Depois de quase quatro meses de pandemia, o Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE) divulgou ontem um “panorama” de como estão os portais da transparência nas despesas realizadas para combater o coronavírus. Das 184 prefeituras pernambucanas, 113 vão receber um alerta de responsabilização; e 66, um ofício para tomar conhecimento das falhas que apresentaram em alguns dos nove itens pesquisados pela equipe da corte entre os dias 17 de maio e 9 de junho. As que escaparam do puxão de orelha foram Caetés, Cedro, Condado, Gravatá e Itaíba, que atenderam todos os itens pesquisados.
O governo federal já autorizou despesas da ordem de R$ 404 bilhões para as ações de enfrentamento à covid-19, segundo a Associação Contas Abertas, que estima que 3% de tudo que vai ser liberado seja destinado à corrupção.
O TCE levantou basicamente os seguintes itens: a colocação das informações nos portais; se há um portal da transparência e um sítio próprio para as informações relacionadas à covid-19; se foram disponibilizadas informações sobre os contratos de bens ou serviços; o funcionamento das ferramentas de pesquisa – como, por exemplo, se podem ser gerados relatórios em forma aberta –; a possibilidade de obter informações pelo e-sic; a facilidade no envio das informações; e a possibilidade de acompanhamento do pedido de informação realizado pelo cidadão.
- MPF e MPCO recomendam transparência nas contratações da Prefeitura do Recife contra o coronavírus
- Órgãos de controle aumentam cobrança por transparência da Prefeitura do Recife
- O governo de Pernambuco informa que fez ajustes nas informações do coronavírus no Portal da Transparência
- Relatório do TCE aponta supostas irregularidades da Prefeitura do Recife com relação à transparência
“É importante que os Tribunais de Contas e os Ministérios Públicos façam essas avaliações. É uma informação indispensável haver um sítio com uma área específica para a covid-19, que pode ser o portal da própria cidade. Mas também são fundamentais aspectos como a usabilidade, o bom conteúdo e a sequência da atualização desses sítios”, resume o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco.
Em tese, a “leve” crítica ao levantamento do TCE ocorre porque a corte verificou quais informações estão lá, mas não analisou o conteúdo – a qualidade das informações com relação aos contratos – nem a frequência com que ocorrem a atualização dos dados.
Segundo Gil, deveriam estar publicados nos portais as principais peças do processo administrativo que antecederam a contratação pelos entes públicos. “É fundamental saber quantas empresas foram consultadas antes da contratação, os preços que elas ofereceram. Isso é essencial para um controle social”, argumenta, acrescentando que 90% dos municípios já têm casos de covid-19.
Ele argumenta que esses detalhes na contratação estão na lei federal 13.979, que estabelece os procedimentos na aquisição de bens e serviços durante a pandemia. A mesma lei também baseou o levantamento feito pelo TCE.
O levantamento do TCE mostra que, com relação às contratações e aquisições, somente 20,1% das prefeituras pernambucanas atenderam os requisitos de colocar essas informações no portal; 56% não atenderam e 23,9% atenderam parcialmente. Segundo o TCE, a divulgação parcial, nesse caso, ocorre quando a prefeitura não divulga todas as informações sobre contratos e aquisições, como nome, CPF ou CNPJ do contratado, prazo do contrato, valor e referência ao processo de contratação/aquisição.
“A transparência é o melhor antídoto contra a corrupção. O nosso receio é de que o Brasil esteja diante da maior fraude que já ocorreu na sua história”, fala Gil. Pelos cálculos dele, já foram autorizados pelo governo federal R$ 404 bilhões para ações de enfrentamento à covid-19, mas os gastos da União podem chegar a R$ 500 bilhões, caso sejam pagos mais dois meses de auxílio emergencial.
O valor corresponde a 20 vezes o que foi gasto pelo País com a Copa do Mundo de 2014. “E provavelmente, acontecerão outros benefícios que serão prorrogados relacionados à pandemia. A nossa estimativa é de que a fraude chegue a 3% de tudo que vai ser liberado. Isso significaria uma quantia de R$ 15 bilhões, que é mais do que a Operação Lava Jato recuperou em toda a sua história, que foi cerca de R$ 14 bilhões”, resume Gil.
E a fraude, nesse caso, vai desde pessoas que receberam o auxílio emergencial sem pertencerem ao mercado informal de trabalho até as contratações feitas por órgãos públicos.
Desde que começou a pandemia, ocorreram denúncias de suspeitas de irregularidades envolvendo aquisição de bens e prestação de serviços contratados por vários governos estaduais e prefeituras. Em Pernambuco, a Prefeitura do Recife foi a que teve mais supostas irregularidades apontadas por órgãos como o Ministério Público de Contas (MPCO), Ministério Público Federal em Pernambuco, Justiça Federal e até duas operações da Polícia Federal, que investigam a compra de alguns bens pelo município, como respiradores artificiais à empresa Juvanete Barreto Freire, e materiais hospitalares adquiridos à empresa FBS Saúde, entre outros.
“A orientação do alerta é fazer com que as prefeituras façam os ajustes. Aqueles que não atenderam aos critérios e descumpriram os alertas poderão sofrer sanções que vão desde a aplicação de multas a abertura de processos para averiguar os fatos com maior profundidade, emissão de Cautelares, remessa ao MPCO para as providências necessárias, e poderão levar a prejuízos na análise das prestações de contas”, disse o presidente do TCE, Dirceu Rodolfo.
Ele argumenta que o levantamento foi “uma fotografia”, mas que o filme vai continuar rodando. O TCE também já instaurou algumas auditorias especiais para apurar supostas irregularidades pela PCR, mas que ainda não foram concluídas.
Com relação ao governo estadual, Dirceu Rodolfo disse que o Estado está cumprindo todos os critérios pesquisados. No entanto, alguns contratos feitos pelo governo do Estado só vão estar disponibilizados no portal da transparência até o dia 15 de julho. Pela lei 13.979, os contratos e empenhos deveriam ser disponibilizados de imediato ou até dois dias depois da assinatura do contrato ou do empenho, segundo informações do Tribunal de Contas da União e da Transparência Internacional.
POSITIVO
Ainda no levantamento do TCE, as cidades de Caetés, Cedro, Condado, Itaíba e Gravatá obedeceram todos os requisitos pesquisados. “A gente teve um trabalho grande desde que surgiu a demanda, e as compras puderam ser feitas com essa legislação à parte. Depois da avaliação do tribunal, em maio, a gente já fez novas atualizações no portal. A gente faz um trabalho constante de como melhorar esses dados em algo mais acessível à população. Inicialmente, lançamos os dados com informações dos fornecedores, CNPJs, contratos. E nessas últimas atualizações a gente fez um destaque logo na primeira página dos itens comprados, para que a pessoa não dê muitos cliques para acessar a informação, além de fazer a publicação integral de todos os contratos”, explica a controladora-geral do município de Gravatá, Wedja Martins.
Desde 2018, a Prefeitura de Gravatá criou um sistema próprio para abastecer o portal da transparência. Todas as secretarias do município têm um funcionário encarregado de “fornecer” os dados para a plataforma.
O site da Prefeitura de Gravatá tem os contratos dos fornecedores, quando ocorreu o começo e o término da prestação do serviço, a situação do contrato (se está ativo ou concluído) e dados da empresa contratada. Todas essas informações estão na primeira página relacionada aos contratos, como constatou a reportagem numa consulta feita na tarde desta terça-feira (7). A última atualização ocorreu também nesta terça.
No portal, são oferecidas 10 opções diferentes para baixar os dados. “É um compromisso do prefeito informar para a população o que a gente faz, onde o dinheiro está sendo gasto. Com o portal, qualquer pessoa que queira vai se informar sobre onde o dinheiro está sendo investido, quanto o município recebeu. A gente, como cidadão, tem uma visão de que o município ou o Estado tem uma receita infinita, e não é bem assim, as despesas também são infinitas para a manutenção do serviço público”, respondeu Wedja.
Comentários