Priorizar a primeira infância, que compreende a faixa etária de zero e seis anos, vai muito além das promessas de construção de creches para superar o déficit de vagas existentes nos municípios brasileiros. Esse tipo de anúncio, inclusive, tem permeado as propostas dos candidatos a prefeito do Recife, ainda que o tema específico da primeira infância em alguns programas de governo não estejam bem definidos e pontuados. Neste dia 12 de outubro, data em que se comemora o Dia das Crianças, o JC conversou com especialistas para entender as reais demandas dessa área.
“Esse déficit, se podemos reforçar, é uma concepção histórica de pensar que o bebê fica em casa dormindo ou que brincar é só um passatempo, ele não é concebido como sujeito de direito. A priorização e o olhar para essa faixa etária, vem sendo uma conquista recente. Muito ainda precisa ser feito e não é só construir creches”, afirma a Neuropsicóloga e Coordenadora do Núcleo de Investigação em Neuropsicologia, Afetividade, Aprendizagem e Primeira Infância (NINAPI), vinculado à UFRPE, Pompéia Villachan-Lyra.
A viabilidade de um projeto educativo que contemple uma grade curricular específica para a primeira infância e que, por consequência, estimule a promoção da capacitação profissional qualificada para essa área, é uma demanda que se faz tão urgente quanto a criação de novas unidades. “É fundamental pensar em ações que contemplem o espaço físico, estrutural e a qualificação para atender essa criança. Não é qualquer espaço que pode ser uma creche, tem que ter o quantitativo certo por adulto, a garantia de qualidade das atividades e a valorização do currículo das interações e brincadeiras. Além garantir o direito dessa criança de ter acesso a essa creche”, pontua a professora da UFRPE e menbro do Grupo de Pesquisa em Educação, Linguagens e Prática Pedagógica (GELPP), Jaqueline Carvalho.
Na última terça-feira (6), a Rede Primeira Infância de Pernambuco (REPI) encaminhou aos candidatos a prefeito de todo o Estado, um Termo de Compromisso com a Primeira Infância. A expectativa é que as assinaturas dos postulantes, que se comprometam com as colocações citadas no documento, sejam feitas nesta semana em que é celebrado o Dia das Crianças (12 de outubro).
“Entramos em contato com vários candidatos e falamos sobre a importância de colocarem a primeira infância em suas agendas. Interessante é que o argumento econômico é bem recorrente. E sempre esperamos uma fala com o argumento do Direito”, relata Cida Freire, do Conselho Gestor da REPI.
É comprovado cientificamente que investir na primeira infância produz resultados, superiores a outros investimentos, inclusive ao da educação, sendo uma estratégia eficaz para promover o desenvolvimento das famílias, de uma comunidade e de um país. “Os desafios estão na materialização dos direitos preconizados em nossa legislação. Por exemplo, em Pernambuco, nós temos 185 municípios e 18 deles contam com um Plano Municipal da Primeira Infância. Não temos nenhum município da Região Metropolitana que tenha esse plano, apenas Recife que está concluindo o seu”, explica Cida.
O Plano Municipal pela Primeira Infância, foi elaborado e implementado segundo as diretrizes do Marco Legal da Primeira Infância (Lei Federal nº 13.257/206). No Recife, o Marco foi instituído dois anos depois da legislação federal, através da Lei Nº 18.491/2018.
Entre as colocações do Termo de Compromisso da REPI, está “a ampliação da rede de estabelecimentos de educação infantil para atender ao direito à creche às crianças que precisam ou cuja família deseje e o atendimento obrigatório de 100% das crianças de 4 e 5 anos de idade na pré-escola”. Outro ponto, fala da “melhoria da qualidade de educação infantil e dos anos inicias do ensino fundamental, assegurando que as instituições de educação tenham profissionais qualificados com formação continuada, que as práticas pedagógicas sejam centradas nas interações e no brincar”.
No Plano Municipal de Educação do Recife, construído pelo governo e sociedade civil em 2015, existem 20 metas e mais de 200 estratégias definidas. “No Plano, a meta do atendimento em creche é chegar a 70%. Hoje, em 2020, cinco anos depois da construção da Plano, a cidade atende apenas 35% das crianças de zero a três anos. Um grande desafio que, a depender da Região Política Administrativa, esse percentual é maior”, relata Cida Freire.
Educação é a terceira maior preocupação dos recifenses
Na pesquisa Ibope/JC/TV Globo, divulgada no dia 2 de outubro, a Educação vem em terceiro lugar (30%), atrás apenas de Segurança (40%) e Saúde (52), como uma das áreas que mais preocupam o recifense. Entre os primeiros colocados da pesquisa, as promessas convergem em alguns pontos, como a ampliação do acesso às creches.
Candidato pela Frente Popular, o deputado federal João Campos (PSB) anuncia nesta segunda-feira (12), a primeira de uma série de propostas voltada para a primeira infância. Entre elas, o projeto Praças da Infância, que segundo o socialista, se trata de espaços para para atividades específicas com crianças, priorizando a faixa etária que compreende a primeira infância, tendo atenção especial para aquelas com deficiência ou limitação motora cognitiva.
“Vamos estimular o desenvolvimento infantil, com foco especial no período da primeira infância através da oferta de oportunidades de lazer em espaços públicos”, afirmou João Campos. Os parques ou refúgios urbanos, vão ter pisos e equipamentos adequados para atividades lúdicas, exercícios funcionais e terapias integradas, com acompanhamento de profissionais e participação de alunos, estagiários ou monitores.
O candidato a prefeito pelo DEM, ex-ministro da Educação Mendonça Filho, também pontua o acesso às vagas para as famílias em condição de maior vulnerabilidade social. Em seu programa de governo, consta a criação de projetos de incentivo para empresas que criarem creches e escolas para os filhos de estudantes e trabalhadoras. O democrata, inclusive, assinará uma Carta Compromisso com a Primeira Infância, nesta segunda-feira, às 10h. A iniciativa será realizada no bairro de Nova Descoberta.
“Primeiro de tudo é acesso a creches, pois atualmente o Recife tem uma cobertura de acesso a creches menor do que Petrolina. E a gente tem que ampliar isso, é o nosso compromisso. E a gente quer colocar 10 mil novas crianças em creches na educação infantil da cidade. É um compromisso ousado, mas factível. Vamos fazer um projeto muito forte nesse sentido”, explicou Mendonça.
A candidata pelo PT, Marília Arraes, tem entre as suas principais propostas a intenção de zerar a fila de creches, através da criação do Programa Florescer, para atender toda a demanda de crianças entre um e quatro anos de idade do Recife, com prioridade para famílias em situação de vulnerabilidade. Outra proposta é garantir o quadro de funcionários nessas creches, a exemplo dos Auxiliares de Desenvolvimento Infantil - ADI’s e o Agente de Apoio ao Desenvolvimento Escolar Especial (AADEE).
Marília Arraes tem afirmado que o déficit de vagas nas creches do Recife afeta diretamente na vida das famílias, sobretudo a das mulheres e das crianças, que crescem, segundo ela, sem um desenvolvimento pedagógico. “A gente pretende com a criação de creches comunitárias, parceria com a prefeitura, a gente consegue a curto e médio prazo zerar a fila de creches para ter um projeto nos próximos 30 anos na cidade para que a gente tenha creche de qualidade e que possam atender à toda a população para que as crianças tenham um suporte, para que as mães possam trabalhar”, disse.
A Delegada Patrícia Domingos (Podemos) também promete um incremento no número de creches disponibilizadas atualmente na capital pernambucana. "São 94 bairros no Recife, com 32 deles sem creche. Nosso projeto é que tenha creche em todos os bairros e que possam atender toda a demanda das mães que precisam desse serviço. Uma cidade que não tem creche em todos os bairros é uma cidade que não respeita a mulher. A ausência de vagas em creches faz com que as mulheres não possam trabalhar ou estudar, porque não têm com quem deixar os filhos em segurança”, declarou a candidata a prefeita.
O que esperar dos candidatos?
Para a a Neuropsicóloga e Coordenadora do Núcleo de Investigação em Neuropsicologia, Afetividade, Aprendizagem e Primeira Infância (NINAPI), vinculado à UFRPE, Pompéia Villachan-Lyra, a priorização da primeira infância tem que ser feita através de políticas públicas efetivas. Os investimentos nessa fase da vida, trazem benefícios a médio e longo prazo na sociedade.
"Acho que é necessário ter propostas que envolvam não só a oferta de vagas nas creches, mas a garantia de direitos em todas as dimensões com espaços de qualidade para que as crianças possam exercer sua liberdade de construção, autonomia do brincar e ter proteção as famílias", declara Pompéia.
A professora da UFRPE e membro do Grupo de Pesquisa em Educação, Linguagens e Prática Pedagógica (GELPP), Jaqueline Carvalho, destaca que é preciso sobretudo as propostas devem compreender como é ser criança hoje e não como vai ser alguém no futuro. "O direito tem que ser garantido com suas especificidades. Essa criança tem cuidados e uma educação específica para a idade dela, e assim poder se tornar um adulto forte e que encare desafios. Cuidar, brincar e educar são direitos das crianças. A creche não é a preparação para a escola, mas um espaço institucional com especificidades para a construção da criança naquela idade", afirma Jaqueline.
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