DIREITOS HUMANOS

Caos no Hospital da Restauração: desculpas e promessas não apagam o desespero vivido pelos familiares após queda de teto

Acidente aconteceu próximo ao horário de visitação, que foi suspenso. Acompanhantes ficaram mais de uma hora sem informações sobre o que havia acontecido

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Katarina Moraes

Publicado em 02/05/2022 às 19:15 | Atualizado em 02/05/2022 às 19:32
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Dezenas de vozes se atropelavam em frente ao maior hospital público de referência de Pernambuco nesta tarde de segunda-feira (2). “Precisamos de uma posição”. “Quero saber como minha mãe está”. “Nos deixem entrar”. Os apelos de familiares de pacientes do Hospital da Restauração, na área central do Recife, duraram mais de uma hora.

Nesse tempo, tiveram que lidar com - além do estresse em ter parentes enfermos - a incerteza sobre se eles tinham sido atingidos ou não pelo teto que em parte caiu sobre o setor de trauma  (emergência). Uma impotência que chegou a levar muitos a gritar e a chorar.

 

 

Às 14h, começaria o horário das visitas - que foram suspensas. As portas se encheram de acompanhantes que, sem entender o que havia acontecido, foram surpreendidos ao verem os pacientes nos corredores da unidade. A segurança logo foi reforçada, mas as informações demoravam a chegar.

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Os irmãos Demetrio e Joelma Martins internaram a mãe no HR no último sábado - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

“A gente chegou aqui quase nesse instante. Disseram que está assim por conta de uma encanação”, respondeu, confuso, o office boy Demetrio Martins, de 48 anos, quando a reportagem perguntou a ele o que havia acontecido. Revoltado, explicava que precisava trocar a mãe de 86 anos, por ter incontinência urinária.

Aumentando o tom de voz, a irmã de Demetrio, a feirante Joelma, 48, pedia “pelo amor de Deus” que os governantes olhassem para a “situação da população”. “Aqui se dá graças a Deus se sai com vida”, afirmou. A mãe deles está internada no HR desde o último sábado (30), após ter tido um derrame. Eles pedem pela transferência da idosa.

A aposentada Sônia Maria Lira, de 62 anos, esperava saber se o marido, que está internado há 2 meses com problemas na coluna, estava bem. “Cada um fala uma coisa e a gente fica sem saber de nada. Eu só saio daqui com notícia”, afirmava, enquanto esperava por algum funcionário da unidade.

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Aposentada Sônia Maria Lira, de 62 anos, foi visitar o marido no HR, que está com problemas na coluna - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Pouco a pouco, residentes em medicina começaram a chamar um acompanhante por vez, esvaziando a porta do hospital. Mas só por volta das 16h houve uma resposta conclusiva sobre o estado de saúde deles, quando o diretor da unidade, Miguel Arcanjo , desceu para conceder entrevista à imprensa.

“O rompimento aconteceu na [ala] laranja 1, e a água que terminou indo para a vermelha e para a laranja 2. Os pacientes que estavam na laranja e na vermelha foram evacuados. Limpamos as áreas e todos os pacientes já estão de volta”, dizia, enquanto tentava se concentrar nas respostas em meio aos questionamentos de familiares que logo cercaram a reportagem: precisavam de notícias mais até que os jornais.

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Miguel Arcanjo, diretor do HR, afirmou que a situação já foi normalizada - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

“Caiu em algum paciente?” - perguntou um deles; e Miguel respondeu que não. “Como não? Se a emergência estava lotada?”, questionou novamente ao diretor, que tornou a dizer: “nenhum paciente sofreu dano. A voz revoltada era de Paulo Roberto, que desabafou aos repórteres após a entrevista.

“São vários pacientes juntos, sem nem espaço. Meu pai está UTI da ala vermelha. Não deram informação nenhuma. Só fizeram isso aí. Isolaram a família e não temos acesso, seja o que Deus quiser lá dentro”, disse, antes de ser retirado da frente das câmeras por um homem que o acompanhava.

Felizmente, ninguém se feriu, mas graves acidentes poderiam ter acontecido: e continuam sendo um risco iminente. Até mesmo na área externa do HR é possível ver diversos buracos na estrutura, além de fiações e ferragens expostas. Além de tudo isso, é relatada uma falta de cuidado com os pacientes devido à superlotação do espaço.

“Da outra vez peguei minha mãe toda melada de fezes, tive que sair gritando para ver se alguém poderia ajudar. Hoje, quem troca minha mãe sou eu”, relatava o estudante Murilo Menezes, de 23 anos, que foi surpreendido ao ver a mãe na recepção do hospital por volta das 14h. Naquela hora, ela deveria estar no bloco cirúrgico tratando seu aneurisma.

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Estudante de psicologia Murilo Menezes denuncia falta de cuidado com a mãe na unidade - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Um episódio que entrou para o rol de negligências vivenciadas todos os dias pelos cerca de 2 milhões de cidadãos que são atendidos anualmente na maior unidade de rede de saúde pública do Estado - e que precisam urgentemente, mais do que de desculpas e promessas, ser tratados com dignidade.

O que disse a direção do HR

Questionado sobre problemas de infraestrutura no hospital, Miguel Arcanjo informou que regularmente é feita manutenção preventiva e corretiva na unidade. "Sobre este lado de fora (onde ficam os familiares), como não temos pacientes nele nem assistência, temos uma menor preocupação com essa área", disse o diretor do HR para explicar por que a unidade de saúde permanece com ferragens expostas e forros de gesso caídos na área externa.

O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) determinou, ainda na tarde desta segunda-feira (2), que o Hospital da Restauração se pronuncie sobre o caso. Por meio da Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde da Capital, foi instaurada uma notícia de fato com remessa de ofício à direção do hospital, para que "se pronuncie sobre as imagens e as providências adotadas, a fim de garantir a assistência aos pacientes desse setor". O diretor, o cirurgião Miguel Arcanjo, tem 24 horas para se manifestar.

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