URBANISMO

Centro do Recife está prestes a perder painel de Brennand por falta de cuidado do poder público

Decisão favorável do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (CEPPC) à remoção do mural Batalha dos Guararapes para o bairro de Boa Viagem gerou discussões sobre patrimônio na cidade

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Katarina Moraes

Publicado em 20/10/2021 às 14:28 | Atualizado em 21/10/2021 às 7:47
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Atualizada às 18h17

O mural intitulado Batalha dos Guararapes, do artista pernambucano Francisco Brennand, deve ser em breve transferido do bairro de Santo Antônio, no Centro do Recife, para o de Boa Viagem, na Zona Sul, após sofrer durante anos com descaso. O anúncio foi feito pelo Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural (CEPPC), que deu parecer favorável à mudança proposta pelo banco Santander. Mas há entidades que defendem que a obra não pode ser dissociada do prédio, e nem da área onde se encontra.

A colorida obra de cerâmica de 33 metros criada em 1971 retratando o episódio decisivo da Insurreição Pernambucana está hoje situada na parede lateral do banco da Avenida Dantas Barreto, na Rua das Flores, ou no “beco do mijo”, como a população intitulou, coberta por uma outra estrutura. Há anos, a obra de arte avaliada em mais de R$ 1 milhão ficou exposta à chuva, sol, depredação e urina de pessoas em situação de rua - por isso o apelido - em uma abandonada região da cidade, que sofre há décadas com prédios desocupados, insegurança, sujeira, entre outros problemas inúmeras vezes noticiados pelo JC.

 

FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Mural "Batalha dos Guararapes", de Francisco Brennand, tem 33 metros e foi criado em 1971 a pedido do então proprietário do edifício que hoje é de propriedade do Banco Santander. Agora, está coberto por estrutura - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Mural "Batalha dos Guararapes", de Francisco Brennand, tem 33 metros e foi criado em 1971 a pedido do então proprietário do edifício que hoje é de propriedade do Banco Santander. Agora, está coberto por estrutura - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Mural "Batalha dos Guararapes", de Francisco Brennand, tem 33 metros e foi criado em 1971 a pedido do então proprietário do edifício que hoje é de propriedade do Banco Santander. Agora, está coberto por estrutura - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Mural "Batalha dos Guararapes", de Francisco Brennand, tem 33 metros e foi criado em 1971 a pedido do então proprietário do edifício que hoje é de propriedade do Banco Santander. Agora, está coberto por estrutura - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
Mural "Batalha dos Guararapes", de Francisco Brennand, tem 33 metros e foi criado em 1971 a pedido do então proprietário do edifício que hoje é de propriedade do Banco Santander. Agora, está coberto por estrutura - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM

Um comerciante da área, que preferiu não ser identificado, contou que prefere que a obra seja transferida, porque onde está “só serve para o pessoal fazer xixi”. “Estou aqui há 30 anos, vi quando o renovaram. Depois de um tempo, tudo começou a descascar por causa de urina. Antigamente era mais bem cuidada, mas hoje não vejo cuidado. Se é tão importante, de Brennand, deveriam ter umas luminárias bonitas, guardas protegendo. Se cuidassem, tudo bem. Deveria ficar”, opinou.

Esse cenário foi considerado durante as discussões do CEPPC, que aprovou a transferência por 9 votos a 5 no início do mês. Segundo Cássio Raniere, presidente do grupo, o projeto do Santander vinha sendo analisado desde o último ano, e, conforme a legislação, é previsto que o mural retorne ao local de origem “tão logo cesse o perigo” no Centro. "O banco justificou que já houve dois processos de restauro em parceria com a Prefeitura do Recife, e que, mesmo assim, as causas de depredação não cessaram. Então, quiseram fazer o restauro e transferir o bem para outra agência em Boa Viagem, e o conselho decidiu acatar o pedido", disse.

Ainda de acordo com Cássio, foi apresentado projeto para que o painel seja mantido na área externa da agência do Santander da Avenida Antônio Falcão, em uma estrutura móvel que permitirá que seja removida com facilidade. Ainda, será colocado, ao lado, guias que contam quem foi Brennand e o contexto da elaboração do mural.

Cortesia
Mural da Batalha dos Guararapes, de Francisco Brennand, fica na Rua das Flores - Cortesia

Contudo, em Santo Antônio, a obra já é, além de parte da paisagem, ponto de referência da sociedade civil que frequenta o local. “Brennand é conhecido, então, por uma parte, é bom para a gente e para a rua, porque o prédio é muito falado pela escultura”, lamenta o comerciante Josimar Santos, que há mais de 20 anos trabalha na Rua das Flores e viu de perto a degradação do espaço. “O pessoal de madrugada dorme aí, mija, fica uma imundice, e com o tempo tudo foi se acabando.”

Tal importância da obra para a área foi o principal argumento do presidente da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Antônio Campos, ao pedir ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) que revogue a transferência. “O Banco Santander deveria revitalizar o mesmo no local onde está e, ainda contribuir, juntamente com a Prefeitura para revitalizar o entorno. Contudo, a visão patrimonialista quer vencer a visão histórica e cultural. Há uma cumplicidade intencional que envolve esse mural com o mapa histórico do centro do Recife. A retirada do mesmo é um gesto no sentido contrário da reocupação da região”, defendeu ele.

Foi Campos, também, que solicitou o tombamento da “Batalha dos Guararapes” ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no último dia 1º. Por nota, o órgão informou que "pedido foi recebido e está em análise", mas que, para ser tombado, o bem cultural passa por um longo processo administrativo, que demanda análises e estudos detalhados. Por enquanto, o mural é protegido pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Por isso, apesar de pertencer à empresa, é considerada de interesse público.

A comunidade cultural pernambucana vem assistindo agressões descabidas a obra desse importante artista e poucas iniciativas concretas para sua preservação
Antônio Campos, presidente da Fundaj

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo em Pernambuco (CAU-PE) emitiu ofício ao em que pede que o Conselho Estadual reconsidere a decisão e "faça processo de escuta colaborativa" a fim de propor uma discussão mais aprofundada sobre a mudança. Já o Instituto de Arquitetos do Brasil em Pernambuco (IAB-PE) publicou nota nas redes sociais condenando a transferência do mural, alegando a "indissociabilidade” dele com o prédio.

 
 
 
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“Vandalismo é argumento para a realocação de uma obra? Por que a agência do banco em Boa Viagem oferece maior segurança? Não existe interesse em promover a segurança na agência do bairro de Santo Antônio? Por que na parte externa de outra agência de um mesmo grupo o painel vai deixar de ser vandalizado? Não seria o caso de tratar da sua preservação e valorização enquanto bem público patrimonial, a partir da requalificação da sua implantação original?”, questionou o IAB-PE.

Em nota, a assessoria do Santander disse que o banco"ainda não foi notificado da decisão do Conselho Estadual de Cultura, e esclarece que a iniciativa de revitalização e mudança de local do painel A Batalha dos Guararapes, de Francisco Brennand, tem o objetivo de garantir que a obra seja resguardada de quaisquer atos de depredação e vandalismo. Além disso, o mural permanecerá ao ar livre, com livre acesso a todos e será exibido para um maior número de pessoas. Trata-se de um projeto meticuloso, concebido pelo Santander Brasil após consultas aos poderes públicos das esferas municipal e estadual, seguindo todos os trâmites legais, preservando este patrimônio cultural para a posteridade.”

Diretor da Oficina Brennand, Lucas Pessôa afirmou que "em vida, Brennand pediu que sua obra mais importante, o mural da Batalha dos Guararapes, fosse transferida para a Oficina, na Várzea, para que fosse preservada. A discussão nunca foi para frente com o Santander, e recebemos recentemente com surpresa a notícia de que o Conselho aprovou a remoção da Rua das Flores, sem sermos consultados. Isso iria reduzir uma obra seminal para servir como decoração em agência em Boa Viagem, uma área sem grande passagem de pedestres e que prioriza o transporte automotivo. Estamos discutindo como podemos reverter esse processo". 

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A comunidade cultural pernambucana vem assistindo agressões descabidas a obra desse importante artista e poucas iniciativas concretas para sua preservação

Antônio Campos, presidente da Fundaj

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