SUSPEITAS

Empresa que vendeu instrumentos musicais para escolas do Recife é investigada pela PF por irregularidades

Companhia pode ter envolvimento em um esquema que desviou R$ 134,2 milhões de dinheiro público da saúde e da educação na Paraíba

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Marcelo Aprígio, Renata Monteiro

Publicado em 14/07/2021 às 13:24 | Atualizado em 14/07/2021 às 20:26
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Atualizada às 19h55 com a resposta da Brink Mobil

A Prefeitura do Recife contratou uma empresa para fornecer instrumentos musicais a escolas municipais que, segundo a Polícia Federal (PF), é investigada por envolvimento em um esquema que desviou R$ 134,2 milhões de dinheiro público da saúde e da educação na Paraíba. O negócio entre a prefeitura e a Brink Mobil Equipamentos Educacionais veio à tona após uma denúncia da deputada estadual Priscila Krause (DEM).

"A gestão Geraldo Julio comprou para a gestão João Campos pagar instrumentos musicais que seriam suficientes para a criação da noite para o dia de quinhentas bandas escolares no Recife, um município que tem 11 mil estudantes jovens matriculados nos anos finais do fundamental", afirma Priscila.

"Tudo foi feito às escuras, em pleno período da transição, quando o Brasil e especialmente o Recife passava - e passa - por uma das fases mais difíceis da sua história, a pandemia da covid-19, com os alunos em casa e as escolas fechadas. É mais um exemplo gritante de compra nebulosa, mais uma prova de que a prioridade da gestão não está efetivamente na melhoria da educação”, emenda a deputada.

Segundo o Ministério Público de Contas (MPCO) de Pernambuco, quando a compra sem licitação foi efetivada pela gestão anterior da Prefeitura do Recife, a empresa já era investigada por vários órgãos federais. Sobre a declaração do MPCO, Krause disse que "são muitas coisas que estão escondidas debaixo de sete chaves e precisam vir à tona". 

A companhia, que tem sede em Curitiba (PR), tem um histórico de suspeitas de irregularidades no fornecimento de material escolar a prefeituras e governos estaduais. Em dezembro de 2018, dois anos antes da compra pela administração da capital pernambucana ser efetivada, a empresa foi denunciada e condenada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por formação de cartel em licitações públicas, acusada de fraudar licitações para compra de uniformes, mochilas e materiais escolares em quatro Estados entre 2007 e 2012.

Em 2019, o governador Paulo Câmara (PSB) comprou à mesma empresa 1,6 mil instrumentos musicais, ao custo de R$ 2,1 milhões, para bandas e fanfarras de toda a rede escolar estadual, que tem matriculados entre os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio, mais de 400 mil alunos, cerca de quarenta vezes mais do que o Recife.

Operação Calvário

O contrato do Recife com a Brink, que pode chegar a R$ 10,7 milhões, foi assinado em dezembro de 2020, quando a Operação Calvário, da PF, já estava em curso na Paraíba. A empresa é acusada de pagar ao menos R$ 1,8 milhão em propina para obter contratos no governo de Ricardo Coutinho (PSB).

O dono da companhia, Valdemar Abila, chegou a ser preso no fim de 2019 na segunda fase da operação Calvário. No mesmo dia, os policiais também detiveram Coutinho. Os dois foram denunciados em dezembro pelo Ministério Público da Paraíba, ao lado de outras 33 pessoas, que incluíam agentes públicos, empresários e operadores financeiros. Não houve, até o momento, nenhuma condenação.

Essa, porém, não foi a primeira vez que a empresa se envolve em suspeitas de irregularidades. Em 2012, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), órgão vinculado ao Ministério da Educação, havia contratado a Brink Mobil para fornecer material escolar para a prefeitura de Madalena, no Ceará. Segundo um relatório de auditoria da Controladoria-Geral da União, de 2015, auditores do órgão visitaram as escolas do município e não encontraram equipamentos.

No relatório, o órgão de controle concluiu que "a aplicação dos recursos federais não está adequada" e exigiram "providências de regularização por parte dos gestores federais".

Compras do MEC sob investigação

Em junho 2020, a empresa Brink Mobil já estava sendo investigada. À época, foram feitas denúncias de compras supostamente irregulares através do Ministério da Educação (MEC) do governo Bolsonaro, o que levou o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) às investigações

Entre os negócios que estão na mira dos órgãos estava um acordo de R$ 426,8 milhões assinado em fevereiro de 2019 pelo MEC com a empresa para fornecer kits escolares a estudantes. Segundo matérias publicadas por jornais de circulação nacional, em 2020, Brink Mobil e seu proprietário, Valdemar Abila, acumulavam suspeitas de irregularidades quando fecharam o negócio.

Em março daquele ano, a equipe do MEC chegou a ser alertada, por empresas concorrentes, sobre o histórico da Brink Mobil. Na ocasião, ela já era alvo do Ministério Público no Rio e em São Paulo por suspeita de fraudar licitações. Também havia apuração no Tribunal de Contas da Paraíba. O Ministério Público Federal opinou pela condenação da empresa no mês passado. O processo está em fase final.

No mesmo mês, o TCU chegou a apontar diversas irregularidades no pregão do FNDE que resultou na contratação da Brink Mobil. Dentre elas, a corte de contas concluiu que o fundo pagou valor acima do de mercado. Por isso emitiu recomendação para o FNDE ajustar valores e não repetir os erros. Em seguida, o TCU abriu um procedimento específico para analisar a contratação, enquanto a CGU iniciou uma auditoria. Os procedimentos ainda não foram concluídos.

Outro lado

JC procurou a Prefeitura do Recife para que a gestão se pronuncie sobre o caso, mas não recebeu retorno até a última atualização desta reportagem.

Por nota, a empresa Brink Mobil esclareceu que o fornecimento dos itens "foi realizado por meio de Pregão Eletrônico através de Processo Regular de adesão à Ata de Registro de Preços n.º 022/2020, legalmente previsto, decorrente do Processo Licitatório n.º 031/2020 –para Registro de Preços n.º 010/2020, no qual a empresa BRINK MOBIL venceu tal processo por ter apresentado o preço mais vantajoso durante a disputa de preços entre as nove (9) empresas competidoras". De acordo com a companhia, a diferença de preços entre os valores propostos pela Brink Mobil e a segunda colocada foi de R$ 1,4 milhão.

"Diante do benefício no preço registrado na referida Ata de RP, (que pode ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública), a Prefeitura do Recife requisitou junto ao órgão gestor e à BRINK MOBIL, a adesão realizada no dia 25/11/2020 ao referido registro de preços (o que é bastante comum e possui pleno respaldo na legislação vigente), em decorrência justamente, da economicidade gerada por tais contratações que somente são autorizadas mediante comprovação de tais requisitos", diz a empresa, no texto.

Mencionando as informações publicadas por este JC como "caluniosas", a Brink Mobil afirma que atua "com conduta irrepreensível há mais de 34 anos no segmento fornecendo uma gama de produtos educacionais para órgãos públicos de todas as esferas".

A companhia sediada em Curitiba, no Paraná, cita também esta matéria no comunicado. Pela manhã, a reportagem entrou em contato com a empresa para comentar as informações e dar a sua versão dos fatos, mas não conseguiu retorno.

A empresa finaliza a nota dizendo que tem sofrido "grave prejuízo financeiro", porque apesar de ter entregue todos os instrumentos contratados pela PCR dentro do prazo do edital, recebeu apenas 47,50% do valor total a que tem direito. "Por último, ressaltamos que não há nenhuma irregularidade e nem impedimento da empresa BRINK MOBIL em continuar fornecendo recursos educacionais de excelência e contribuir com a melhoria da educação pública em todo o País", pontua.

Veja quais escolas vão receber parte dos instrumentos musicais, segundo a Secretaria de Educação do Recife:


1. Escola Municipal André de Melo

2. Escola Municipal Antônio Farias Filho

3. Escola Municipal Heráclito do Rego

4-. Escola Municipal Arquiteto Alexandre Muniz

5. Escola Municipal Arraial Novo do Bom Jesus

6. Escola Municipal da Iputinga

7. Escola Municipal de Tejipió

8. Escola Municipal Divino Espírito Santo

9. Escola Municipal Dom Bosco

10. Escola Municipal Doutor Rodolfo Aureliano

11. Escola Municipal Hugo Gerdau

12. Escola Municipal João XXIII

13. Escola Municipal Karla Patrícia

14. Escola Municipal Luiz Vaz de Camões

15. Escola Municipal Maria de Sampaio Lucena

16. Escola Municipal Mario Melo

17. Escola Municipal Nadir Colaço

18. Escola Municipal Octávio de Meira Lins

19. Escola Municipal Olindina Monteiro de Oliveira França

20. Escola Municipal Oswaldo Lima Filho

21. Escola Municipal Padre Antônio Henrique

22. Escola Municipal Paulo VI

23. Escola Municipal Pedro Augusto

24. Escola Municipal Poeta Joaquim Cardozo

25. Escola Municipal Poeta Jonatas Braga

26. Escola Municipal Professor Aderbal Galvão

27. Escola Municipal Professor Antônio Brito Alves

28. Escola Municipal Professor Florestan Fernandes

29. Escola Municipal Professor José da Costa Porto

30. Escola Municipal Professor Nilo Pereira

31. Escola Municipal Professora Almerinda Umbelino de Barros

32. Escola Municipal Reitor João Alfredo

33. Escola Municipal São Cristóvão

34. Escola Municipal Sociólogo Gilberto Freyre

35. Escola Municipal Vila Sésamo

36. Escola Municipal Cícero Franklin Cordeiro

 

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