Redução do número de parlamentares, voto distrital ou por lista, extinção de alguns partidos, fim da reeleição: não faltam propostas para mudar o sistema político brasileiro. A discussão sobre a necessidade de uma reforma política no Brasil não vem de hoje. Ano após ano, desde 1985, quando os militares formalmente deixaram o poder, mudanças nos sistemas eleitoral e partidário brasileiros estão em pauta sem, contudo, chegar perto de resolver os defeitos de representatividade dos quais a sociedade tanto reclama.
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“A última grande discussão nacional que tratava do sistema político foi a questão da reeleição, que, diga-se de passagem, teve muitas controvérsias quanto à sua lisura”, afirma a cientista política e professora da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho) Priscila Lapa, se referindo à emenda que tornou constitucional a reeleição, em 1997, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que, nesta semana, fez uma mea-culpa sobre sua participação na aprovação da medida.
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Nos últimos 15 anos, a tão almejada reforma política já fracassou pelo menos cinco vezes. Foi assim em 2007, 2009, 2011, 2013 e 2015, quando os principais temas terminaram engavetados após a criação de comissões e as promessas feitas a cada momento em que a crise com o eleitorado ficava mais aguda. No entanto, nada avançava. Só na atual legislatura, que começou em 2019, 52 proposições foram feitas para fazer alterações na maneira como os brasileiros escolhem seus representantes no Legislativo e no Executivo, segundo levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), mas deslancharam.
Estamos em plena temporada de reformas em busca de desatarmos os nós que engessam o Brasil. Porém, a reforma política, considerada por alguns “a mãe de todas as reformas”, foi deixada de lado. Sem dúvidas, as mudanças trabalhista, previdenciária, administrativa e tributária roubaram a cena. As duas primeiras já foram aprovadas. As últimas, atualmente, estão no foco do debate público. A reforma política, não.
No domingo (6), em artigo publicado no JC, o empresário João Carlos Paes Mendonça, presidente do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação, afirmou que uma reforma política brasileira seria "o marco regulatório que balizaria as demais reformas" e apoiou, por exemplo, o fim da reeleição para ocupantes de cargos do Executivo.
Com as propostas de mudanças no sistema político travadas, o País pode ser prejudicado, porque elas podem ser essenciais para dar legitimidade e sustentação às outras reformas estruturantes do Brasil. É o que defende a cientista política Priscila Lapa. “A reforma política é considerada balizadora das demais porque, a depender da sua qualidade e extensão, pode contribuir e muito para corrigir mazelas e distorções do funcionamento do nosso País”, pontua. “Ela pode, por exemplo, ajudar a equilibrar a relação entre os poderes, redistribuir funções e aumentar a representatividade”, completa.
Para o cientista político e professor da Faculdade Damas Elton Gomes, falta vontade política por parte dos parlamentares para fazer avançar uma reforma que altera as regras do jogo para eles mesmos e ameaça sua permanência no poder. “Quem delibera sobre o assunto são os principais interessados e atores do processo. Por isso, sempre houve uma grande intenção retórica a favor das mudanças e gestos reais em direção oposta”, pontua.
Na avaliação dele, é preciso criar uma alternativa que faça as mudanças terem validade apenas para as próximas legislaturas. “A única forma de promover intensas e dinâmicas transformações no sistema político seria ter uma espécie de acordo entre as lideranças políticas, incluindo governadores, prefeitos e o presidente da República, com as normas passando a vigorar daqui a duas ou três legislaturas, pois os políticos atuais não devem abrir mão de mecanismos que lhes beneficiam”, argumenta o especialista.
O professor defende ainda que a sociedade faça pressão sobre os temas. “Depende uma articulação interna da Câmara e de um diálogo muito forte com setores extra-parlamento. A gente tem a impressão que os políticos mudam tudo a modo próprio. Se eles não tiverem incentivos, da sociedade, por exemplo, isso dificilmente acontecerá”, explica.
Polarização preocupa
Na mesma linha, Priscila Lapa acredita que, se a população não abraçar a pauta, a reforma tende a ser fatiada, mais uma vez. “Se ela não for encarada como uma agenda da sociedade, sempre será feita por pedaços. Acontece que, dessa forma, se perde a visão do todo”, declara, ressaltando temer o ambiente de polarização vivido no Brasil. “Envolver a sociedade é fundamental, mas temo não termos clima político para fazer a reforma andar. Nos falta consenso nas coisas mínimas. O tom sobre muito rápido em um ambiente extremamente polarizado, como o que vivemos”, diz.
“Acho que precisamos de um amadurecimento dos cidadãos para que possamos ter um debate equilibrado sobre uma reforma política que não caia no jogo do bem contra o mal”, defende o professor Elton Gomes. “Num clima de desconfiança e ataques entre os Poderes, como termos certeza do equilíbrio?”, pergunta.
A preocupação é a mesma do deputado federal Tadeu Alencar (PSB). Ex-vice-presidente da comissão especial que tratou da reforma política na Câmara dos Deputados em 2015, o socialista afirma não saber se, diante do quadro político atual, este é o melhor momento para colocar o tema em pauta, apesar da sua importância.
“A grande questão é que perdemos grandes oportunidades de fazer uma reforma mais profunda. Fazemos sempre mudanças eleitorais, que nem sempre vão na raiz do problema. Agora, com toda esta polarização que vivemos, não sei temos condições de colocar o tema na agenda do País neste momento”, diz o parlamentar, pontuando que durante a pandemia temos visto a polarização ficar mais aflorada. "Há, de um lado, quem defenda ferrenhamente as ações do presidente durante a crise da covid-19 e, do outro, que sistematicamente critique Bolsonaro."
Para o deputado federal Eduardo da Fonte (PP), diante deste cenário, a reforma política não deve ser feita apenas pelo Congresso Nacional. “A reforma precisa ser feita a quatro mãos, Parlamento e Judiciário. Assim, tiramos eventuais questionamentos sobre seu teor”, argumenta o político, relembrando o episódio em o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou, em 2006, a lei 9.096, de 1995, que instituiu a cláusula de barreira em 2006.
Ele, porém, argumenta que é necessário trazer o tema para discussão o mais rápido possível. “Eu não diria que a reforma política é mais importante, que é a balizadora, mas ela é essencial para, ao lado das outras, fazer o Brasil andar para frente. Por isso, precisamos discutir isso, não com pressa, mas com a urgência que o tema demanda. A pandemia travou a agenda política, mas não devemos nos preocupar apenas com a recuperação econômica”, defende Eduardo da Fonte.
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