Pouco mais de um ano após a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil, os efeitos da pandemia têm atingido a população feminina brasileira de maneira devastadora. Desemprego, fim do auxílio emergencial, escolas e creches fechadas, acúmulo de funções domésticas, violência, tudo isso contribuiu para que mulheres das mais variadas idades e classes sociais fossem impactadas de forma pungente pelos desdobramentos do avanço do coronavírus no País. Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, detentoras de cargos no Executivo e no Legislativo relatam que também têm precisado transpor dificuldades durante a pandemia para manter suas vidas pessoais e mandatos nos trilhos, e ainda ir em busca de soluções para as questões que têm prejudicado suas eleitoras neste período.
Primeira mulher a ocupar o cargo de vice-governadora em Pernambuco, Luciana Santos (PCdoB) conta que viu o seu volume de trabalho crescer sobremaneira desde que os primeiros casos de covid-19 surgiram em Pernambuco, fato que acabou contribuindo para que ela contraísse a doença. "Eu sempre participei da tomada de decisões, tanto que quando Paulo (Câmara, governador) pegou a covid-19, eu também peguei, pois estávamos engajados na nossa tarefa de abrir mais leitos, de garantir o distanciamento social para evitar o contágio", revelou. Luciana e Paulo foram diagnosticados com a doença em maio de 2020.
A vice-governadora também mencionou que, no momento em que precisou ficar isolada, encontrou no marido, na filha e no enteado o apoio que necessitava para cumprir as tarefas da casa e do trabalho sem se sobrecarregar. Esta, porém, não é a realidade da maioria das mulheres brasileiras. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019 as mulheres pernambucanas gastaram mais do que o dobro de horas por semana com tarefas domésticas ou cuidando de pessoas do que os homens: 22,3 horas delas contra 10,8 horas deles.
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Eleita vereadora do Recife em 2020, durante a pandemia, Cida Pedrosa (PCdoB) conta que, mesmo não morando sozinha, atravessou toda a campanha eleitoral se dividindo entre os afazeres políticos e as tarefas domésticas. "Enfrentar uma campanha em plena pandemia foi dificílimo, primeiro porque eu sou do grupo de risco - hipertensa e tive câncer de tireóide -, segundo porque muitas vezes eu saí de casa às 8h da manhã e só cheguei às 22h, sendo que entre uma agenda e outra eu ainda tinha que lavar a louça, varrer a casa, lembrar de comprar água. Eu moro com o meu companheiro e com os meus dois filhos e, por mais que eles colaborem, a divisão não é real. Eu tenho colaboradores, mas quero um dia chegar a ter tudo dividido", detalhou a parlamentar.
Vice-prefeita do Recife, Isabella de Roldão (PDT) relata o quanto é puxado dar conta de todas as suas atribuições em meio à pandemia e diz ser urgente para a sociedade compreender que os serviços do lar não são exclusividades femininas. "O serviço público demanda muito tempo da gente. Eu tenho uma bebê de dois anos e sete meses que só vejo de manhã, pois quando eu chego em casa à noite ela já está dormindo. As demandas domésticas agora na pandemia aumentaram muito, principalmente para as mulheres, sobretudo na questão da economia do serviço, que não é monetizada, valorizada. E nós precisamos internalizar que esse trabalho não é exclusivamente feminino. Esse terceiro, quarto e quinto turnos que nós, mulheres, desempenhamos dentro das nossas casas não fazem parte do nosso 'ser mulher'", observou a pedetista.
Segundo a deputada estadual Gleide Ângelo (PSB), a escalada de casos de covid-19 em Pernambuco também tem atrapalhado a sua atuação parlamentar, pois a impede de aproximar-se da sua base, e, consequentemente, de divulgar as ações que vem desenvolvendo. "Eu sempre andei muito, desde a época da polícia. Eu trabalho na Alepe e percorro muito o Estado. Nesse último ano, por estarmos trabalhando remotamente, eu tive muito tempo para produzir, para pensar em vários projetos, mas ao mesmo tempo não tinha como mostrar para as pessoas que eles existem. E muitas mulheres não vão atrás dos seus direitos porque não o conhecem", lamentou.
Representação
Segundo o IBGE, Pernambuco tem a quinta pior representação feminina em câmaras de vereadores do Brasil. Na Câmara Federal, das 25 vagas a que o Estado tem direito, apenas uma é ocupada por uma mulher, a deputada Marília Arraes (PT). Apesar disso, Gleide diz que há, sim, razões para se comemorar o Dia da Mulher no contexto da política local.
"Cada avanço que a gente dá é uma comemoração. Querem nos tirar cada uma das nossas conquistas, mas eu não digo que não temos nada para comemorar. Veja um exemplo, na legislatura passada as mulheres ocupavam seis cadeiras na Alepe, hoje temos 11, com a entrada de Laura Gomes (PSB). É pouco? É, mas é um avanço. Nós ainda temos muito poucas mulheres na política, mas cada progresso é motivo de comemoração", observou a socialista.
Entre aqueles que vivem ou estudam a política, é praticamente consenso que, para aumentar a presença de mulheres neste espaço, é necessário que elas tenham educação e autonomia financeira. De acordo com Luciana Santos, o Executivo estadual tem se debruçado sobre diversos projetos pensados para auxiliar mulheres a atravessar a pandemia de maneira menos traumática.
"Desde o primeiro ano de mandato eu coordeno um grupo de trabalho que trata da geração de emprego e renda para as mulheres, pois eu considero que a autonomia financeira é uma condição necessária para que as mulheres possam seguir os seus sonhos. De lá para cá, várias políticas voltadas para elas foram criadas. Quando o governo anunciou o arranjo produtivo local, por exemplo, a gente procurou dar um corte específico de financiamento para as cadeias produtivas e cooperativas que tinham um percentual mínimo de participação feminina", detalhou a vice-governadora.
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