A Câmara Municipal aprovou, nesta segunda-feira (5), o Projeto de Lei nº 23/2022, chamado "Lei Padre Júlio Lancellotti", que proíbe o uso de técnicas de arquitetura hostil no Recife. Agora, o texto segue para sanção do prefeito João Campos (PSB).
A proposição da vereadora Liana Cirne (PT) tem o objetivo de impedir a instalação de elementos que dificultem a utilização de equipamentos públicos pelas pessoas em situação de rua; ou dificultar a circulação de idosos, jovens, pessoas com limitações de locomoção ou de outros segmentos da população.
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Assim, proíbe a instalação de pedras pontiagudas ou ásperas, pavimentações irregulares, pinos metálicos pontiagudos, cilindros de concreto nas calçadas e bancos divididos. O PL, contudo, não prevê punições ou como a fiscalização será feita a fim de coibir a prática.
A lei foi inspirada em proposição do senador Fabiano Contarato (PT), que já foi aprovada na Câmara Federal e no Senado e aguarda, agora, sanção do presidente Jair Bolsonaro (PL). O nome é uma homenagem ao padre Júlio Lancellotti, da paróquia de São Miguel Arcanjo, em São Paulo, que ficou conhecido nacionalmente pelo seu ativismo no combate à aporofobia - a aversão aos pobres.
Lancellotti também foi um dos precursores do debate sobre a arquitetura hostil; quando, em meio à pandemia da covid-19, retirou a marretadas vários blocos de pedras pontiagudas afixados pela Prefeitura de São Paulo para impedir que a população de rua se abrigasse debaixo de viadutos.
“Quando o Padre Júlio Lancellotti, com os seus 72 anos, empunhou uma marreta e derrubou os paralepídos instalados pela Prefeitura de São Paulo embaixo do viaduto Dom Lucas Mendes de Almeida, na Zona Leste da cidade, ele virou símbolo dessa luta e fez uma provocação a todas e todos nós, que lutamos por uma cidade inclusiva e democrática", detalhou a vereadora.
O problema, contudo, não é exclusivo à metrópole paulista. Em agosto deste ano, o JC mostrou que as instalações hostis também são realidade no Recife, ainda que em menor grau. A reportagem identificou pinos que impedem a permanência de quem vive nas ruas em estabelecimentos comerciais do Centro e da Zona Sul do Recife.
À época, coletivos assistenciais também disseram ter notado o crescimento das técnicas, junto ao do aumento da população de rua durante a pandemia.
Na capital, a última contagem da quantidade de pessoas de rua, feita em 2019, apontava que havia 1.400 sem teto na cidade. Um novo censo é feito em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), com previsão de que seja concluído em dezembro; mas, mesmo sem o resultado, o aumento dessa população nos últimos anos é claro.
Durante debate sobre o assunto na Rádio Jornal, o arquiteto e urbanista Francisco Cunha chamou atenção para a necessidade de não apenas coibir a arquitetura hostil, mas de planejar uma cidade que seja mais amigável para todos.
“Você não consegue, ou consegue sob alto risco de vida, ir do Pina até Santo Amaro a pé. Vai ter que passar pelo viaduto das 5 pontas, que não tem passagem para pedestres, não vai conseguir andar o Cais José Estelita, porque não tem sombras. Isso é hostilidade. Precisamos transformar a cidade em algo bom de se viver”, disse.
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