Em Brasília Teimosa, Miqueline fez das tranças símbolo de autoestima, resistência e fonte de renda

Empreender é alternativa para a população negra, que encontra dificuldade de acessar o mercado de trabalho ou precisa se submeter a baixos salários

Publicado em 19/11/2024 às 23:23 | Atualizado em 19/11/2024 às 23:27
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Jasmyn conheceu o racismo na escola. “- Mãe, me chamaram de cabelo de chiquinha”. “ - Mãe, disseram que meu cabelo é de pompom”. Os relatos em casa têm caráter de desabafo porque, entre os coleguinhas, a menina de 8 anos já aprendeu a se defender. Ela é a 4ª geração de uma família de mulheres trancistas de Brasília Teimosa, na zona sul do Recife. 

Na época de sua bisavó, Dona Maria Agripina, hoje com 93 anos, as tranças eram um recurso para “domar” os cabelos crespos das garotas da família. Hoje, para sua mãe Miqueline Batista, as tranças têm outro significado: são símbolo de ancestralidade, resistência, autoestima e fonte de renda. "Eu tinha emprego de carteira assinada e fazia trança nos horários livres, mas fiz as contas e vi que era melhor trabalhar em casa junto das minhas filhas, além de ganhar mais", conta. Assim, no terraço da sua casa, Miqueline, de 29 anos, deu vida à "A Famosinha das Tranças". 

Miqueline Batista
20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Diversidade e Igualdade. - Miqueline Batista

Assim como a trancista, empreender é alternativa para a população negra, que encontra dificuldade de acessar o mercado de trabalho ou precisa se submeter a baixos salários. No Brasil, além da maior taxa de desemprego entre negros e pardos, a taxa de informalidade é alta e a renda do trabalho é menor, mesmo ocupando cargos iguais. 

SUSTENTO DAS TRANÇAS

Com seu trabalho de trancista, Miqueline consegue alimentar a família, pagar o aluguel e prover os cursos das filhas Jasmyn e Melyna. Ela conta que queria ter o cabelo grande e sua avó fazia trança nagô (aquela que fica rente ao couro cabeludo), aí o cabelo parecia mais curto ainda.

"Eu queria fazer uma trança diferente, mas minha mãe não podia pagar. Aí ela pagou com faxina para uma trancista fazer em mim. Quando fui tirar fiquei observando como foi feita e tentei fazer. Aos 12 anos fiz minha primeira trança raiz. Depois comecei a fazer nos outros. Eu passava 12 horas fazendo e cobrava R$ 30. Dava R$ 20 a minha mãe e ficava com R$ 10 pra comprar confeito e chocolate. Pra mim era muito dinheiro", recorda, com alegria.   

JAILTON JR./JC IMAGEM
20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Diversidade e Igualdade. - JAILTON JR./JC IMAGEM

RACISMO E AUTOESTIMA 

O preconceito ainda persiste, mas o cabelo crespo se ressignificou e a população mais jovem voltou a exibir com orgulho suas tranças e seus black, assim como os movimentos sociais negros nos anos 1970 fizeram. "Hoje a aceitação e melhor, mas na minha época eu sofri muito na escola. Me perguntavam se eu usava trança porque meu cabelo era ruim. Agora eu fico feliz em ver uma pessoa pessoa sair da minha cadeira de trança e com muita autoestima", comemora. 

Há 17 anos fazendo traça, Miqueline diz que os cursos que fez no Instituto JCPM de Compromisso Social e a oportunidade de participar de eventos no RioMar, como a ExpoPreta permitiram com que ela avançasse na profissionalização do seu negócio e tivesse acesso a novos clientes. Hoje ela transforma o cabelo dos clientes fazendo os mais diversos tipos de tranças: nagô, boxeadora, box braids, dreadlock e outras. Os preços variam de R$ 40 a R$ 320. O sonho da empreendedora é montar um salão em Brasília Teimosa. 

JAILTON JR./JC IMAGEM
20 de novembro, Dia da Consciência Negra. Diversidade e Igualdade. - JAILTON JR./JC IMAGEM

Miqueline diz que o seu trabalho de estimular a autoestima não faz distinção de cor. "Já ouvi várias vezes que não deveria fazer tranças em pessoas brancas, mas eu faço. É uma maneira delas entrarem no nosso mundo e nós entrarmos no mundo delas. Essa convivência ajuda a diminuir a distância entre nós", diz, sabiamente a "fada das tranças" de Brasília Teimosa, ensinando o que é respeito a diversidade.  

 

  

 

 

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