"Saudade tão grande": Maior bloco de Carnaval de rua do mundo, Galo da Madrugada desfila no Recife entre a tradição e mudança
Agremiação nasceu da necessidade de retomar os antigos carnavais do bairro de São José, cresceu despretensiosamente e se tornou um dos maiores símbolos da cultura pernambucana
De resgatar a tradição, o Galo da Madrugada entende. Garante que não será problema quando puder voltar a caminhar com seus dois milhões de seguidores pelos 6 quilômetros da Travessa do Forte até a Rua do Sol. É fácil quando o hoje é o maior bloco de rua do mundo e Patrimônio Cultural Imaterial do Estado de Pernambuco já nasceu da necessidade de relembrar a festa tradicional que parecia ter sido perdida no Bairro de São José, no Centro do Recife. “O Carnaval aqui foi esfriando, virou um deserto, e em 1978 pensamos em fazer um bloco nosso com orquestra de frevo”, conta Rômulo Menezes, presidente da agremiação.
Já no primeiro ano, foi um sucesso. A alegria de pouco mais de 70 pessoas que saíam às 5h - por isso o nome do bloco - contagiou a legião de moradores e comerciantes que movimentavam o bairro, que estavam saudosos com as festas dos anos 30. Todos mascarados, quem não participava não sabia quem era quem, e a brincadeira rolava solta. A única exigência de Enéas Freire, seu fundador, era que a festa permanecesse democrática, incluindo quem quisesse entrar. Não deu outra: ano após ano, ela foi tomando cada vez mais dimensão, até se tornar um dos principais símbolos de Pernambuco.
"SAUDADE TÃO GRANDE":
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Neste Sábado de Zé Pereira, ele estaria estampado em jornais dos quatro cantos do mundo, exportando a cultura pernambucana através da imagem da escultura gigante na Ponte Duarte Coelho. Não importava se estivesse bonito ou não aos olhos dos tão exigentes pernambucanos, o Galo é magnético; para atestar, é só olhar para seus pés, rodeados por um verdadeiro “formigueiro humano” de apaixonados. Gente como a analista Carina Furtado, 49, e o economista Pedro Rodrigues, 53, que certamente estariam celebrando sua chegada sob o sol escaldante da cidade. “Nunca perdemos um. Vamos todos os anos com um grupo de 40 amigos fantasiados”, disse ela, que já foi frevar até mesmo grávida.
Hoje, tudo no Galo virou superlativo, como gostam os pernambucanos. São 200 diretores por trás, 30 trios, 9 horas de desfile e uma legião de gente que colabora direta ou indiretamente para que ele aconteça. Para tudo ficar pronto para o folião, a preparação precisa começar 6 meses antes - e assim foi feito em 2021, quando a pandemia apresentou sinais de melhoras e iludiu os carnavalescos sobre uma possível realização da festa. O tema foi escolhido, "Viva a Vida, Viva o Frevo!", e os projetos dos carros alegóricos, camisa e fantasias foram feitos.
Como principais homenageados, foram escolhidos o cenógrafo Ary Nóbrega (1934-2020) e o cantor Claudionor Germano, que a considerou uma "surpresa agradabilíssima." "O Galo é o principal representante do Carnaval de Pernambuco, e a minha ligação com o Carnaval faz com que eu o respeite. Foi marcante o primeiro ano que o assisti, quando vi Enéas comandando o espetáculo. Fiquei feliz em ver aquele homem apaixonado pelo Galo, se dedicando com ardor para oferecer ao povo pernambucano o espetáculo que ele merecia. Faz uma falta grande, porque é a festa maior da nossa cultura. Se Deus quiser, isso vai passar e vamos voltar com força total."
A escultura gigante, segundo o seu idealizador, o artista plástico Leopoldo Nóbrega, seria de tirar o fôlego. “Estava todo mundo planejado para executá-la de forma magnífica. Seria muito ousada, desafiadora e inovadora. A ideia era criar uma escultura que fosse além da Quarta-Feira de Cinzas e que pudesse proporcionar uma experiência”, contou ele, reservando-se aos detalhes na esperança de que, no próximo ano, finalmente saia do papel e venha a impressionar. “A escultura do Galo da Madrugada dialoga com seu tempo. Em 2023, traremos uma percepção muito mais forte, simbólica e iconográfica desse marco na nossa construção cultural”, prometeu.
Em tempos normais, o trabalho não para para quem vive o Galo. Basta acabar o Carnaval para começar a pensar no Forrózão do Galo, que acontece no São João; e quando este acaba, volta-se a pensar na folia de momo - além das festas comunitárias que acontecem durante todo o ano. Sem a possibilidade de aglomerar, o que o bloco sabe fazer de melhor, fica a “tristeza, a melancolia” e o prejuízo. “Todos da cadeia produtiva foram prejudicados, desde o empresário até os ambulantes, pelo evento não ter acontecido”, cita Chico Câmara, que há 14 anos é figurinista da agremiação.
Claro que o dia do desfile não passaria "em branco". Por isso, o Galo da Madrugada transmitirá neste sábado no YouTube uma live com a participação de tradicionais artistas da festa de momo. Chamando, do único jeito que é possível hoje, “o pessoal” e a “moçada” a dar o pontapé no Carnaval com o Galo da Madrugada.