A morte de um adolescente de 16 anos ao se afogar na Praia de Boa Viagem, na Zona Sul do Recife, no primeiro dia de 2023, relembrou que o novo ano não deixou para trás um antigo problema: a carência de salva-vidas e as péssimas condições estruturais dos poucos postos de salvamento espalhados na principal orla da capital pernambucana.
Há cerca de um ano, o JC chamou atenção para o mesmo problema. Em pleno verão, temporada mais movimentada na orla, havia apenas oito bases utilizadas por socorristas do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco (CMBPE), que agem por meio do Grupamento de Bombeiros Marítimos (GBMar) mas somente ocupada por dois profissionais na visita da reportagem.
À época, a corporação alegou que as estruturas estavam sendo analisadas e que já existia um projeto para serem reestruturados - mas que, até hoje, não saiu do papel. O que era de responsabilidade do governo Paulo Câmara (PSB) se tornou, agora, uma missão para a nova Secretaria de Defesa Social do governo Raquel Lyra (PSDB), Carla Patrícia Cunha.
Isso porque, de lá para cá, a situação não mudou. Do total de postos, apenas um contava com salva-vidas na manhã desta terça-feira (3). Apesar da tentativa da reportagem, os dois bombeiros presentes afirmaram não estar autorizados a dar entrevistas.
Os postos foram construídos com um investimento de R$ 4 milhões no governo Eduardo Campos (PSB), por meio do Projeto Segurança na Orla. Todos contavam com sistema de videomonitoramento e sistema de radiocomunicação, para facilitar o atendimento das ocorrências e dar maior agilidade no acionamento dos bombeiros e policiais.
Contudo, atualmente, frequentadores comentam que, em alguns dos pontos onde as estruturas estão, como próximo ao Edifício Acaiaca, é rara a presença de bombeiros - no máximo, estão aos domingos e feriados, de acordo com eles. Mas em grande parte da extensão da praia, a informação é de que nem nesses dias eles comparecem.
Com a ausência de efetivo, quatro postos estão sendo utilizados como abrigos para pessoas em situação de rua. Todos apresentam uma estrutura precária, com placas de madeiras como remendos para tampar janelas, por exemplo, e buracos no chão.
- AFOGAMENTO EM BOA VIAGEM: Adolescente morre e outras três pessoas são socorridas após afogamento na praia de Boa Viagem
- Novos quiosques da orla de Boa Viagem, no Recife, são arrombados e furtados: "esqueceram da segurança"
- Prometida há 6 anos, instalação de chuveiros na orla de Boa Viagem virou lenda no Recife
Na frente de um desses, estavam os comerciantes Lais Natália, 22, e Arthur Henrique, 21. Eles comentaram que, em quase dois anos de trabalho em Boa Viagem, só viram um salva-vidas no espaço uma única vez, por volta de outubro de 2021.
“Estamos direto aqui na praia e só vimos salva-vidas uma vez. Aqui, o salva-vidas é a gente”, disse Arthur. “As pessoas sobem [no antigo posto] e urinam, depredam, brigam, usam drogas. Ficamos inseguros, porque todo dia é alguém diferente. Gastam tanto para construir, mas não usam”, criticou Lais.
Ambos comercializam próximo ao ponto onde o banhista, que não teve o nome divulgado, morreu em plena festa de Réveillon, quando a orla foi tomada por uma multidão que aproveitou os dois polos festivos e a queima de fogos promovidos pela Prefeitura do Recife.
O barraqueiro Adailson Pacheco, 50, viu o acidente acontecer, e contou que foram os próprios clientes que tentaram socorrer o rapaz. “O mar estava cheio e estava chovendo. Ele começou a se afogar e um cara o tirou. Os bombeiros demoraram a chegar, porque aqui tinha um posto, mas tiraram. Mesmo no final de semana tem muito pouco salva-vidas”, contou.
Além da que veio a óbito, mais quatro pessoas foram resgatadas de afogamentos em 1º de janeiro na praia. Uma delas sofreu o acidente na altura onde a quiosqueira Eliane Ferreira, 55, trabalhava. Ela criticou a ação tardia do Estado, que levou cerca de 45 minutos para socorrer a vítima, segundo ela.
“Era por volta de umas 11h quando ele se afogou. Ele ficou quase uma hora na areia deitado, agonizando, esperando o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Foi um senhor que estava aqui na barraca que o salvou. Aqui, quem salva é o povo, é uma área totalmente descoberta, sem salva-vidas e sem policiamento”, afirmou.
Morador da Imbiribeira, bairro vizinho à Boa Viagem, o autônomo Rogério Gonçalves é frequentador assíduo da praia e reclama de uma “ausência muito grande” do poder público.
- Por falta de policiamento, comerciantes da Feirinha de Boa Viagem, no Recife, contratam segurança particular
- Governo promete que revitalização da Pracinha de Boa Viagem, no Recife, será entregue até dezembro
- Conhecida por ataques de tubarão, Praia de Boa Viagem, no Recife, carece de salva-vidas e tem postos danificados
“Muitas vezes o barraqueiro tem que sair procurando o pai e a mãe de crianças que se perdem por aqui. A ausência dos bombeiros é muito grande, do policiamento também, porque a segurança aqui está feia. A terra é linda, tem tudo de bom, mas falta administração”, relatou.
Além de ter pontos com ondas violentas, Boa Viagem conta com o agravante de já ter registrado 27 incidentes com tubarões desde o início do registro pelo Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (CEMIT) em 1992, já que uma eventual mordida do animal exige um salvamento imediato. Mesmo assim, diversas placas que informam o perigo estão depredadas pela orla.
O que diz o Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco
"Sobre esse fato, em Boa Viagem, é preciso, antes de tudo, lamentar a irreparável perda de uma vida. Mas também é fundamental ressaltar a atuação rápida do Corpo de Bombeiros Militar de Pernambuco na ocorrência. Com o acionamento, uma equipe de salva-vidas chegou ao local a tempo e em condições de fazer o resgate de todas as pessoas que estavam no mar. Das cinco pessoas, quatro foram atendidas e sobreviveram. Uma, mesmo com atendimento médico pré-hospitalar, não resistiu.
A praia Boa Viagem e do Pina, onde ocorreu o fato, conta com postos do GBMar. Em sua atuação, os guarda-vidas realizam ações preventivas e educativas, distribuindo materiais em pontos estratégicos e orientando os banhistas sobre os pontos considerados mais perigosos. As áreas próximas a barreiras de corais, como foi o caso, apresentam maior risco. Esse trabalho conta com apoio de embarcações, videomonitoramento, viaturas, motos e também aeronaves do Grupamento Tático Aéreo (GTA). Neste período do ano, há o reforço das equipes integradas à Operação Verão.
Postos de observação e sinalização danificados, em parte por conta da erosão, estão sendo avaliados dentro de um projeto de reestruturação desses equipamentos.
Por fim, reforçamos que os bombeiros militares fazem o seu trabalho. Cotidianamente, evitam que centenas de pessoas se arrisquem em áreas perigosas e também resgatam pessoas nas águas. É fundamental, para o sucesso dessa atuação, que a população colabore com as orientações, mantendo crianças ao alcance dos braços, buscando áreas de piscinas naturais e evitando locais de mar aberto."
Comentários