Desde que os partidos que deram sustentação à campanha do ex-senador Armando Monteiro (PTB) em 2018 começaram a dar os primeiros sinais de que não sairiam unidos no Recife durante as eleições deste ano, alguns candidatos do grupo disputam ferozmente o posto de representante do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) na cidade. Ao todo, as siglas que participaram da coligação Pernambuco vai Mudar há dois anos lançaram cinco candidaturas na capital. Destas, três estão alinhadas com o bolsonarismo: a do ex-governador Mendonça Filho (DEM) e as dos deputados estaduais Alberto Feitosa (PSC) e Marco Aurélio (PRTB).
O quadro tem causado atritos públicos que podem vir a impossibilitar a construção de alianças dentro do próprio bloco em um cenário de segundo turno. Nesta quarta-feira (23), por exemplo, o deputado Marco Aurélio - que já havia chamado Mendonça de “elitista” e “desagregador” em outras ocasiões - usou as suas redes sociais para dizer que o ex-ministro da Educação estaria “pegando carona” na pauta da “indústria da multa”, já que, em 2017, quando ainda era vereador do Recife, ele apresentou um Projeto de Lei que determinava o desligamento das lombadas eletrônicas nos horários de pico. Na terça (22), o democrata falou sobre o tema após encontrar-se com um grupo de motoristas de aplicativos no bairro do Passarinho.
No mesmo vídeo, Marco Aurélio diz que Mendonça não pode ser o candidato de Bolsonaro porque, quando ministro no governo do presidente Michel Temer (MDB), foi o responsável pela aprovação da “ideologia de gênero” nas escolas e por ser "o cara que aprovou que menino pode chegar em casa e pedir pro papai para ser chamado de Maria".
Apesar de amplamente explorado no campo político e por grupos conservadores, o termo "ideologia de gênero" não é reconhecido no universo acadêmico. Sobre o uso do nome social nos registros escolares da educação básica, de fato a resolução que o autoriza foi homologada quando Mendonça estava à frente do MEC, mas é preciso salientar que ela foi aprovada de forma unânime pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Além disso, quando o governo federal se posicionou sobre o caso, 24 das 27 unidades da federação já possuíam algum tipo de norma com relação ao uso do nome social nas escolas.
Segundo a assessoria de imprensa do ex-governador, ele não vai comentar as falas do deputado Marco Aurélio. Em entrevista após a convenção do DEM que confirmou seu nome no pleito, Mendonça foi sucinto ao comentar as críticas que tem recebido de membros do próprio grupo de oposição. “Eu não me preocupo com outros candidatos. Agora uma coisa é certa, com esse grande número de candidaturas, é muito provável que tenhamos segundo turno. Mas procure uma vaga para outro candidato, pois uma delas já está garantida e é de Mendonça e Priscila (Krause, vice na sua chapa). Nós vamos elevar e qualificar o debate”, afirmou.
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Na última semana, foi da equipe de Alberto Feitosa que surgiram acusações contra Mendonça. Em nota encaminhada à imprensa, Gilmar Arruda, estrategista eleitoral do parlamentar, afirmou que a campanha democrata estaria plagiando o plano de governo do deputado estadual. A coordenação do programa de governo de Mendonça, por sua vez, afirmou que o documento ainda está sendo elaborado e que a equipe de Feitosa “não sabe diferenciar” eixos temáticos de programa de governo.
Com uma estratégia diferente da dos demais candidatos bolsonaristas, Mendonça tem procurado demonstrar seu alinhamento com Bolsonaro de outra forma, se aproximando dos seus auxiliares diretos. Desde a pré-campanha, o ex-governador encontrou-se com nove ministros para, segundo ele, apresentar projetos que pretende desenvolver na capital pernambucana em parceria com o governo federal caso seja eleito.
“A posição do presidente Bolsonaro é de que ele só se envolverá diretamente no processo eleitoral municipal do Brasil a partir do segundo turno. O que eu posso dizer é que qualquer prefeito do Recife e qualquer governador do Estado de Pernambuco precisa fundamentalmente ter um canal de comunicação direta com o governo federal e é isso que eu estou buscando”, declarou Mendonça Filho, ontem, durante debate na TV Nova.
Análise
Na avaliação do cientista político Ernani Carvalho, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o modo como os candidatos mais ligados ao conservadorismo têm se comportado no Recife tem tudo a ver com a “genética” desse grupo, que no Brasil não possui uma origem orgânica. “Se observarmos as forças políticas que circundam o bolsonarismo, não encontraremos uma coluna vertebral, não há um comando estruturado, organizado. Esses grupos autointitulados de direita que explodiram no País não têm a organicidade de grupos de direita da Europa e dos Estados Unidos, então essa movimentação no Recife é um sintoma disso”, apontou.
A cientista política Priscila Lapa, da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Facho), lembrou que, durante a campanha, essa troca de farpas dentro do mesmo campo político também deve ser verificada na esquerda, com troca de acusações entre João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT). A docente ressaltou, no entanto, que dentro da direita essa rachadura pode vir a beneficiar “o outro lado”. “Com os candidatos de direita se digladiando no primeiro turno, eles podem até conseguir levar a eleição para o segundo turno, mas talvez esse segundo turno tenha duas candidaturas da esquerda. Isso porque quanto mais a direita estiver fragmentada, dividida, e o eleitor tiver dificuldade de encontrar segurança em um discurso de alternativa, ele pode querer votar na continuidade de um projeto político que, com todos os desgastes, é mais conhecido dele, não vai parecer uma aventura”, explicou Priscila.
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