Deputado estadual, deputado federal, prefeito do Recife, governador de Pernambuco, senador da República. Ao longo dos 50 anos de vida pública que completa em 2020, Jarbas de Andrade Vasconcelos (MDB) passou por todos esses cargos enquanto observava a sua trajetória e a do País serem escritas simultaneamente. Enquanto, de um lado, o Brasil mergulhava em uma ditadura militar para, em seguida, retomar a sua caminhada democrática, do outro, o agora senador enfrentava a repressão, rompia com aliados, se unia a antigos adversários e tornava-se um dos políticos que mais venceram disputas eleitorais na história de Pernambuco.
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Natural de Vicência, cidade situada na Zona da Mata do Estado, Jarbas Vasconcelos deu seus primeiros passos políticos no Recife, pouco depois de concluir a graduação em direito na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). No pequeno intervalo entre a formatura (1968) e sua primeira campanha eleitoral (1970), para deputado estadual, o emedebista chegou a atuar como advogado e pensou em seguir na carreira jurídica, mas o endurecimento do regime militar o fez recalcular a rota e filiar-se ao MDB, sigla que ajudou a construir.
Em 1971, Jarbas assume o mandato na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) e, na eleição seguinte, chega à Câmara dos Deputados. “Em 1975 Jarbas era deputado e eu secretário da Fazenda, mas durante todo o tempo em que eu fui governo e ele oposição não há sequer uma palavra dele me ofendendo ou criticando. É impressionante. E olhe que eu era um galinho de briga e ele era duro, ele batia pra valer”, rememora o também ex-governador de Pernambuco e ex-prefeito do Recife, Gustavo Krause (DEM). O democrata foi titular da Secretaria Estadual da Fazenda no governo de Moura Cavalcanti (Arena) e possui laços estreitos com o senador desde os tempos de escola, quando frequentaram juntos as aulas do curso clássico no extinto Colégio Padre Félix, que ficava no bairro da Boa Vista.
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Enquanto construía sua carreira no Legislativo, Jarbas começava a viver suas primeiras crises com o MDB. Ainda no início da década de 1970, defendeu que o partido se engajasse mais na luta pela convocação de uma assembleia nacional constituinte, mas viu o partido se rachar entre “moderados” e “autênticos”, ficando do lado da ala “autêntica” da legenda. Nos anos seguintes apoiou a entrada de comunistas no partido, assumiu a presidência do MDB-PE e contabilizou uma série de outros embates com o grupo “moderado” da sigla. “(Jarbas) É uma pessoa que, apesar de não ser de gestos simpáticos, sempre teve facilidade com os políticos, por sua credibilidade. Não é formulador, teórico, é absolutamente intuitivo para onde as coisas estão caminhando”, aponta o deputado federal e presidente estadual do MDB, Raul Henry.
Os atritos de Jarbas com o partido acabaram ocasionando a sua primeira desfiliação, em 1985, quando ele já estava no PMDB - agremiação que substituiu o MDB com o fim do bipartidarismo. Cumprindo o seu segundo mandato de deputado federal, o hoje senador quis concorrer à Prefeitura do Recife, mas teve sua candidatura rifada em prol da postulação do também deputado federal Sérgio Murilo e de uma coligação com o PFL (antiga Arena). Com a bênção do ex-governador Miguel Arraes, que àquela altura já havia retornado do exílio e era vice-presidente nacional do PMDB, Jarbas filiou-se ao PSB e venceu aquela que seria a primeira eleição direta para prefeitos depois da queda do regime militar.
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No pleito seguinte, já de volta ao PMDB, Jarbas apoiou Arraes na eleição que o reconduziria ao Palácio do Campo das Princesas, mas a lua de mel entre eles não durou muito. Antigos conflitos se agravaram com o passar do tempo, acabaram afastando os dois e na eleição de 1992, quando Arraes tentou emplacar o neto, Eduardo Campos, como vice na chapa de Jarbas e teve a ideia rejeitada, a relação azedou de vez.
“Quando Arraes estava para voltar do exílio, as pessoas que faziam o MDB em Pernambuco, como Jarbas, Marcos Freire e outros, estavam consolidados. Só que Arraes acreditava que as oposições iriam guardar um local de destaque para ele, que ele seria candidato a governador em 1982, o que não ocorreu (o candidato foi Marcos Freire, então senador). Jarbas e Arraes, então, disputaram uma vaga na Câmara dos Deputados e, já naquele momento, nasceu uma disputa entre o ‘jarbismo’ e o ‘arraesismo’ no PMDB. Foi nesse espaço, por exemplo, que surgiram as figuras de Raul Henry e Eduardo Campos, que militavam nas juventudes dessas duas correntes”, observa o jornalista Evaldo Costa, que foi secretário de Imprensa nos governos de Arraes e Eduardo Campos.
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Em 1993, três anos depois de perder a disputa pelo governo do Estado para Joaquim Francisco, Jarbas assumiu mais uma vez o comando do Recife. No mesmo período, firmou aliança com o PFL, grupo que havia combatido durante a maior parte da sua trajetória política, sobretudo na ditadura. “Ele (Jarbas) percebeu que o momento político era outro. A percepção política que ele teve foi de que em um regime político de exceção, há um raciocínio binário, ou você é contra ou a favor. Mas na democracia é diferente, ela se abre para alianças programáticas”, detalha Krause, um dos primeiros pefelistas com quem Jarbas conversou antes da formalização da União por Pernambuco.
Como consequência das tratativas partidárias, o emedebista apoiou Gustavo Krause para o governo de Pernambuco na eleição de 1994 e Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que tinha Marco Maciel como vice, para a presidência da República. Arraes venceu a eleição para governador e Jarbas encabeçou uma oposição ferrenha ao novo governo. Nesta mesma época, ele deixou o PMDB mais uma vez e passou dois anos sem legenda antes de retornar à sigla e disputar a eleição para governador, em 1998.
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Mendonça Filho (DEM) foi vice-governador no governo de Jarbas e conta que, quando eles assumiram, o Estado estava “no fundo do poço, quebrado”. O democrata relembra, então, ações desenvolvidas pela gestão que, na sua percepção, acabaram se tornando os maiores legados dos dois mandatos em que estiveram à frente da administração estadual. “Fizemos muitos investimentos em infraestrutura, na BR-232, na PE-15, no Programa Águas de Pernambuco, na ideia inovadora do Porto Digital, com a criação das escolas em tempo integral, como o Ginásio Pernambucano. Foi um momento transformador revolucionário da história do Estado de Pernambuco, quando ele reencontrou seu caminho. Foi muito duro, difícil”, diz.
Durante a pré-campanha presidencial de 2002, Jarbas chegou a ser convidado para ser candidato a vice na chapa de José Serra (PSDB), mas recusou o convite para tentar a reeleição em Pernambuco ao lado de Mendonça. Naquele ano, seu principal adversário nas urnas foi o agora senador Humberto Costa (PT), mas o petista não conseguiu chegar ao segundo turno. Jarbas permaneceu no governo até março de 2006, quando deixou a gestão para participar da disputa que o tornou senador pela primeira vez.
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De volta ao Parlamento, a postura combativa do senador ficou em evidência mais uma vez pois, apesar de o PMDB integrar a base do então presidente Lula (PT), o pernambucano optou por se posicionar de forma independente no Congresso. Em meio a denúncias de corrupção envolvendo o correligionário e presidente do Senado, Renan Calheiros, Jarbas também foi um dos que defenderam a renúncia ou cassação do alagoano. Por seus posicionamentos contundentes, inclusive em entrevistas à imprensa, o senador chegou a ser destituído pelo partido das comissões das quais fazia parte no Senado.
Nas eleições de 2010, Jarbas decidiu novamente disputar o Governo do Estado e enfrentou Eduardo Campos nas urnas pela segunda vez (a primeira foi em 1992, pela Prefeitura do Recife), mas, com 82,83% dos votos, Eduardo foi reconduzido ao cargo de governador. Dois anos depois, no entanto, os dois começaram a ensaiar uma reaproximação. “A articulação com Eduardo vinha de um desejo recíproco. O de Eduardo Campos, em querer unificar Pernambuco para se lançar candidato a presidente da República, em 2014. E da parte de Jarbas, o desejo de derrotar o PT, que passou a ser o seu principal adversário político e programático”, explica Raul Henry.
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A aliança entre PMDB e PSB ressurgiu na campanha de 2012, nas eleições para prefeito do Recife. Na época, Henry teve seu nome colocado para encabeçar uma chapa, mas não houve avanços em torno da união do bloco de oposição. Por outro lado, diante do cenário fragmentado dentro do PT que minou a candidatura do então prefeito João da Costa, os emedebistas decidiram apoiar o nome indicado pelo governador Eduardo Campos, o do então secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Geraldo Julio (PSB).
Daí por diante, Jarbas e o PMDB passaram a ter um papel de peso dentro das articulações com o PSB e isso se refletiu em gestos importantes nas eleições gerais de 2014. Enquanto Eduardo lançou sua candidatura à presidência da República - cravando seu distanciamento com o PT da presidente Dilma Rousseff -, em Pernambuco ele indicou o secretário estadual da Fazenda, Paulo Câmara (PSB), à sua sucessão. A vaga de vice foi conversada com o PMDB e o nome de Raul foi o escolhido para o posto.
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Para o historiador e cientista político Alex Ribeiro, a atuação de Jarbas ao longo da sua carreira poderia ser vista como de “sobrevivência política”. “No período de redemocratização, Jarbas era aliado de Miguel Arraes. As alianças foram se configurando e reconfigurando nos últimos anos. E ainda é importante analisar que existem vários MDBs. É um partido sem bandeira ideológica definida, considerado de centro e isso facilita na composição de diferentes coligações”, afirmou Ribeiro.
Apesar de se colocar de forma política e programática do lado oposto ao do PT, com Ulysses Guimarães fora do segundo turno em 1989, Jarbas Vasconcelos apoiou Lula (PT) contra o ex-presidente Fernando Collor (Pros). No início dos anos 2000, o jogo virou e os petistas tornaram-se um dos principais alvos do senador. Já em 2018, Jarbas foi eleito junto com o companheiro de chapa Humberto Costa para o Senado Federal. Ele, inclusive, declarou voto para o candidato a presidente da República pelo PT, Fernando Hadadd.
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"Apesar das minhas críticas ao PT nos últimos anos, jamais apoiaria Bolsonaro. Não há condições. São caminhos e pensamentos opostos. Ações contraditórias entre mim e ele.”, comentou o emedebista, na época.
Às vésperas da campanha de 2018, cumprindo seu terceiro mandato na Câmara dos Deputados, o senador ainda vivenciou novos desarranjos dentro do partido, que a essa altura havia voltado a se chamar MDB. Tudo começou quando, em 2017, o também senador Fernando Bezerra Coelho deixou o ninho socialista para ingressar nas hostes emedebistas. Sua chegada, porém, foi marcada por uma disputa contra Jarbas pelo comando do diretório do partido em Pernambuco. Os desencontros só foram superados em julho de 2019, quando Fernando Bezerra Coelho, ingressou oficialmente no diretório do MDB, no momento em que Raul Henry foi reconduzido a presidência do partido.
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A respeito dos 50 anos de trajetória política de Jarbas, o cientista político Alex Ribeiro ressalta que atualmente o senador é considerado uma espécie de “guru” para seus aliados. “Ele se tornou uma figura política histórica diante de sua atuação na oposição da ditadura militar, no apoio às Diretas Já, nos programas de cunho popular no Estado. Sua base eleitoral ainda é muito significativa por ter um capital político respeitado. A opinião de Jarbas e suas movimentações ainda são cruciais para o cenário político no Estado”, comenta Ribeiro.
Ao falar sobre o aliado, o governador Paulo Câmara, ressalta a militância política de Jarbas nos mais diversos papéis desempenhados por ele ao longo dos anos. "Poucos são os políticos que podem, de fato, se orgulhar de possuir uma trajetória de vida marcada por tantas conquistas e tantos serviços prestados ao seu povo e ao seu Estado. Jarbas Vasconcelos é um desses privilegiados”, afirma o socialista ao JC.
O prefeito do Recife, Geraldo Julio, endossa o discurso de que Jarbas Vasconcelos é uma das vozes mais respeitadas da política não só em Pernambuco, mas de todo o País. “E isso é resultado de uma vida pública construída em torno do trabalho duro para o desenvolvimento de Pernambuco, com resultados concretos, e da defesa irredutível da democracia e dos valores democráticos. São 50 anos dedicados aos pernambucanos”, afirma.
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