ÉTICA

Juntas protocola representação alegando quebra de decoro contra deputados que teriam tentado impedir aborto de menina de 10 anos

A representação foi protocolada na Comissão de Ética da Assembleia Legislativa de Pernambuco, nesta terça-feira (18), contra os deputados Joel da Harpa (PP) e Clarissa Tércio (PSC)

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Publicado em 18/08/2020 às 18:56 | Atualizado em 19/08/2020 às 8:30
FELIPE RIBEIRO/JCIMAGEM
Segundo a representação do PSOL, os deputados Joel da Harpa e Clarissa Tércio quebraram o decoro parlamentar ao tentar invadir o Cisam para interromper o procedimento de aborto autorizado pela Justiça - FOTO: FELIPE RIBEIRO/JCIMAGEM

Atualizada às 19h30

O PSOL, a partir das codeputadas Juntas e do presidente estadual do partido Severino Alves, protocolou nesta terça-feira (18), um pedido de instauração de procedimento administrativo contra o deputado estadual Joel da Harpa (PP) e contra a deputada estadual Clarissa Tércio (PSC). As duas  representações, que foram encaminhadas a Mesa Diretora e à Comissão de Ética Parlamentar da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) - subscrita por mais de 50 movimentos sociais e contou com apoio do vereador Ivan Morais (PSOL)- , afirmam que houve quebra de decoro parlamentar na ação envolvendo os deputados, no último domingo (16), no protesto contra a realização do aborto autorizado pela Justiça do Espírito Santo, em uma criança de 10 anos, vítima de estupro.

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De acordo com o documento, o deputado Joel da Harpa quebrou o decoro parlamentar ao obter irregularmente informações sigilosas sobre a criança - o que colocaria segurança da menina em risco; ter feito barulho em frente ao Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam/UPE) e obstruído a entrada de emergência, além de ter tentado forçar com violência a entrada na instituição.

“O Deputado Joel da Harpa não só convocou as pessoas a estarem lá, como ele mesmo esteve presente. Em muitos vídeos e fotos (anexo 2) pode ser visto o representado sem máscara perto de outras pessoas, mesmo com a Lei nº 16.968/2020 vigente em nosso Estado que obriga o uso de máscaras durante a pandemia”, afirma as codeputadas, na representação.

No caso da deputada Clarissa Tércio, a quebra de decoro teria ocorrido por motivos semelhantes. Segundo a representação do PSOL, a parlamentar também esteve no Cisam/UPE, tentando impedir a realização do procedimento que interromperia a gravidez da criança de 10 anos. Além de fazer barulho em frente a maternidade, a deputada também obstruiu a entrada da emergência hospitalar. Ao tentar invadir a unidade, Clarissa foi contida por um apoiador. As Juntas também citam que a deputada estava sem máscara no local, também em descumprimento da lei estadual.

“Também é possível ver em mídias que circulam pelas redes sociais (anexo 2) que em um momento a deputada Clarissa Tércio tenta invadir a força o prédio, desistindo dessa ofensiva apenas quando um apoiador seu a retirou. Ela tenta justificar o ato violento com o direito que parlamentares têm de realizarem fiscalização”, relata o texto. “Porém há de se lembrar que nos próprios vídeos que a representada divulgou em suas redes sociais é manifestado o interesse de impedir a realização do procedimento (anexo 3), assim como deve ser pontuado desarrazoado usar esse direito para poder entrar em um bloco cirúrgico em que uma menina de dez anos vítima de estupro se encontrava.”, complementa o documento.

Por fim, as Juntas e o PSOL pedem que a representação seja admitida pela Comissão de Ética Parlamentar da Alepe, presidida pelo deputado estadual Tony Gel (MDB), e que os representados sejam punidos com a perda do mandato parlamentar - punição máxima prevista - diante das condutas apontadas.

No entanto, o presidente do colegiado explica que primeiro a representação deve ser analisada pela Mesa Diretora da Casa, para só então ser encaminhada à Comissão de Ética. “Conversei com o presidente Eriberto Medeiros (PP), ele havia questionado a minha opinião a respeito deste caso. Não cheguei a ver os vídeos, mas tudo isso será matéria de análise. Vamos aguardar, é algo novo e que precisamos ouvir o contraditório. A Mesa Diretora recebe a representação e vai conduzi-la da melhor forma”, explicou Tony Gel, ao JC.

Caso seja acatado e encaminhado a Comissão, o deputado explica que o processo seria um pouco demorado, tendo em vista o formato remoto em que os trabalhos estão sendo feitos, em virtude da pandemia do novo coronavírus. 

Para a codeputada Carol Vergolino, a expectativa é de que o processo seja acatado. “Nós estamos muito confiantes de que ele caminhe, os parlamentares expuseram a Casa e precisamos também defender a instituição. Não se pode utilizar da prerrogativa de ser parlamentar para obstruir e tentar impedir um procedimento autorizado por lei”, afirmou. “Essa criança vem sendo torturada há quatro anos e não ter sido atendido em seu estado, também foi uma tortura. Depois teve que caminhar dois mil quilômetros para se fazer cumprir a lei”, declarou Carol. 

Ao JC, o deputado Joel da Harpa rebateu as acusações apresentadas pelo PSOL, afirmando que o partido está tentando “aparecer em cima deste episódio”. “Não acredito que essa representação vai ter algum resultado, até porque não há base jurídica, o que está sendo apresentado são inverdades. Quem fez o movimento de tumulto na frente do hospital não foram os parlamentares, mas as feministas ligadas ao PSOL”, defendeu o parlamentar.

Ainda segundo Joel, como deputado estadual, após receber a denúncia de que uma criança estaria sendo encaminhada para o Cisam para realizar um aborto, ele foi até a unidade para averiguar a situação. “O Cisam é um órgão público, uma maternidade de referência, mas fui impedido de ter acesso. Houve um momento de aglomeração, mas provocado pelas mulheres feministas”, afirmou.

Nesta quarta-feira (19), Joel da Harpa irá prestar uma queixa no Departamento de Polícia da Criança e do Adolescente (DPCA) contra o diretor do Cisam, o médico Olímpio Barbosa. “O que ocorreu foi um homicídio, esse procedimento foi realizado de forma ilegal. Não tivemos acesso à decisão judicial, não houve validação do Estado de Pernambuco. Se essa decisão tivesse valor jurídico, por que os médicos do Espírito Santo não fizeram o procedimento? Por que a criança teve que vir aqui para fazer? Isso tem que ser averiguado”, declarou o parlamentar, afirmando que deverá ser acompanhado pela deputada estadual Clarissa Tércio.

Eles também devem prestar queixa contra calúnia e difamação por terem sido acusados de chamar a criança de “assassina” na frente da unidade hospitalar. “Isso é uma mentira, e nós estamos passando por constrangimento por causa disso”, afirmou.

Clarissa Tércio foi procurada pela reportagem, mas até a publicação desta matéria, não respondeu às tentativas de contato.

REPERCUSSÃO

Nesta segunda-feira (17), durante realização remota da Comissão de Constituição, Legislação e Justiça da Assembleia Legislativa, nove deputados apresentaram notas de repúdios contra as manifestações ocorridas em frente ao Cisam.

“O que assistimos ontem foi a um total desrespeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e ao Código Penal. Sabendo-se que 53,8% dos estupros em nosso País são de meninas abaixo de 13 anos, vimos a postura de parlamentares desta Casa desonrando as tradições de Pernambuco, com visão estreita e sectária, numa falsa defesa da vida”, afirmou o deputado estadual João Paulo (PCdoB).

A deputada estadual Priscila Krause (DEM), também endossou a crítica sobre a exposição que a criança teve ao ter sido divulgado o local em que o processo de aborto seria realizado.“Cada estupro que essa criança sofreu foi um assassinato cometido a prazo, e a atitude que tiveram foi de assassiná-la um pouco mais. E o que me incomoda ainda mais é usar aquilo que se tem de mais íntimo e nobre, que é a fé, para se justificar uma postura inquisitória”, declarou.

O presidente da Comissão de Justiça, Waldemar Borges (PSB), considerou a ação como exploração eleitoral da tragédia. “Temos que repudiar esse retrocesso civilizatório que golpeia a democracia, o direito e chega ao ponto de querer resolver tudo no fanatismo e na violência”, afirmou. 

Para a coordenadora da Frente Parlamentar da Primeira Infância e 1ª vice-presidente da Alepe, Simone Santana (PSB), ressaltou os riscos que a criança poderia correr ao levar adianta a gravidez.“A sociedade, que deveria cuidar de nossas crianças e de seus direitos, apontou-lhe o dedo e a chamou de assassina. Os protestos poderiam ter acontecido, assim como as discordâncias, mas sem passar para a violência verbal, deixando de se pensar em como ela está do ponto de vista emocional, moral e físico”, ponderou a deputada.

A deputada Teresa Leitão (PT), questionou sobre o papel da Assembleia Legislativa diante do vazamento  sobre a transferência da menina para o Cisam feito por um parlamentar. “Respeito a autonomia de cada mandato, mas a Casa terminou ficando exposta e está sendo cobrada”, declarou. Os deputados Tony Gel (MDB), Antônio Moraes (PP), Isaltino Nascimento (PSB) e Aluísio Lessa (PSB) também endossaram as críticas durante a reunião. 


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