Líder do bloco da Minoria na Câmara dos Deputados, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ) apresentou, nesta segunda-feira (10), uma representação no Tribunal de Contas da União (TCU) para que o chamado “tratoraço” do governo federal seja investigado. O suposto esquema teria movimentado R$ 3 bilhões em emendas parlamentares, envolvendo a compra de equipamentos agrícolas com valores superfaturados, conforme publicação do jornal ‘O Estado de S. Paulo’, com intuito de aproximar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) do Congresso Nacional.
Alguns parlamentares têm se posicionado com cautela, mas defendem que o tema seja investigado. O deputado federal Daniel Coelho (Cidadania), afirmou que, pela regra orçamentária, as emendas parlamentares obrigatoriamente têm que estar explícitas na LDO. “Caso contrário, não são emendas parlamentares, podem ser qualquer outra coisa, menos emenda de parlamentar, já que essas ao serem feitas levam assinaturas e carimbos”, declarou Coelho.
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Segundo o jornal, a liberação sigilosa de R$ 3 bilhões para serviços de obras e compras de tratores e máquinas agrícolas, seriam indicados por um grupo de parlamentares (deputados e senadores) aliados ao governo Bolsonaro. As autorizações dos repasses eram feitas pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, e alguns valores foram destinados à aquisição de máquinas pesadas por preços até 259% acima dos valores de tabela de referência do governo, válida para 2021.
Sobre valores superfaturados, o deputado federal Daniel Coelho, afirma que é preciso investigar. “Superfaturamento é crime, não tem nada a ver com emenda parlamentar. Acho que o nome ‘emenda’ está sendo usado de forma errada. Quem fez licitação com superfaturamento é criminoso e deve ser preso”, declarou o parlamentar.
O deputado federal Augusto Coutinho (Solidariedade) também afirmou que é preciso que o tema seja investigado, mas que desconhece esse “orçamento sigiloso”. “Li que teria sido indicada para a compra de máquinas agrícolas, mas não tenho conhecimento sobre isso. É normal, natural e legítimo, que os parlamentares estejam buscando ações, mas desconheço esse caso”, afirmou. Dois dos parlamentares que constam como beneficiários destas emendas, são do Solidariedade. O deputado federal Ottaci Nascimento, de Roraima, e Bosco Saraiva, do Amazonas.
Eles direcionaram R$ 4 milhões para Padre Bernardo (GO). Se a tabela do governo fosse considerada, a compra sairia por R$ 2,8 milhões. À reportagem do Estado de S.Paulo, Saraiva afirmou que atendeu a um pedido de Nascimento, seu colega de partido. Por sua vez, Nascimento afirmou ter aceito um pedido do líder da legenda na Câmara, Lucas Vergílio (GO).
“Ainda não conversamos. Precisamos nos informar (o partido) sobre o que houve e, com certeza, termos que dar uma posição. É preciso investigar quem fez as compras, qual órgão foi responsável. É natural que o parlamentar faça indicação com as emendas, nós temos indicação de compra de trator, mas são de emendas de bancada. Essa é a função de um parlamentar, atender as demandas que possuem no interior, mas quanto a esse assunto, não tenho conhecimento”, disse Augusto Coutinho.
O senador Humberto Costa (PT) comentou que já está havendo uma mobilização na Câmara e pontua que é necessário analisar todos os casos para saber se trata-se de algo ilegal ou se foi um “toma lá, da cá”. “Existem as emendas obrigatórias e por vezes, o governo define liberar outras emendas imperativas, é preciso saber se foi em troca de algo, quem recebeu. Existem uma série de critérios que precisam ser investigados”, pontuou Costa.
Por meio de nota, o senador Jarbas Vasconcelos (MDB) também se posicionou de forma crítica ao episódio. "Se isso é para negociar apoios, é a repetição de uma velha prática pouco republicana, vícios que também ocorreram em outros governos e que devem ser combatidos", disse o emedebista.
Para o deputado federal Tadeu Alencar (PSB) “quaisquer manobras que visem tornar o orçamento público menos transparente devem ser objeto de apuração”. “Essa é mais uma denúncia grave que o governo Bolsonaro tem de responder, já que a questão remete à velha troca de apoio político por favores oficiais”.
Ainda segundo Tadeu, o problema não seriam as emendas, mas “o uso delas e o eventual superfaturamento, que é um ilícito autônomo. “Por outro lado é importante salientar que a execução das emendas - como o mesmo valor - para todos os parlamentares faz parte da ação parlamentar em favor das regiões representadas, sendo normal e até desejável mas, a toda evidência, não é disso que a denúncia está a tratar.
OFÍCIOS
Segundo a reportagem do ‘Estado de S. Paulo’, neste domingo (9), por meio de ofícios encaminhados principalmente ao Ministério do Desenvolvimento Regional, os parlamentares indicavam à pasta onde gostariam de alocar valores, em montantes muito superiores aos R$ 8 milhões que têm direito anualmente em emendas parlamentares.
O ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), teria direito a R$ 277 milhões, 34 vezes o seu valor anual, segundo o Estadão. Também são citados os nomes dos deputados Vicentinho Junior (PL-TO), Ottaci Nascimento (SD-RR), Bosco Saraiva (SD-AM), Lucio Mosquini (MDB-RO) e da ex-deputada Flávia Arruda (PL-TO), hoje ministra-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República, responsável justamente pela articulação com o Congresso.
Confira na íntegra o posicionamento do Ministério de Desenvolvimento Econômico:
"O Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) repudia as acusações feitas pelo jornal O Estado de S. Paulo em reportagem que acusa o governo de ter criado um orçamento secreto. A lei orçamentária é a principal peça legislativa discutida pelo Congresso Nacional, com ampla divulgação para a sociedade, inclusive por parte desse jornal. A execução do Orçamento é divulgada com transparência no site do MDR, com atualizações diárias, no link https://paineis.mdr.gov.br.
É do Parlamento a prerrogativa de indicar recursos da chamada emenda de relator-geral (RP9) do Orçamento. O RP 9 foi criado por iniciativa do Congresso Nacional em 2019, e não pelo Executivo, como erroneamente tenta afirmar a manchete do jornal. A reportagem teve acesso, por exemplo, aos ofícios de parlamentares da oposição que tiveram indicações contempladas dentro do RP9, mas preferiu omiti-los, divulgando apenas os da base aliada e deste ministério.
Atualmente, por exemplo, o MDR possui uma dotação de R$ 6 bilhões para 2021 com base em emendas de relator (RP9) e apenas R$ 3,8 bilhões em recursos discricionários (RP2). O esforço para recompor o corte de 44% das despesas discricionárias do MDR e evitar a paralisia de obras de habitação, saneamento e segurança hídrica vêm sendo amplamente noticiado pela editoria de Economia do próprio Estado de S. Paulo, demonstrando e reconhecendo que os recursos do RP9 não podem ser realocados seguindo critério deste Ministério.
A reportagem não reproduz a nota do MDR que explica detalhes de como se dá a descentralização de recursos para aquisições de equipamentos por municípios. A acusação se baseia em um preço de referência que NÃO EXISTE no Governo Federal. A reportagem utiliza uma cartilha meramente ilustrativa, com preços de 2019, que não refletem variações do momento econômico pós-pandemia e as especificidades das regiões brasileiras.
As compras por entes conveniados citadas na reportagem são realizadas com base em normas previstas. É o município quem faz a pesquisa de preços e realiza a licitação do equipamento. Vale ressaltar que todas as transferências estão em fase de prestação de contas em aberto. Qualquer irregularidade porventura detectada será encaminhada para órgãos de defesa do Estado."
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