Em um passado não muito distante, a Assistência Social era vista como política de “primeira-dama”. Apesar de estar presente na Constituição, a garantia mínima das necessidades básicas de cada cidadão, - e aqui estamos falando de pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade e extrema pobreza, com uma renda mensal, em média, inferior a R$ 145 - , está ameaçada segundo gestores e entidades. Eles têm apontam, o desmonte da área social com as constantes reduções de recursos por parte do Governo Federal.
A pressão dos prefeitos, em pleno ano eleitoral, será intensificada. Afinal, mesmo que o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) seja um modelo de financiamento tripartite: União, Estados e municípios, é na porta das prefeituras que a população vai em busca de seus direitos básicos.
De acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), os cortes em ações estruturantes, como a Proteção Social Básica, que concentra ações nos Centros de Referência De Assistência Social (CRAS), contará neste ano com investimento de R$ 797 milhões , o que corresponde a um corte de 55% dos recursos, se comparado a 2019.
“A partir da MP do Teto de Gastos, essa área foi perdendo recursos. Os repasses para os municípios passaram a atrasar, e eles passaram a assumir os custos com a manutenção da estrutura dos serviços ofertados, com psicólogos, atendentes, e a rede de assistência social. O governo federal tem uma dívida muito grande, há repasses desde 2016, que não são pagos”, explica o consultor da CNM, Eduardo Tanz.
Para manter o funcionamento de um CRAS - responsável pela prestação de serviços socioassistenciais, como cadastramento e acompanhamento das famílias, e acesso a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família - é gasto cerca de R$ 15 mil. Em uma cidade de médio porte, como Surubim, no Agreste Central, há cinco anos o valor repassado da União para manutenção do centro tem sido de R$ 12 mil. Neste mês, o município que antes entrava com a participação de R$ 3 mil para completar os custos, terá que arcar R$ 7.500. “Qual a consequência disso? Se esse recurso, a gente fragiliza serviços que previnem a violação de direitos. A prefeitura não tem como arcar com tudo”, alerta a vice-presidente do Colegiado Estadual de Gestores Municipais de Assistência Social de Pernambuco (Coegemas-PE), Penélope Andrade.
Nem mesmo o programa Bolsa Família, alvo de disputa no período de campanhas eleitorais, tem sido poupado das constantes reduções.Dados do Ministério da Cidadania mostram que na região Nordeste, onde se concentram 939,6 mil famílias em situação de extrema pobreza, e cujo os governos fazem oposição ao governo Bolsonaro, apenas 3% dos novos cadastros do programa foram concedidos. Enquanto nas regiões Sul e Sudeste, o percentual de novas concessões chegaram a 75%.
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Em Pernambuco há uma fila de espera de 190 mil famílias para terem acesso ao benefício federal. “O número de beneficiários do Bolsa Família flutua a cada mês em virtude dos processos de inclusão, exclusão e manutenção das famílias. Para incluir novas famílias, o Programa depende da emancipação, procedimentos rotineiros de averiguação e revisões cadastrais, fiscalização, desligamentos voluntários e, claro, disponibilidade orçamentária”, esclarece o Ministério da Cidadania.
Para a vice-presidente do Coegemas-PE, a averiguação do sistema é necessária. “Mas ela não pode ser feita de forma fria”, declara. Penélope explica que muitas famílias por falta de informação, acabam tendo o benefício bloqueado. “Eles não saíram pela ‘porta de saída’, ou seja, por terem superado a situação de vulnerabilidade que viviam”, esclarece. Ela cita um caso de uma família, que saiu do programa de transferência de renda, porque o CPF do beneficiário foi vinculado a um CNPJ. “Quando fomos verificar, vimos que se tratava de uma família extremamente humilde, e descobrimos que foi um cunhado que usou o CPF para abrir o CNPJ”, disse.
Moradora na comunidade do Pilar, no bairro do Recife, Wanessa Vasconcelos Santos, de 25 anos, teve o benefício bloqueado e aguarda desde o ano passado para retornar ao Bolsa Família. Mãe de três filhos, ela deixou de receber quando deu a luz ao seu caçula de 1 ano e sete meses. “Eu morava com meus avós, em Nova Descoberta, quando fui cortada. Recebia R$ 253 e essa era a nossa única renda. Quando ele deu entrada na aposentadoria, no mesmo ano tive meu benefício cortado”, afirmou, mas sem saber detalhar o que pode ter ocorrido. Hoje, Wanessa mora sozinha com os filhos e conta com a ajuda de familiares. Sua renda atual é em média R$ 120.
“As vezes tem gente que aparece para fazer cabelo e unha e as vezes não. Minha mãe também me ajuda quando pode. Só Deus tem misericórdia da gente”, disse. O apartamento no conjunto residencial no Pilar, é simples, quase sem nenhuma mobília. Ao convidar a reportagem para entrar, ela logo mostrou o fogão que também é usado como armário para guardar os alimentos. “Aqui tem um pacote de feijão, um de arroz, e assim a gente vai se virando”.
Para a dona de casa Ângela Maria Leite, de 65 anos, que também mora no Pilar, a espera é pela aposentadoria. Ela também é beneficiária do Bolsa Família e tenta sobreviver com a renda de R$89,41. “Meus filhos me ajudam, tento vender uma água e uma pipoca por aqui e compro alguma coisa para dentro de casa. Tenho problema nos rins e na coluna, então tudo é muito difícil”, disse Ângela, que deu entrada no pedido de aposentadoria desde setembro do ano passado, quando o número de pedidos feitos ao INSS, havia ultrapassado a marca de 1,15 milhões solicitações.
Os casos citados não são muito diferentes em si e se repetem, não só na capital, mas em vários municípios do Estado. A secretária de Desenvolvimento Social do Recife, Ana Rita Suassuna, explica que para março, apenas 26 pessoas foram beneficiadas com o Bolsa Família, em uma fila que deve alcançar 10 mil pessoas. A cidade está entre as dez que tiveram a maior perda do programa de maio a dezembro de 2019.
“Essa averiguação sempre existiu, não é de agora. O que nos surpreende é que de julho de 2019 a janeiro, as reduções são acentuadas. Nós tínhamos em julho, mais 90 mil famílias, em janeiro, passamos a ter 86.380 famílias”, declarou.
Em Petrolina, no Sertão, onde o governo municipal tem alinhamento com o governo federal, o índice de perda foi de 9%. No entanto, o prefeito Miguel Coelho afirma que esse dado não pode ser observado como uma perda. “Talvez as pessoas não precisem mais e tenham saído do programa, que é importante, mas não foi feito para que as pessoas viciem nele”, disse. Coelho também explica que em Petrolina, há quase 80 mil pessoas beneficiadas pelo programa. “É quase um terço da cidade, ou seja, é algo que não poder sustentável, até porque a gente quer que a cidade cresça e as pessoas tenham renda e emprego”, finalizou.
Pressão na Congresso Nacional e convocação de Ministro da Cidadania
A Frente Parlamentar em Defesa do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), da Câmara dos Deputados, tem se mobilizado para frear os cortes na área de Assistência Social. De acordo com o presidente do colegiado, o deputado federal Danilo Cabral, o primeiro passo é revogar a chamada “Portaria do Calote”. “Nós apresentamos um projeto de decreto legislativo para revogar a portaria nº 2.362/2019 do Ministério da Cidania. Ela mexeu na estrutura de deliberação estratégica de assistência social, tirando o poder deliberativo para que os municípios, estados e conselhos deixassem de ter voz. Essa portaria praticamente formaliza o calote, desconsiderando o pagamento dos recursos que estão pendentes. Nós temos um acumulado de R$ 2 bilhões de reais”, explica Danilo.
Em Pernambuco, esse passivo referente a 2019 chega a R$ 50 milhões. Também é de autoria de Danilo Cabral, uma proposta de emenda a constituição, apresentada em 2018, que propõe a vinculação de 1% da receita da União para financiamento da gestão dos serviços de assistência social. “Em abril, realizaremos um ato no Congresso, para pressionar os parlamentares e colocar a recomposição do SUAS, dentro das prioridades a serem discutidas agora”, afirma Cabral.
No tocante a participação do Estado dentro do cofinanciamento do SUAS, o Governo de Pernambuco tem uma dívida de 2017 a 2019 de cerca de R$ 12 milhões, segundo o Coegemas-PE. De acordo com o secretário estadual de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude, Sileno Guedes, os cortes também se refletem nos recursos dos estados. “Ano passado, corrigimos essa distorção, repassamos quase R$ 8 milhões, mas o estado também sofreu uma redução de mais de 30% dos repasses do recurso do governo federal”, explica. “Fora estes recursos administrados da Assistência Social, nós garantimos o 13º do Bolsa Família, e estamos tentando dentro desse mar de dificuldades garantir a assistência”, finaliza.
É um movimento cíclico, as reduções nos recursos do SUAS, incluindo programas fundamentais como o Bolsa Família, aumentam a demanda pelos serviços sociais, e são os municípios que ficam no meio desse ciclo. O presidente da Associação Municipalista de Pernambuco, e prefeito de Afogados da Ingazeira, José Patriota (PSB), tem tentado viabilizar uma reunião com o novo ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni. “Esse é um assunto que ainda não avançou. Este mês, os municípios receberam para a área de assistência social, 40% do que deveria ter entrado, para os custeios dos programas. Além disso, ainda tem o valor do ano passado para pagar. Não estou encontrando alternativas para manter os serviços”, disse Patriota.
O gestor também endossa a preocupação com os rumos do Bolsa Família. “Nenhuma família nova entrou. Só foram retiradas, que acho certo se essas pessoas estavam irregulares. Mas, e quem tá na porta para entrar?”, questiona. O fato de ser um ano eleitoral, tem implicações importantes dentro desse tema, pois os prefeitos devem pressionar ainda mais o Congresso Nacional. “Pode dar celeridade, mas nós ainda queremos entender a natureza desse governo”, pontua o presidente da Amupe.
Nesta sexta-feira (6), o deputado federal Danilo Cabral protocolou um requerimento convocando o ministro da Cidadania a prestar esclarecimentos ao Plenário da Câmara, sobre a disparidade na concessão dos novos beneficiários do Bolsa Família. No Nordeste, apenas 3 mil novas famílias entraram no programa, neste mês de janeiro.
Permanente
Comissão Mista da Medida Provisória (CMMPV) n° 898 aprovou, nessa terça-feira (3), o relatório do senador Randolfe Rodrigues (REDE – AP) que garante o pagamento do 13° aos beneficiários do Bolsa Família e do BPC. Com isso, as famílias inscritas nos dois Programas terão direito à 13ª parcela do benefício todo fim de ano, no mesmo valor do recebimento mensal, paga junto com a parcela de dezembro. A matéria agora segue para apreciação do Plenário da Câmara dos Deputados.
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