chuva em Pernambuco

É normal sentir medo da chuva? Em Pernambuco, sim

Normalizamos o medo da chuva. Basta começar a cair pingos do céu que nossa preocupação é potencializada

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Diogo Menezes

Publicado em 07/06/2022 às 11:09 | Atualizado em 07/06/2022 às 12:58
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Normalizamos o medo da chuva.

Chuva no Nordeste sempre foi sinônimo de alegria. Água caindo do céu abria sorrisos. Acostumado com a falta da chuva, quando ela vinha, era sorriso de canto a canto.

Tá bom, "sempre" é exagero. Vamos colocar que em 90% dos casos a chuva era sinônimo de alegria.

Hoje, sem dúvida, nossa relação não é mais a mesma. Basta vermos o céu mais carregado, anunciando a chuva, para a preocupação tomar conta dos nossos pensamentos.

Quando a chuva começa a cair, então, hoje em dia, não tem quem não vá para a janela olhar o que pode vir por ai. Dos que têm moradia indigna aos que moram nos prédios de classe média ou de luxo. Uns mais, outros menos preocupados. Cada um com sua preocupação. Mas preocupados.

Todos começam a refazer seus planos. Já imaginou começar a chover e você ter que sair de sua casa, porque ela pode cair? Ou a chuva desabar e você iniciar, de forma automática, a suspensão dos móveis de casa, com medo de perder tudo? Tornou-se rotina pra um bocado de gente.

Há quem veja a chuva e lembre do parente, do amigo, do vizinho que foi levado por ela. Esse é o pior dos cenários. Chuva que cai e corta na alma. Carrega sonhos correnteza e lama abaixo.

As mortes de 129 pessoas em Pernambuco, em decorrência das chuvas, mudaram nosso panorama. É impossível não mudar. "E se chover, como ficam as barreiras? E se cair esse pé d'água, como ficarão as ruas? E se...".

Normalizamos o medo da chuva. Ela agora nos causa pânico, medo, pavor, tristeza.

E essa "normalização" acentuou agora. Mas ela já existia. Em 2010, 2011, 2013, 2017, 2018. Anos que tivemos mortes por causa da chuva. O medo já nos rondava. Ele agora foi potencializado.

E em questão de medo, não tem um maior do que o outro. Medo é medo. Cada um tem o seu.

Normalizamos os rios transbordando. As casas invadidas por água. As ruas alagadas. Os deslizamentos de barreiras.

Mas de quem é a culpa do nosso sentimento em relação à chuva ter mudado? Será que é da chuva?

Pode ficar tranquilo, leitor. Essa culpa não é somente sua. É sua também. Se você joga lixo na rua, ajudando a entupir canaletas, você também é culpado. Se você constrói de forma irregular em leitos de rios, você é culpado também. 

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CHUVAS // DESLIZAMENTOS DE BARREIRAS // BOMBEIROS TRABALHANDO NOS DESLIZAMENTOS // Nas fotos: Deslizamentos de barreiras na Vila dos Milagres no Bairro do Ibura. - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

Mas por que se constrói à beira dos rios? Ou em cima de barreiras? Aí, a culpa deixa de ser sua. Afinal, a pessoa "comum" não tem o poder de construir habitacional, nem de pegar verba pra viabilizar a construção e ir morar em um lugar melhor.

Em sua maioria, as pessoas têm oportunidades diferentes na vida. Uns nem oportunidade têm. Apenas vivem como pode. E isso baliza quem vai morar num prédio de classe média ou na beira de uma barreira. Essa culpa, por exemplo, não é sua, leitor.

Será que não subestimamos a força da chuva? Ela sempre esteve ai. Às vezes mais forte, às vezes mais fraca. Mas sempre esteve.

Se nossa cidade é no nível do mar, se a maré influencia nesses desastres, se sempre sabemos onde alaga, onde cai barreira, onde está ruim, porque deixamos acontecer as tragédias para poder agir?

Por que o ditado "é melhor prevenir do que remediar" não serviu pra chuva?

Agora nos restou o medo. O medo da chuva, o medo do alagamento, o medo da morte. E é muito ruim viver com medo.

Veja também: Até quando vai chover no Recife?

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Para muita gente, não houve tempo de nada. Era salvar eletrodomésticos, móveis ou proteger a vida - BRUNO CAMPOS/JC IMAGEM

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