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Redução na concessão do Bolsa Família abre nova crise entre governadores do Nordeste e Bolsonaro

Governadores da região já se articulam para buscar apoio no Congresso Nacional

Juliana Sampaio
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Juliana Sampaio
Publicado em 05/03/2020 às 23:39 | Atualizado em 05/03/2020 às 23:56
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Economia brasileira registra seu terceiro ano consecutivo de fraco crescimento, o primeiro com Jair Bolsonaro - FOTO: AFP
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A prioridade dada pela gestão Jair Bolsonaro (sem partido) às Regiões Sul e Sudeste nas novas concessões de benefícios do Bolsa Família, em janeiro, disparou um alerta entre governadores do Nordeste, que se articulam agora para buscar apoio no Congresso Nacional e cobrar uma resposta do governo federal. Segundo dados do Ministério da Cidadania, o Nordeste recebeu apenas 3% dos novos benefícios do programa assistencial, enquanto Sul e Sudeste responderam por 75% das novas concessões. Nas redes sociais, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), atribuiu o resultado a uma “atitude preconceituosa” e “desumana”.

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“O Bolsa Família existe porque, no Brasil, ainda temos milhares de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Gente que precisa da ação social do governo para superar dificuldades diárias. No Nordeste, o quadro tem agravantes. Verificar que apenas 3% dos novos cadastros do programa contemplem usuários dos 9 Estados da região é inaceitável. Uma verdadeira agressão aos mais de 164 mil pernambucanos e outros milhares de nordestinos que seguem na fila de espera pelo benefício. Esse direcionamento não poderá ser permitido, sendo mais uma atitude preconceituosa e desumana do Governo Federal”, criticou.

Também pelas redes sociais, o petista Rui Costa, governador da Bahia, afirmou ser “triste e absurda essa perseguição ao #Nordeste”. “Nordeste, vamos resistir”, convocou. Segundo Costa, está marcada uma reunião na próxima semana com senadores do Norte e Nordeste para discutir o tema. “O senador @jaqueswagner aprovou um requerimento para cobrar explicações ao Governo Federal sobre a fila do Programa, que bate recordes”, escreveu. “Muitas famílias dependem desse benefício para se alimentar, manter os filhos na escola e buscar oportunidades de trabalho. Perseguir essas pessoas é cruel e desumano”, concluiu.

Rui Costa, que é presidente do Consórcio Nordeste, afirmou, ainda, que os gestores nordestinos irão buscar “uma reação do Parlamento para proteger a população contra ataques”.

Os dados de janeiro do Bolsa Família mostram que Pernambuco teve apenas 414 novos beneficiários em janeiro, o que representa 0,18% dos 231.751 mil na fila de espera do benefício. Desse total, 67.808 estão na pobreza e 163.943 na extrema pobreza. A região Nordeste concentra 36,8% das famílias em situação de pobreza ou extrema pobreza na fila de espera do programa, o que virou fator de pressão contra o governo Bolsonaro.

O ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni (DEM), está à frente da reformulação do programa, que foi a principal bandeira dos governos dos ex-presidentes petistas Lula e Dilma Rousseff. No Twitter, Lula criticou Bolsonaro. “Todas as famílias pobres tem direito ao Bolsa Família, em todas as regiões, sem discriminação”.

O Nordeste, inclusive, foi a única região do País em que Jair Bolsonaro (sem partido) perdeu nas urnas para Fernando Haddad, candidato do PT à Presidência da República nas eleições de 2018.

Após eleito, Bolsonaro já se envolveu em várias polêmicas com o Nordeste. Em algumas delas, chamou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), de “paraíba” – termo utilizado de forma pejorativa contra nordestinos. Em outra situação, chamou Paulo Câmara de “espertalhão” ao questionar a paternidade do 13º salário do próprio Bolsa Família. Em agosto, dados da Caixa Econômica Federal mostraram que o Nordeste havia recebido apenas 2,2% dos empréstimos realizados entre janeiro e julho de 2019. À época, Bolsonaro negou qualquer retaliação à região.

Desde que Bolsonaro assumiu o Palácio do Planalto, em janeiro de 2019, o alcance do Bolsa Família tem diminuído em todo o Brasil. Entre junho e dezembro, a concessão de novos benefícios despencou a uma média de 5,6 mil por mês. Antes, passavam de 200 mil mensais.

Segundo o governador baiano, o encolhimento do programa já tem tido reflexos nos municípios nordestinos. Ele disse ter recebido relatos de prefeitos sobre a volta de pessoas pedindo cestas básicas para conseguir sobreviver. “É um quadro preocupante e desolador”, disse Costa.

No Twitter, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), também se posicionou. “Crescimento do desemprego, emprego precário e a porta fechada para acesso a programas emergenciais, como o Bolsa Família, aumenta nosso desafio de sustentar uma rede de proteção aos mais pobres”, disse.

A bancada do PT no Senado ingressou com um pedido para que o Tribunal de Contas da União (TCU) dê início a uma auditoria. Na Câmara, o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), com o apoio da bancada de seu partido, vai pedir a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar as concessões do Bolsa Família no governo Bolsonaro. “Essa reportagem mostra a distorção e perversidade do governo para a região onde ele não teve voto”.

“Bolsonaro se ressente de ter perdido eleitoralmente no Nordeste e se vinga criminosamente da região que mais precisa de políticas públicas sociais. Apenas 3% das famílias que solicitaram o Bolsa Família em janeiro são do Nordeste”, criticou o senador Humberto Costa (PT-PE).

Deputado federal pelo Rio de Janeiro, Marcelo Freixo (PSOL) disse que “Bolsonaro está fazendo política com a fome dos nordestinos” e confirmou o pedido de abertura de uma CPI. “É crueldade o que Bolsonaro está fazendo com os pobres: 3,6 milhões de famílias estão passando fome sem o auxílio, apesar de atender as regras. No Nordeste, região mais pobre do País, a situação é ainda mais grave. Exigimos investigação”.

Em nota, o Ministério da Cidadania afirmou que o programa “tem sofrido ataques dos mais variados”. A pasta não deixou claro que ataques seriam estes e também não explicou as razões para o percentual de novas concessões terem sido menores no Nordeste. Na nota, a pasta afirmou que o processo de concessão de benefícios é “impessoal e realizado por meio de sistema automatizado que obedece ao teto das verbas orçamentárias destinadas ao programa”.

Pelos dados do ministério, o Nordeste recebeu 3% dos novos benefícios enquanto Sul e Sudeste responderam por 75% das novas concessões. Para se ter uma ideia, o número de novos benefícios concedidos em Santa Catarina, que tem população oito vezes menor que o Nordeste e é governada por Carlos Moisés (PSL), foi o dobro do repassado à região nordestina inteira, cujos governadores são da oposição.

As informações foram comparadas com os dados oficiais disponíveis na internet. A série histórica mostra que houve um pico de novas concessões do Bolsa Família em janeiro que se refletiu em todas as regiões, exceto o Nordeste.

“Os números mostram um favorecimento no pagamento do benefício aos eleitores de regiões fiéis ao presidente Bolsonaro. Cabe aos presidentes da Câmara e do Senado pedir explicações para manter a eficácia do programa”, criticou o senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Até a publicação desta matéria, nem Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, nem Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente do Senado, haviam se pronunciado sobre os dados divulgados do Bolsa Família. Bolsonaro também não se pronunciou sobre o assunto.

Divisão

A distribuição chama a atenção porque é a Região Nordeste que concentra o maior número de famílias necessitadas e ainda desassistidas pelo programa. A região tinha, em dezembro do ano passado, 939,6 mil famílias em situação de extrema pobreza (com renda familiar per capita abaixo dos R$ 89 mensais) sem acesso ao Bolsa Família. Em todo o Brasil, são 2,39 milhões de famílias nessa situação.

O Sudeste, região mais atendida, também tinha volume considerável de famílias em extrema pobreza ainda sem inclusão no programa, mas em número ainda menor que no Nordeste: 868,3 mil. Já a Região Sul tinha 186,7 mil famílias nessa condição de vulnerabilidade e foi a segunda maior beneficiada.

Segundo os dados de dezembro, havia ainda 1,18 milhão de famílias em condição de pobreza (com renda familiar per capita entre R$ 89 e R$ 178 mensais) que não recebem auxílio do programa social. Ao todo, 3,6 milhões de famílias no País faziam jus ao benefício e estavam cadastradas em dezembro de 2019, mas não receberam nenhum valor.

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