre de Deus, Rua da Moeda, Rua do Bom Jesus e Avenida Rio Branco.

Mas a paisagem da maior parte da cidade segue em desordem. Na Rua 1º de Março, no bairro de Santo Antônio, os fios são tantos que dão nós e ficam na altura das cabeças dos pedestres. Tem até mesmo um equipamento chamado caixa de emenda óptica pendurado. “É um absurdo isso aqui estar no meio da rua exposto, com o pessoal passando e metendo a cabeça nele. Atrapalha os clientes da loja que vêm fazer as compras. Precisa consertar isso o mais rápido possível”, pede o comerciante Adalberto Leopoldino, 48 anos.

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DESCUIDO Adalberto Leopoldino reclama da falta de manutenção da fiação pelas ruas do Centro do Recife - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

Para Roberto Dias, os benefícios de uma fiação embutida são os mais diversos: desde a melhoria na qualidade distribuição da energia elétrica e serviços de telecomunicações, na prevenção de acidentes e de roubo de fios, até o compromisso com a sustentabilidade. "É urgente enterrar a rede pelos motivos técnico-econômicos já conhecidos e principalmente devido à discussão atual de se ter cada vez mais os projetos ecologicamente sustentáveis, porque postergar a troca dos cabos, aproveitando mais a sua vida útil, leva a diminuição da emissão de poluentes decorrentes dos seus processos de fabricação", disse.

A Neoenergia Pernambuco esclareceu que  "regras de investimentos e melhoramentos na rede de distribuição de energia elétrica, de qualquer tipo, precisam obedecer a regulamentação federal do setor elétrico", e que "promove uma série de ações durante todo o ano visando combater as ligações irregulares dos fios de telecomunicações nos postes da concessionária em todo o Estado". Nos oito primeiro meses de 2021, foram 45 toneladas de cabos retirados por estarem fora das normas do setor ou por não terem autorização. 

"A expectativa é que este número aumente para 60 toneladas até o final do ano. Além disso, a distribuidora tem intensificado a cobrança junto às operadoras de telecomunicações para que promovam a identificação e regularização das fiações em desacordo com as normas setoriais", completou.

Já a Conexis, que representa as empresas de telecomunicações, informou que cerca de 90% dos seus cabos são aéreos, ou seja, sustentados por postes de energia, e que a instalação "dessas infraestruturas é um processo dinâmico e a escolha entre fazer enterrado ou em poste obedece a disponibilidade, por exemplo, de dutos subterrâneos, mas, principalmente, fatores técnicos, resultando assim em situações distintas em cada bairro. A expansão ocorre, portanto, em razão da demanda por novos serviços, disponibilidades e alternativas técnicas".

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