Combate ao desperdício e enfrentamento à fome: projeto da Prefeitura do Recife transforma resíduos em adubo orgânico

Apesar da iniciativa, o estado de Pernambuco e todo o Brasil vivenciam a vulnerabilidade dos sistemas alimentares para a população

Publicado em 17/10/2024 às 13:03

Cerca de 100 toneladas de resíduos orgânicos secos e molhados foram reaproveitados na capital pernambucana em menos de um ano. Uma ação da Prefeitura do Recife, por meio da Secretaria Executiva de Agricultura Urbana, converteu resíduos provenientes do edifício-sede e das feiras da Encruzilhada e do Cais de Santa Rita em 58 toneladas de adubo orgânico.

Com a iniciativa, cerca de 80 toneladas de dióxido de carbono, metano e outros gases deixaram de ser emitidos na cidade. O adubo orgânico é distribuído para 70 unidades produtivas da cidade, como escolas e creches municipais, Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e unidades de saúde, além de apoiar terreiros e outros projetos da sociedade civil.

O sistema de compostagem conta com uma equipe formada por uma engenheira agrônoma e sete reeducandos, que participam na produção do adubo, mudas e plantio.

Em paralelo, a equipe está executando um projeto piloto para o reaproveitamento e destinação consciente de resíduos orgânicos dos mercados e feiras públicas da cidade, em parceria com as autarquias Conviva Mercados e Feiras e de Manutenção e Limpeza Urbana (Emlurb) e as Secretarias de Saúde, Saneamento e de Desenvolvimento Social, Direitos Humanos, Juventude e Políticas sobre Drogas (SDSDHJPD).

“Iniciamos no Mercado da Encruzilhada, escolhido por gerar uma pequena quantidade de resíduos, o que permitiu avaliar o processo. Em seguida, o projeto foi ampliado para a feira do Cais de Santa Rita, onde observamos um volume de resíduos cerca de três vezes maior. Nossa meta é expandir essa iniciativa para outros mercados e feiras”, destaca Adriana Figueira, secretária executiva de Agricultura Urbana do Recife.

Desde dezembro de 2023, foram recolhidas 15,7 toneladas de resíduos orgânicos dos mercados e feiras e 56,5 toneladas de resíduos secos e molhados coletados na sede da Prefeitura.

A população pode visitar o projeto ou solicitar assistência técnica, mudas, insumos, treinamentos e outros recursos, tanto para terrenos públicos quanto privados, pelo Conecta Recife ou pelo e-mail agriculturaurbana@recife.pe.gov.br.

DESPERDÍCIO E INSEGURANÇA ALIMENTAR

Apesar da iniciativa, o estado de Pernambuco e todo o Brasil vivenciam a vulnerabilidade dos sistemas alimentares para a população.

Mais de 8 milhões de brasileiros foram atingidos pela fome entre 2021 e 2023, de acordo com o Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial, divulgado em julho deste ano. O alto índice coloca o Brasil de volta ao Mapa da Fome, de onde tinha saído em 2014 e sustentava a posição até 2018.

Em paralelo, a Organização das Nações Unidas (ONU) aponta que o país está entre os dez países que mais desperdiçam comida no mundo. Neste cenário, a dinâmica nos centros urbanos traz à tona preocupações com a cadeia produtiva e o desperdício de alimentos.

Um levantamento publicado em 2023 pela empresa de tecnologia MindMiners em parceria com a Nestlé, por exemplo, revelou que apenas 4% das empresas do ramo alimentício entrevistadas reaproveitam alimentos e evitam o desperdício.

O desperdício de alimentos na cadeia alimentar também pode ser notado em feiras livres e mercados públicos. O relatório de pesquisa “Cidades e alimentação: governança e boas práticas para alavancar sistemas alimentares urbanos circulares”, liderado pela Embrapa Alimentos e Territórios em parceria com a União Europeia no Brasil, revelou os desafios com os programas e políticas alimentares urbanas a partir desta perspectiva.

Hélia Scheppa/PCR/Divulgação
Feiras livres e mercados públicos ainda concentram grande quantidade de desperdício de alimentos - Hélia Scheppa/PCR/Divulgação

“Com relação à gestão e implementação da agenda alimentar urbana, há necessidade de haver recursos orçamentários bem definidos, marcos legais e institucionalização dos programas para contribuir com a perenidade das políticas”, afirmam os pesquisadores.

Entre os dias 22 e 25 de março de 2023, os pesquisadores realizaram um estudo de análise da composição de resíduos nas feiras livres de Afogados, Santa Rita, Cordeiro e Encruzilhada.

Em apenas quatro dias, foram recolhidos 636 kg de resíduos evitáveis, que são os produtos que eram comestíveis em algum momento antes de serem descartados, como folhas, raízes, legumes, frutas e carnes.

Só na Feira do Cais de Santa Rita, área central do Recife, foram coletados 300 kg de resíduos. Na Feira do Cordeiro, o número chegou a 147 kg; na feira livre de Afogados, a 129 kg; e a 59 kg na Feira da Encruzilhada.

O relatório aponta que só no Recife, há 17 feiras cadastradas, que ocorrem semanalmente, com um total de 2.900 barracas.

Em Jaboatão dos Guararapes, município que conta com pelo menos cinco mercados públicos e cinco feiras agroecológicas, não há nenhum projeto de reaproveitamento dos resíduos.

O JC entrou em contato com a Prefeitura de Olinda para saber se há alguma iniciativa nos mercados públicos e feiras livres e não recebeu retorno. O espaço está aberto.

Tags

Autor